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    Emir Sader

    Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

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    O troca-troca da direita com Bolsonaro

    "Imbecis e aventureiros não chegam sozinhos à presidência. O próprio Bolsonaro era um marginal na política. Só deu o salto porque se tornou o candidato da direita. Que o segue apoiando", reflete Emir Sader; para o sociólogo, muito porque sabe que "o desaparecimento praticamente do centro e da centro-direita faz com que a única outra força política nacional seja o PT"

    (Foto: Alan Santos/PR)

    A direita colocou o Brasil nas mãos de um idiota, um aventureiro, um desclassificado. Agora reclama dos seus excessos. Mas como chegou a isso? Como apelou para um tipo assim para dirigir o país? Como estava a direita quando se valeu do Bolsonaro?

    A direita estava feliz com o governo FHC. Não apenas pelo governo neoliberal que ele fazia, mas também por acreditar que tinha virado uma página da história brasileira. Não somente os temas do Estado mínimo, da quebra do monopólio da Petrobras, da desqualificação dos servidores públicos e dos professores, dos líderes sindicais e da esquerda passaram a ser centrais. Também acreditavam que tinham se livrado de vez dos sindicatos, de Lula, do PT, da esquerda, das greves, das ocupações de terra, das manifestações de rua. Para eles o  Brasil entraria no novo século passado a limpo, na visão da direita brasileira, graças a FHC e aos tucanos.

    A direita foi pega de surpresa pela vitória de Lula em 2002 e demorou a se recompor e a retomar uma narrativa do que estava acontecendo no Brasil. Teve no mensalão uma referência de que talvez o governo do PT não demorasse muito, de que o tema da corrupção levaria ao desfecho precoce daquela experiência inesperada para a direita.

    Mas a reeleição de Lula e, especialmente, o sucesso espetacular de seu segundo governo – o momento mais virtuoso da história política brasileira, de que Lula saiu com 80% de referências negativas na mídia, mas com 87% de apoio – mostraram que os governos do PT tinham mudado a agenda do país e deslocado à direita.

    Ela alimentou a esperança de derrotar a Dilma com a candidatura do Serra e depois com a de Aécio Neves, até que se deu conta que a via democrática estava fechada para ela. Depois de quatro derrotas sucessivas, teria que encarar a candidatura do Lula. Aí aderiu ao golpe.

    O golpe deu certo para a direita brasileira, porque conseguiu seus dois objetivos: tirar o PT do governo e restabelecer o modelo econômico neoliberal. Mas a via escolhida teve suas consequências negativas também. Entre elas, a radicalização para a extrema direita das bases de apoio dos tucanos. Quando chegaram as eleições de 2018,  a direita não podia contar nem com candidatos tucanos – Alckmin ficava na casa dos 5% -, nem com outros nomes, como Luciano Huck e Joaquim Barbosa. 

    Conforme Lula aparecia como favorito para ganhar as eleições no primeiro turno e voltar a ser presidente do Brasil, a direita se viu obrigada a jogar tudo no Bolsonaro, o único candidato que tinha um caudal mínimo de votos, que se prestava para uma operação de manipulação que pudesse levar a ganhar a eleição.

    Para isso era necessário impedir Lula de ser candidato. E montar a monstruosa operação de WhatsApp.

    Bolsonaro, por sua vez, quando se deu conta que podia ser o candidato do grande empresariado e dos seus porta-vozes na mídia, nomeou um economista ultraliberal para dar garantias que o modelo econômico neoliberal seria mantido e até radicalizado.

    Começava a se desenhar o troca-troca do Bolsonaro com o grande empresariado, a velha mídia e os partidos de direita. Em troca da manutenção do modelo neoliberal, a direita se dispunha a desconhecer quem tinha sido Bolsonaro, o que ele tinha dito e feito, contanto que fosse garantida a política econômica neoliberal.

    Para garantir esse apoio, Bolsonaro foi nomeando militares em grande quantidade de cargos, além de contatar Sérgio Moro para compor o governo. Estava pronto o pacote que ele tinha a oferecer às forças da direita, em troca de ser o candidato dela.

    A direita tradicional oferecia seu apoio, que incluía campanha na mídia a favor do Bolsonaro, que aparecia como o seu candidato, apagando tudo o que ele tinha dito de horripilante. Nao fazia mal que pregasse a violência e a tortura, que tivesse vínculos com as milícias, que mentisse o tempo todo, que se negasse a participar de debates, que não tivesse programa de governo, que tomasse o ridículo Olavo de Carvalho como seu guru, que apoiasse tudo o que os seus filhos tinham feito e falassem, que ofendesse os adversários, que discriminasse a negros, mulheres, índios, LGBT, que atacasse as universidades e a educação pública, que promovesse Brilhante Ustra a herói nacional e tudo o mais. Tudo era perdoado - ou esquecido - ou diminuído nas suas dimensões, contanto que o programa neoliberal fosse mantido e aprofundado. Que seguisse avançando as privatizações, os projetos de lei e outras iniciativas que promovem a liberdade absoluta do capital em detrimento dos direitos dos trabalhadores, que se siga destruindo os programas de políticas sociais, que se continue abrindo a economia ao mercado internacional, que se aprofunde a subordinação do país às políticas dos EUA etc.

    Cumprindo com isso, Bolsonaro está liberado para fazer as nomeações de pessoal ligado a ele, na educação, nas relações exteriores, na secretaria do meio ambiente, das mulheres, dos direitos humanos, entre outros, temas que não interessam diretamente ao grande empresariado. Está liberado para fazer as declarações mais estapafúrdias e tomar decisões que afetam diretamente o direito das pessoas, os interesses da cidadania, a liberdade das pessoas, que desmontem os conselho de participação da sociedade nas decisões de governo, que tome decisões contra as políticas de meio ambiente, que faça as nomeações de gente sem qualificação – como o caso do seu filho ou de outros -, tendo como critério a fidelidade ao seu clã.

    Está autorizado a avançar sobre as prerrogativas do Judiciário e do Congresso, a atacar os meios de comunicação, promover a velocidade nas estradas e o uso de armas por todo mundo, além da violência das polícias contra a população, ofender governos de outros países, beijar a bandeira dos EUA, prestar continência a autoridades do governo norte-americano, exibir vocabulário escatologico para  tratar dos problemas, das pessoas e dos partidos e movimentos de oposição.

    Contanto que mantenha a política econômica neoliberal. Porta-vozes do grande empresariado reclamam da falta de decoro do Bolsonaro, como se não conhecessem seus discursos e suas formas de tratar os problemas. Atribuem a seus destemperos verbais a recessão econômica, para absolver o modelo econômico, fábrica de recessão, como o que aconteceu nos governos de Michel Temer e Mauricio Macri.

    Essa a aliança, o casamento, o conluio cruel que leva o país ao pior momento da sua história. Que não é um problema maior para a direita, contanto que não se retome o rumo que a Argentina ameaça retomar: o de governos que priorizem a retomada do crescimento econômico com distribuição de renda.

    Imbecis e aventureiros não chegam sozinhos à presidência. O próprio Bolsonaro era um marginal na política. Só deu o salto porque se tornou o candidato da direita. Que o segue apoiando, embora reclamando do seu estilo de governo, dos seus discursos, dos conflitos que julgam desnecessários, do próprio vocabulário, que consideram indevido.

    A direita segue o apoiando também porque sabe que o desaparecimento praticamente do centro e da centro-direita faz com que a única outra força política nacional seja o PT, seu adversário fundamental. Daí o troca-troca, que leva o Brasil ao desastre atual.   

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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