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    Wellington Mesquita

    Jornalista com pós-graduação em Filosofia Social em Roma. Trabalhou em rádios e veículos no Brasil e no exterior. Foi coordenador de jornalismo na Agência Radioweb e publicou o livro “A Sucessão no Vaticano”

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    Olimpíada, desigualdade e hipocrisia

    Durante um mês, um punhado de países, denominados potências olímpicas, abocanhará quase a totalidade das medalhas

    Abertura das Olimpíadas de Paris (Foto: Reuters)

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    A cada quatro anos a abertura dos Jogos Olímpicos nos surpreende pelas apresentações arrojadas, shows de cores e muita emoção, mas sempre que assisto à cerimônia fico abismado com o grau de desigualdade presente também no mundo dos esportes. Outra característica que me chama a atenção é a dose cavalar de hipocrisia que cerca o evento. Durante um mês, um punhado de países, denominados potências olímpicas, abocanhará quase a totalidade das medalhas. Atletas fortes e bem preparados quebrarão recordes e exibirão suas habilidades a bilhões de telespectadores em todo o mundo. Ao sul global, por sua vez, é relegado o papel de coadjuvante da festa, com destaques quase sempre isolados. Basta ligar a TV nos próximos 30 dias para se cansar de ouvir os hinos dos países do G7, China e Austrália.  

    Se não fossem os africanos e caribenhos, com performances extraordinárias no atletismo, a disparidade seria ainda maior. Considerada exceção, Cuba se esforça para manter sua força olímpica, mas perde o fôlego a cada edição. O mesmo podemos dizer de alguns países do leste europeu, que carregam ainda uma cultura esportiva herdada do período socialista, quando se investia pesado em todas as modalidades. Infelizmente, o Brasil ainda está longe de ser uma potência olímpica e se destaca graças, principalmente, à superação e ao talento de alguns atletas. O desempenho dos países nos Jogos Olímpicos é um reflexo claro da desigualdade global. Ganha quem investe, e investe quem tem dinheiro, com exceções, evidentemente.

    A criativa abertura em Paris mostrou muita diversidade e bom gosto musical, como a arrebatadora apresentação de Celine Dion. Apesar disso, o Rio Sena, que corta a capital francesa, transbordou de hipocrisia. A começar pelo barco do time de atletas refugiados, um dos primeiros a cruzar o curso de água. Obviamente poucos espectadores se lembraram de outras embarcações, que todas as semanas tentam atravessar o Mediterrâneo e a rota Atlântica, com homens, mulheres e crianças, espremidos, lutando por sobrevivência. Muitos naufragam, como aconteceu nesta semana na costa da Mauritânia, deixando mais de cem pessoas desaparecidas. Todos buscavam refúgio na rica Europa, que provavelmente lhes negaria.   

    A presença de artistas franceses originários de ex-colônias e departamentos, como Mali e Guadalupe, reforçou o caráter multicultural da capital francesa, numa disputa ideológica travada com as forças reacionárias que avançam na Europa. As magníficas apresentações não escondem, entretanto, a tensão e insatisfação dessas localidades para com a metrópole. Os moradores do pobre arquipélago de Mayotte, no Oceano Índico, que o digam. Desde o início do ano, a França tenta limitar o direito à cidadania a filhos de imigrantes nascidos no local. É apenas um exemplo da hipocrisia que rege o chamado ocidente. Para não falar de ex-colônias francesas na África que até hoje lutam para se libertar do jugo colonial, como o Mali, terra natal da cantora Aya Nakamura, uma das estrelas do espetáculo de abertura.

    O barco israelense atravessou o rio parisiense com atletas alegres e radiantes, enquanto seus concidadãos despejavam bombas e bombas sobre Gaza. A presença da delegação de Israel - e a ausência da Rússia - é sem dúvida uma das maiores hipocrisias da história dos Jogos Olímpicos. Maior até que a dos EUA e seus aliados, que boicotaram os jogos de Moscou por conta da invasão soviética ao Afeganistão, anos depois de deixarem o Vietnã e de terem apoiado golpes militares em toda a América Latina. Os atletas israelenses não são culpados pelo genocídio promovido por Netanyahu, mas se a Rússia foi punida pelo comitê olímpico pela  guerra na Ucrânia, Israel também deveria ser.     

    A organização caprichou na cerimônia, ressaltando a diversidade numa França cada vez mais refém da extrema-direita. Encolhido, não só pela chuva que caiu sobre a capital francesa, mas pelo isolamento político, o primeiro-ministro Emmanuel Macron parecia uma rainha da Inglaterra, cercado de pompa, mas sem prestígio político. Mais assustado, porém, ficou o rei da Espanha, Felipe VI, quando numa das janelas de um palácio apareceu a figura antiga monarca Maria Antonieta, decapitada. A representação da rainha austríaca, símbolo da opulência e do luxo, que gerou tanta indignação nos tempos da revolução, hoje não provoca mais a repulsa de outrora. Ao contrário, também ajuda a vender a imagem da capital francesa para o mundo, o que certamente renderá bilhões de euros em turismo à Cidade Luz. 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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