Os europeus são os únicos?
"Discurso de Macron é revelador da persistente disputa entre o bloco europeu e os países do Sul Global", escreve Carol Proner
Segundo Macron, os europeus são os únicos a definirem instrumentos normativos e novas regras capazes de garantir redução substancial de emissão de carbono até 2030, e de alcançar a neutralidade em 2050. Será mesmo?
A Cúpula do G20 em Nova Délhi, concluída no domingo, ficou marcada pela ausência de importantes líderes e pelo impasse quanto aos grandes temas de emergência internacional: saídas para a guerra na Ucrânia, alternativas às defecções do sistema financeiro mundial e respostas ao agravamento da crise climática.
A partir de agora o Brasil assume a presidência do grupo e terá a oportunidade de contribuir significativamente. É fato que o país já tem contribuído na elaboração de propostas inovadoras e estimulado a participação do Sul Global nos grandes temas, em especial reforçando a legitimidade de países em desenvolvimento nas alternativas para o enfrentamento da emergência climática.
Mas esta condição de interlocutor informado do Brasil e de outros países em desenvolvimento não tem sido valorizada por países europeus. Em discurso divergente, o líder francês Emmanuel Macron parece incomodado com a emergência dos emergentes, e com propostas que saem do padrão europeu de referência.
Comentando um relatório publicado na sexta-feira sobre o Acordo de Paris, Macron reconheceu que, no âmbito global, não vamos no bom caminho e que é preciso triplicar esforços em direção às energias renováveis e de baixo carbono, incluindo a energia nuclear. Chegou a mencionar, como exemplo para “enverdecer” as economias, o projeto do corredor ferroviário entre Índia, Arabia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Europa para transportar hidrogênio verde, mas admitiu que essas iniciativas são insuficientes.
A mensagem mais relevante para o Brasil veio em seguida. O líder francês se diz preocupado com o sentido que começa a prevalecer nos foros internacionais, incluindo no G20. Segundo ele, um discurso fácil a respeito da questão do clima que provém de certos países e que atribui responsabilidade climática apenas aos países ricos. Sem citar quais seriam os emergentes, o líder francês falou em nome da Europa e refutou o eventual discurso dizendo que os únicos engajamentos aferíveis quanto ao clima são efetivamente europeus. Mencionou o Green Deal e o Procedimento Fit for 55” que atestariam que os europeus são os únicos a definirem instrumentos normativos e novas regras capazes de garantir redução substancial de emissão até 2030, e de alcançar a neutralidade carbono em 2050.
Macron se diz contente em perceber que outros países também desejam fazer parte do “clube” da neutralidade de carbono até 2050, mas que somente os europeus são capazes, até o momento, de afiançar a própria estratégia.
Tocando no tema sensível das promessas incumpridas de repasse por parte dos países ricos, garantiu que os 100 bilhões prometidos serão honrados, mas enfatizou que outros países precisam fazer esforço equivalente. Afirmou ser falso e anticientífico o discurso de que é possível postergar as medidas para sair do carvão e do petróleo e reagiu duramente à ideia de que seria possível conciliar a dependência de petróleo até 2040-45.
Nesse sentido, bradou que todos os países emergentes devem abandonar o mais rapidamente possível a economia baseada no carvão e, sem hipocrisia, acelerar a saída da produção de óleo diesel. Esse seria o coração da estratégia de cooperação europeia, como ocorre com os acordos de Transição Energética Justa (Just Energy Transition Partnerships) celebrados entre a UE e a África do Sul, a Indonésia, o Senegal e outros.
O discurso de Macron é revelador da persistente disputa entre o bloco europeu e os países do Sul Global em relação à melhor maneira de gerir as questões ambientais, para a qual chamou atenção também o presidente Lula ao reiterar seu repúdio à “side letter” proposta pela União Europeia ao acordo de livre comércio entre a UE e o Mercosul. O adendo de última ora ao texto original cria uma série de exigências que Lula chamou de “inaceitáveis” e até “ofensivas” a uma negociação multilateral que já leva tantos anos.
Eis um exemplo dos desafios que o Brasil enfrentará no futuro, inclusive como país sede da COP 30. Fechar os olhos para alternativas e propostas inovadoras não tem qualquer sentido de responsabilidade. Fato é que países detentores de reservas florestais, por mais vulneráveis que sejam suas economias, souberam preservar a natureza em alguma medida. E podem trazer soluções socioambientais inéditas para um planeta em ebulição.
No caso do Brasil, chama a atenção o projeto Floresta Viva, os fundos de preservação como Fundo Amazonia e Fundo clima e os projetos de regeneração florestal que combinam medidores de conversão de carbono, geração de emprego e renda, bem como garantia de existência permanente dos biomas. Este é só um exemplo, mas são inúmeros que envolvem países africanos e a Indonésia. Vivemos uma emergência climática sem precedentes e as soluções até o momento, europeias ou não, foram incapazes de evitar o agravamento em todas as frentes. É urgente aprender com a natureza e com os que nela vivem, e nisso o Sul Global tem muito a ensinar.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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