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      Liszt Vieira

      Liszt Vieira é professor de sociologia aposentado da PUC-Rio. Foi deputado (PT-RJ) e coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92

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      O sonho e o voto – perigo à vista!

      Fazer propaganda das realizações feitas pelo governo, ou criticar a ausência ou más realizações dos governos adversários, é falar do passado sem dar esperança

      urna eleitoral (Foto: Cristiano Lima)
      “O sonho, alegria me dá: nele você está”
      (trecho da canção Ronda, de Paulo Vanzolini)

      1.

      Em época eleitoral, muita gente discute o papel da economia ou dos costumes na captação do voto e esquece um fator tão ou talvez mais importante: a esperança.

      Fazer propaganda das realizações feitas pelo governo, ou criticar a ausência ou más realizações dos governos adversários, é falar do passado sem dar esperança em relação ao futuro. Além disso, dados macroeconômicos como PIB, taxa de desemprego ou renda, não influenciam voto. O único dado econômico que pesa na decisão da maioria do eleitorado é o preço dos alimentos. E, nesse quesito, o governo Lula não vai bem.

      As campanhas memoráveis dos governos Lula 1 e Lula 2 foram lastreadas na esperança. Em recente entrevista, o cientista político Marcos Nobre lembrou a canção Lula Lá. Essa canção lavava a alma e irradiava esperança. E no atual Governo Lula 3, o que temos em matéria de esperança? A essência do governo é fazer aliança com a direita, em nome da governabilidade, para barrar a extrema direita. Ficamos numa posição reativa, sem esperança quanto ao futuro. Somos contra o bolsonarismo, mas somos a favor de que? Algumas propostas isoladas não chegam a configurar um projeto político.

      Os partidos que apoiam o governo não têm projetos políticos, não apontam para o futuro, não apresentam nenhuma utopia. Os bons parlamentares são aqueles que brigam com a direita. A agenda de esquerda desapareceu e a esquerda se limita a combater a extrema direita. Uma atitude puramente reativa, e não mais propositiva. E apenas combater a extrema direita, por mais importante que seja, não gera esperança.

      Os partidos de esquerda apoiam o governo que, em nome da governabilidade, faz concessões ao mercado, aos militares e à direita parlamentar. Mas quem mais ganha com isso é a direita que se fortalece politicamente com o abandono, pela esquerda, de sua agenda de mudanças. A conciliação permite pequenos avanços a curto prazo, mas contribui para um futuro enfraquecimento eleitoral. O sociólogo Rudá Ricci, diretor do Instituto Cultiva, afirmou que “acenar para a direita é morrer na praia”.

      2.

      Usando uma metáfora futebolística, o governo montou uma boa defesa, mas o ataque é fraco e muitas vezes ineficaz, e o eleitorado quer ver gols. No plano interno, Lula joga na defesa. No plano internacional, joga no meio do campo, propondo mediação entre países em conflito. Isso é o máximo que a tradição diplomática permite. Mas, dessa forma, deixa de atacar e dizer, por exemplo, que o genocídio e o extermínio do povo palestino é política de Estado em Israel. Seria um gol que receberia muito mais aplausos do que vaias da torcida contrária, e que contribuiria para fortalecer sua imagem internacional de estadista.

      O fato é que no Brasil, e não só, a maioria do eleitorado quer mudança. Os eleitores, em sua maioria, são contra o “sistema”. E a esquerda tornou-se o sistema, apoia um governo que é o sistema. Os partidos de esquerda não propõem mudança de paradigma, não atacam o grande capital para não prejudicar o governo, não apresentam propostas de mudanças estruturais.

      Assim, a esquerda perde votos para a direita que fala em mudança. Grande parte da juventude na Argentina votou em Javier Milei, não por identificação política, mas por desejo de mudança, sem ter a menor ideia do que viria a ser feito depois.

       No Brasil, as pesquisas sobre a popularidade do presidente e do governo oscilam e, provavelmente, vão continuar oscilando, sem apontar uma tendência definida. Mas, mesmo nas pesquisas em que Lula aparece derrotando seus adversários, a rejeição é maior do que a aprovação, e isso não é um bom sinal. Para contrabalançar, a propaganda oficial do governo apela para slogans tradicionalmente usados pela direita, como o bordão “O Brasil é dos brasileiros”. É esse tipo de slogan que justifica a repressão aos imigrantes, na Europa e nos EUA.

      Em nome da governabilidade, a esquerda acaba indo a reboque da direita. Ou isso muda e voltamos a despertar no povo a esperança, ou corremos o risco de uma derrota na próxima eleição presidencial. Nelson Mandela dizia que “a esperança é uma arma poderosa”, mas a rotina burocrática do poder leva os dirigentes a discursos repetitivos e monótonos que não apontam para nenhuma utopia nem despertam esperança. Seria bom não esquecer a lição de Victor Hugo para quem, “para criar o futuro, nada é melhor do que um sonho”.

      Entre um candidato que presta contas de suas realizações e outro que promete um futuro melhor, mesmo com promessas duvidosas, este último tende a ter mais votos porque trouxe a esperança para o coração e mente das pessoas. A proposta de fazer aliança com a direita para barrar a extrema direita não deve funcionar mais porque a extrema direita, com seu candidato natural declarado inelegível, tenderá a acompanhar um forte candidato da direita, apoiado pela grande mídia comercial e pelo governo americano. Isso significa enxurradas de dinheiro e fake news em apoio ao candidato da oposição.

      Precisamos de um projeto político que traga esperanças para o futuro. Precisamos de uma nova utopia política que nos traga de volta o sonho, esse fator poderoso na decisão de votar.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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