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    Weiller Diniz

    Jornalista especializado em cobertura política, ganhador do prêmio Esso de informação Econômica (2004) com passagens pelas redações de Isto É, Jornal do Brasil, TV Manchete, SBT. Também foi diretor de Comunicação do Senado Federal e vice-presidente da Radiobrás, atual EBC.

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    Os homens do antipresidente

    "Bolsonaro está só com seus poucos homens: ladrões, golpistas, malfeitores, infames, degenerados, delinquentes, assassinos e fascistas", diz Weiller Diniz

    Jair Bolsonaro (Foto: Ueslei Marcelino/Reuters)

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    (Publicado originalmente em Os Divergentes)

    O caso Watergate foi o maior escândalo de corrupção política nos Estados Unidos e levou o presidente Richard Nixon a renunciar durante seu segundo mandato. Eram 9 dias do aziago agosto de 1974. A conspiração que levou à queda de Nixon foi revelada por uma dupla de jornalistas do “Washington Post”:  Bob Woodward e Carl Bernstein que escreveram o livro “Todos os homens do presidente”. Cerca de 69 pessoas foram indiciadas e 48 condenadas. Cincos criminosos, da unidade clandestina denominada “encanadores”, foram detidos quando tentavam fotografar documentos e instalar grampos ilegais no Comitê Nacional do Partido Democrata, no Watergate Hotel. Foram apreendidas fitas gravadas demonstrando que Richard Nixon tinha ciência das operações ilegais contra a oposição. 

    As pistas mais robustas foram rastreadas com ajuda de uma fonte sigilosa que, por 33 anos, foi conhecida apenas como “Garganta Profunda”. Era Mark Felt, segundo homem na hierarquia do FBI que pautava: “follow the money”. Um dos presos estava na folha de pagamento do comitê de reeleição de Nixon. Um cheque de US$ 25 mil encontrado na conta bancária de outro integrante do grupo vinculou o crime aos fundos de campanha do ex-presidente. As reportagens revelaram que Nixon fez “caixa dois” para financiar operações de espionagem aos democratas. 

    Graças ao jornalista Guilherme Amado sabe-se que empresários aliados de Jair Bolsonaro, tramam algo mais grave que os apoiadores de Richard Nixon. Eles conspiram abertamente em favor de um golpe de Estado diante da possível eleição de Lula. As conjecturas para a ruptura são descaradas em um grupo de WhatsApp. A defesa da quartelada se soma às hostilidades ao STF, ao TSE e a imprensa. 

    O grupo aglutina empresários como Luciano Hang (Havan), Afrânio Barreira (Coco Bambu), José Isaac Peres (shoppings Multiplan), José Koury (Barra World Shopping), Ivan Wrobel (W3 Engenharia) e Marco Aurélio Raymundo, o Morongo (Mormaii). Koury é despudorado: “Prefiro golpe do que a volta do PT. Um milhão de vezes. E com certeza ninguém vai deixar de fazer negócios com o Brasil. Como fazem com várias ditaduras pelo mundo”. O dono da Mormaii ecoa: “Golpe foi soltar o presidiário”; “Golpe é o Supremo agir fora da Constituição”, “Golpe é a velha mídia só falar merda”. É só seguir o dinheiro desses “encanadores”. Pelas mesmas pregações autoritárias já foram em cana Sarah Winter, Roberto Jefferson, Daniel Silveira, Zé Trovão e há um mandado de prisão contra o foragido Allan dos Santos. 

    Enquanto o maior ensinamento de Watergate (“siga o dinheiro”) é negligenciado por aqui, algumas coincidências nos aproximam dos métodos não republicanos de Nixon. O escândalo brasileiro mais grave que Watergate foi urdido na Lava Jato promiscuindo o Judiciário e o MP: grampos ilegais, prisões arbitrárias e tocaias jurídicas para eliminar os democratas da eleição de 2018. As tragédias de agosto também nos perseguem: morte de JK (1976), suicídio de Vargas (1954) e renúncia de Jânio (1961). No Brasil, Bolsonaro cometeu crimes mais gravosos contra o Estado Democrático do que Nixon. 

    Usando os seus homens, convocou golpes, aparelhou parte das Forças Armadas e órgãos de inteligência, como PF e Abin, para perseguir adversários e tutelou a PGR, que enterra todas as graves denúncias contra ele e seus aliados. Como Nixon, o capitão despreza a lei em busca do poder desmedido através da corrupção. 

    A malversação está no MEC, na propina das vacinas, nas compras superfaturadas, supersalários da milicada, desvios na CODEVASF, subornos no FNDE, rachadinhas, Queiroz, laranjal do PSL, segredos centenários e o orçamento secreto, um mega caixa 2 que implodiu a publicidade e impessoalidade constitucional. Copiando Trump, Bolsonaro lança suspeitas infundadas sobre as urnas. Em franca desvantagem, ensaia repetir a selvagem invasão do Capitólio, aplaudida por ele e que rendeu uma batida do FBI na residência de Trump. Não seguimos o dinheiro, só os métodos dos quadrilheiros Nixon/Trump. 

    A soma dos mesmos expedientes aglutinou políticos notórios pela gatunagem de recursos públicos. São os homens-anões de Bolsonaro que só seguem o dinheiro. Muitos corruptos no governo operam para reconduzir o capitão. Entre os salteadores albergados no coração do poder estão dois célebres presidiários: Valdemar Costa Neto e Roberto Jefferson. Costa Neto é um operador do crime e preside o PL, onde Bolsonaro se alojou em novembro de 2021 para disputar a presidência. O “boy”, como é conhecido no submundo da delinquência, foi sentenciado em dezembro de 2013 a sete anos e 10 meses por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no mensalão e depois foi beneficiado por uma prisão domiciliar. 

    Roberto Jefferson é outro íntimo da carceragem. Atentou contra a democracia para bajular Bolsonaro. Foi preso pela segunda vez e queixou-se do abandono. Pela roubalheira no mensalão foi parar na cadeia pela primeira vez em 2014. Ficou pouco tempo trancafiado, menos de 1 ano e meio dos mais de 7 anos da sentença. Retornou à cadeia após as pregações golpistas contra o STF em 2021. Agora, em prisão domiciliar, é candidato a presidente da República pelo PTB. Ressentido e abandonado, se queixa de não ser mais um homem do antipresidente. 

    As eleições se aproximam e os esqueletos da corrupção se agrupam em torno de Bolsonaro. Em São Paulo, o espectro dos malfeitores é Eduardo Cunha, candidato a deputado federal e homem do antipresidente. Cunha tem uma folha corrida de causar inveja aos demais bandoleiros e integra o “top ten” do crime.  A carreira delinquente o levou à Câmara Federal entre fevereiro de 2003 e setembro de 2016, quando teve o mandato cassado. Depois de muitas chicanas a manobras, o plenário expeliu Cunha no dia 12 de setembro de 2016. Ele já estava afastado do mandato por determinação do STF. 

    Acusado de mentir na CPI da Petrobrás, teve aberto contra si um processo que resultou na cassação por quebra de decoro, tornando-o inelegível até o final de 2026. Votaram pela absolvição apenas 10 parlamentares, entre eles o atual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. Cunha capitaneou a trama que levou ao impeachment da ex-Presidente Dilma Rousseff. A torpeza foi uma vindita pelo PT não ter sido solidário a ele no processo por quebra do decoro no Conselho de Ética. 

    Em março de 2016, o STF acatou por dez votos a zero a denúncia do então Procurador-Geral contra Cunha por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, tornando-o réu. Em 5 de maio de 2016, o plenário do STF unanimemente manteve a decisão do então ministro Teori Zavascki que determinou afastamento de Cunha do mandato de deputado federal e, consequentemente, do cargo de Presidente da Câmara. 

    Em 19 de outubro de 2016 foi preso preventivamente pela Polícia Federal e, em março de 2017, foi sentenciado a 15 anos e quatro meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Em 18 de maio de 2017, teve um segundo mandado de prisão expedido pela Justiça. No final de março de 2020, teve a prisão preventiva substituída pela domiciliar em razão da pandemia, por ser do grupo de risco.  Em setembro de 2020, voltou a ser condenado na Lava Jato, e teve sua aposentadoria cassada na ALERJ pelo TJRJ. O patrimônio dele cresceu na cadeia, a real cadeia produtiva. É um vasto prontuário de um ser terrivelmente evangélico, um risco permanente aos cofres públicos. 

    Arthur Lira, foi o homem mais estratégico do capitão. Ele segurou uma montanha de quase 150 pedidos de impeachment. O poder monárquico, indefensável em uma democracia, lhe permitiu apresentar uma fatura muito elevada na gestão do orçamento secreto que, de público, se transformou em privado. Arthur Lira é um forte concorrente de Cunha no concurso da delinquência. Já foi condenado em duas ações por corrupção em Alagoas e disputa seguidas eleições com liminares. Os dois casos se referem à Operação Taturana, deflagrada em 2007 pela PF para apurar desvios na Assembleia Legislativa, onde Lira exerceu mandatos de 1999 a 2011. Foi acusado de se apropriar de verba de gabinete do Legislativo e de vencimentos de funcionários, o berço das rachadinhas. 

    Às vésperas da eleição de 2022 estourou o escândalo do “beco da propina” em Rio Largo, município cujo prefeito é aliado de Lira. Também tem digitais dele no kit robótica e em sonegação. Arthur Lira ostenta a curiosa proeza de ter sido “desdenunciado”, “desacusado” de corrupção pela procuradora amiga do governo, Lindôra Araújo. Só corrupção não é o bastante. Lira também é acusado de violência doméstica por sua ex-mulher, Jullyene Lins, também candidata a deputada em Alagoas. Lira disse ser o homem do antipresidente: “ninguém representa mais Bolsonaro em Alagoas do que eu…ninguém vai roubar isso”. Alguém quer, ainda mais com esse verbo? 

    Outro fantasma alagoano da corrupção, revivido por Bolsonaro para assombrar o Brasil, é Fernando Collor de Mello. Collor é um oligarca nordestino que se camuflou na estampa do novo e do ético. A mentira o tornou presidente. Vendeu uma falsa imagem e, como Bolsonaro, tapeou os eleitores incorporando um paladino da moralidade: “caçador de marajás” e protetor dos “descamisados”. Foi eleito já divorciado do Congresso e tentou enfraquecer os partidos e as lideranças tradicionais. A nanolegenda que o elegeu, PRN, era esquálida e Collor não disfarçava o menosprezo pelos canais institucionais. Por isso não formou base sólida no Congresso. O personalismo exibicionista, autossuficiência, arrogância e o tom belicoso (“bateu, levou”) deflagraram um processo de isolamento. 

    O fracasso de pacotes econômicos, confisco de contas, arrocho salarial, recessão, desemprego e corrupção na “república das Alagoas” – denunciada pelo próprio irmão contra o eterno fantasma PC Farias – adensaram a crise. A rejeição era superlativa e, quando tentou retroagir no socorro aos partidos, já era tarde. Foi cassado e inabilitado. As similitudes com o capitão são abundantes. Messianismo, egolatria, desprezo pelos partidos, descaso com a política, fragilidade no parlamento, falar apenas para nichos da sociedade e uma mitomania embaçada. Collor caiu rogando “não me deixem só”. 

    Outro homem do capitão e inquilino dos presídios é o deputado bolsonarista Daniel Silveira, preso duas vezes. A primeira por ataques contra ministros do STF, em fevereiro de 2021. A segunda por quebrar as regras do uso da tornozeleira eletrônica por cerca de 30 vezes. O deputado Silveira foi preso em fevereiro de 2021 em razão de um vídeo esculhambando a democracia e fazendo apologia ao AI-5, o mais sanguinário ato institucional da ditadura. Ele também pregou a destituição de ministros do Supremo Tribunal Federal.

    A prisão foi ratificada pela unanimidade do STF e confirmada pela Câmara dos Deputados. O ogro das redes sociais, condenado a 8 anos e 9 meses de cadeia, foi indultado por Bolsonaro. Silveira é sempre mostrado com a placa quebrada com o nome de Marielle Franco, vereadora chacinada pela milícia carioca. Bolsonaro deve ter razões para indultá-lo. Pretende disputar o Senado, é inelegível e está na rabeira das pesquisas. 

    Fabrício Queiroz é o homem do faz-tudo do clã Bolsonaro. Amigo do peito de Jair Bolsonaro, foi apontado pelo MP como operador das ‘rachadinhas’. Queiroz, o senador Flávio Bolsonaro e outros 15 foram enquadrados por três crimes: peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Fabrício Queiroz trabalhou por mais de dez anos com Flávio Bolsonaro. O COAF mostrou movimentações de R$ 1,2 milhão na conta de Queiroz entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017. 

    Queiroz foi preso em Atibaia em junho de 2020 no tugúrio de Frederick Wassef, então advogado de Flávio. Depois obteve uma prisão domiciliar junto com a esposa que obteve o mesmo benefício, mesmo sendo foragida. O MP acusou Flávio Bolsonaro de liderar uma organização criminosa que teria desviado R$ 6 milhões da ALERJ através de “funcionários fantasmas” em cargos de confiança. A promotoria identificou mais de R$ 2 milhões repassados para a conta de Fabrício Queiroz, que transferia o dinheiro pagando as despesas da família Bolsonaro, depósitos em contas bancárias do casal e transações imobiliárias. Ele também é o depositante dos R$ 89 mil na conta da Michelle Bolsonaro, ainda não explicado e ninguém seguiu o dinheiro, nem a diligente PGR, tocada por outro homem do antipresidente. 

    Reluzente representante da nova política é o ex-líder de Bolsonaro, Francisco Rodrigues. Flagrado ocultando perto de R$ 30 mil na cueca, ele foi um homem do antipresidente na liderança do governo no Senado, assim como o ex-ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, denunciado pelo laranjal do PSL. O partido que elegeu Bolsonaro também é alvo em outros estados. Ricardo Salles, ex-ministro do antipresidente, é investigado por corrupção. Abraham Weintraub, que defendeu a prisão dos “malandros” do STF, abandonou o capitão. Onyx Lorenzoni pagou para escapar do crime confesso de caixa 2. Há ainda os crimes contra o Estado Democrático, pelos quais são investigados os filhos do presidente e diversos parlamentares. 

    Entre os deserdados figuram o ex-secretário de Cultura, Roberto Alvim, que plagiou o nazista Joseph Goebbels; o ex-chefe da SECOM que produziu a peça publicitária com dizeres análogos ao campo de concentração de Auschwitz e o ex-chanceler Ernesto Araújo que equiparou o isolamento social aos campos de concentração. Isso para não falar em Queirogas, Queiroguinhas, Helenos e as mulheres Damares, Reginas, Bias, Carlas, Janaínas, Flor de Lis e outras gargantas inexpressivas que ganharam voz no bolsonarismo.  

    Os isolamentos presidenciais têm desfechos trágicos. Getúlio Vargas, Jânio Quadros e Collor eram populistas, falsos moralistas, travestiram-se de antipolíticos e acabaram emparedados por denúncias de corrupção e fiascos econômicos. O isolamento de Bolsonaro, mesmo maquiado pelo orçamento secreto, é irretorquível. Na pandemia os governadores repactuaram a federação e as decisões do STF achataram a estatura presidencial. Na política os adversários, até os mais antagônicos, se uniram para derrotá-lo. O mundo o repele e sua popularidade derreteu, com taxas de rejeição superlativas. 

    A Carta da Democracia, sacada pela elite brasileira, é um eloquente alerta, principalmente para as Forças Armadas, do isolamento do capitão. A nota dos EUA sobre as urnas eletrônicas foi outro duro recado do isolamento, bem como todo o enredo da posse de Alexandre de Moraes no TSE. Exceto os poucos anões aliciados, ninguém mais ouve o capitão. Ele espreita, insone e surtado, o cerco se fechar em torno do cercadinho sitiado. Prometeu reagir a bala, igual a resistência armada sugerida por Alzira Vargas diante do mar de lama do Catete, até que o estampido silenciou o país naquele 28 do agourento agosto de 1954. 

    A lição de Watergate é eterna. Bolsonaro está só com seus poucos homens: ladrões, golpistas, malfeitores, infames, degenerados, delinquentes, assassinos e fascistas. O passo seguinte (“follow the money”) pode levá-los para cadeia.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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