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    Josué Silva Abreu Júnior

    Psicólogo e doutor em Antropologia

    15 artigos

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    Os hospitais da Venezuela habilitados para os casos de Covid-19

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    No dia 7 de junho, o grupo Alianza Rebelde Investiga (ARI), formado pela união de portais opositores ao governo de Nicolás Maduro, publicou uma pesquisa abordando os 47 hospitais habilitados para atender pacientes com Covid-19 na Venezuela. De acordo com o grupo rebelde, eles tiveram acesso a um inventário oficial e confidencial do Ministério da Saúde com informações sobre os 47 hospitais sentinelas. O grupo rebelde reconhece que “os hospitais ainda não chegaram à sua capacidade máxima”. Assim como outras pesquisas e matérias jornalísticas, a ARI teme que o número de pessoas contaminadas cresça de forma descontrolada no país. Este temor vem sendo manifestado desde março, quando o coronavírus chegou à Venezuela, por meio de uma matéria publicada pela BBC. Dois meses depois, no dia 26 de maio, a Humans Rights Watch (HRW) publicou um relatório no qual seguia temendo um suposto aumento descontrolado de casos de Covid-19, o que não ocorreu neste intervalo de tempo. Em seu relatório, a HRW utilizou poucos dados de 2020. Grande parte dos hospitais citados por esta organização não foram habilitados para tratar Covid-19, levando os leitores à confusão. A falta de precisão dos estudos da HRW inspirou o autor deste artigo a criar o Blog Venezuela Covid-19, que está realizando estudos sobre os 47 hospitais que atendem pacientes contaminados pelo coronavírus na Venezuela. Não foi por acaso que a ARI fez o mesmo recorte, estudando apenas os hospitais da Venezuela que foram habilitados para atender casos de Covid-19. 

    A ARI afirma que, de acordo com o estudo realizado, 57% dos hospitais (27 de 47) possuem fornecimento contínuo de água potável e 11 apresentam fornecimento irregular. Em 9 hospitais o coletivo não conseguiu obter o dado. É possível observar que nenhum hospital informou que não possuía fornecimento de água potável e que ao menos 38 dos 47 hospitais contam com o fornecimento. Nenhum dos hospitais informou igualmente a escassez absoluta de água. É preciso considerar  que os hospitais que contam com o fornecimento intermitente são abastecidos por caminhões-tanques quando a água não chega pelos tubos. Estes hospitais também reservam água em tanques, como os que foram doadas pela UNICEF, ou em caixas d'água durante estes períodos. Os hospitais contam igualmente com bombas d'água, como é o caso do Hospital Universitário de San Cristóbal (no estado de Tachira) e o Hospital Universitário Manuel Nunes Tovar, em Monagas, dentre outros. O estudo da ARI sequer citou as bombas de água e tampouco as pastilhas de cloro que garantem a potabilidade da água ainda que esta esteja armazenada em tanques ou poços. É possível observar que alguns hospitais que informam o fornecimento intermitente de água potável, possuem este item disponível para utilizar de forma contínua. Nos casos mais extremos, os hospitais recebem doações de kit de higiene contando com água potável e sabão. Apesar disso, a ARI sugere que enfermeiros e médicos podem não ter acesso à água potável para lavar as mãos, o que não pode ser comprovado pelos próprios dados que apresenta.

    Outra clara imprecisão do estudo da ARI se refere à questão da energia elétrica nos hospitais. De acordo com a Alianza, o coletivo não conseguiu obter respostas relativas a equipamentos de geração de energia em 47% dos hospitais, evidenciando assim uma grande falha na obtenção dos dados. É possível que estes 47% possuam tais equipamentos. A ARI não citou sequer um hospital que não possuísse tais equipamentos. Antes que o coronavírus chegasse à Venezuela, a empresa Corpoelec realizou uma averiguação na parte elétrica de todos os hospitais. No dia 22 de maio,  o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), em conjunto com o Ministério da Energia Elétrica, informou a aquisição de suprimentos elétricos para contribuir com os 46 hospitais sentinelas, que naquele momento representavam 100%. De acordo com uma nota emitida pela organização, "estes insumos e materiais constam de baterias, óleos para a manutenção das plantas elétricas, boquilhas e demais materiais de iluminação". Cabe ressaltar que a ARI reconhece que ao menos 53% dos hospitais contam com equipamentos para a geração de energia. Embora a Alianza Rebelde não tenha logrado saber se os outros 47% possuíam ou não tais equipamentos, esta informação pode ser facilmente conhecida por buscas na internet. O Blog Venezuela Covid-19,  por meio de notas da companhia elétrica Corpoelec, assim como por meio de matérias jornalísticas que citam o sistema de energia de cada hospital, constatou que ao menos 80% destes possuem plantas elétricas autônomas para geração de energia. O Blog disponibilizou uma lista contendo links de notas e matérias que citam doações, instalações, manutenções ou falhas nas plantas elétricas para geração autônoma de energia nos hospitais.  

    De acordo com a ARI, 43% dos hospitais (20 de 47) não possuem kits de EPIs para proteger os médicos ou estão incompletos. Considerando os dados apresentados, é possível observar que 57% dos hospitais registram o fornecimento completo de EPIs. A forma como a ARI apresentou os dados não permite saber a porcentagem de hospitais que apresentam escassez total de EPIs, dando a falsa sensação de que pode ultrapassar 40%. O estudo, no entanto, não citou nominalmente nenhum hospital com escassez total de EPIs, o que facilitaria a checagem independente. É pouco crível que algum hospital apresente total escassez de EPIs. É preciso considerar, neste contexto, que ao menos 60% dos Estados venezuelanos (14 de 23) apresentam menos de 100 casos de Covid-19 registrados, o que pode estar relacionado à diferença no fornecimento de equipamentos de proteção entre os hospitais.  Os Estados de Guárico, Cojedes e Delta Amacuro, por exemplo, registraram 6, 9 e 10 casos positivos, respectivamente. O número de profissionais da saúde contaminados e mortos por Covid-19 é consideravelmente baixo, quando comparado aos números de outros países. O governo venezuelano registrou 178 profissionais ligados à saúde contaminados pelo coronavírus e  3 mortos no final de junho. No entanto, a organização Médicos Unidos da Venezuela afirma que o número de profissionais da área que vieram a óbito chega a 10. No Brasil, o Estado da Bahia, que possui aproximadamente a metade da população da Venezuela, registrou 9.005 profissionais da saúde diagnosticados com Covid-19 até o dia 1 de julho, um número 50 vezes maior que o do país vizinho aproximadamente. 

    Embasada na Encuesta Nacional de Hospitales realizada no dia 24 de janeiro, a ARI destaca que 93% dos hospitais não contavam com um protocolo de atuação específica. O estudo não informa, no entanto, que o protocolo está publicado no site do Ministério da Saúde desde o dia 3 de março, dez dias antes do país registrar o primeiro caso de Covid-19. Dessa forma, não é correto dizer que médicos atenderam pacientes com Covid-19 sem a disponibilidade de um protocolo. De acordo com a ARI, 51% dos hospitais afirmaram que contam com todos os equipamentos necessários para atenção a pacientes com Covid-19, 28% informaram fornecimento incompleto, 15% disseram que não há e 6% não informaram. O estudo não cita nominalmente nenhum hospital que apresenta escassez total de equipamentos necessários para o tratamento de pacientes com Covid-19. Sempre que o estudo aponta a escassez total de algo, não cita o nome dos hospitais, dificultando a checagem.

    O estudo da Alianza Rebelde traz igualmente o número de leitos públicos disponibilizados. De acordo com a ARI e o governo venezuelano, o país possuía 23.723 leitos no início da pandemia, sendo que 11 mil estavam destinados para atender pacientes com Covid-19. O número total de leitos, destinados ou não para casos de Covid-19, representa 0,8 por mil habitantes, o que é significativamente menor que os 3 leitos por mil habitantes recomendados pela OMS. No entanto, no dia 26 de abril, o governo informou um acréscimo no número de leitos no país, passando de 23.723 para 27.780, o que corresponde a 0,93 leitos por mil habitantes, diminuindo assim o deficit. O suposto inventário obtido pela ARI aponta que mais 5 hospitais sentinelas estão em funcionamento nos Estados de Aragua, Carabobo, Vargas e 2 em Bolívar. No entanto, a ARI afirma que, de acordo com este mesmo inventário, a Venezuela possui 2.694 leitos para casos positivos a menos que o anunciado pelo governo.  É preciso considerar, no entanto, que além dos hospitais, a Venezuela disponibiliza leitos para o isolamento de pessoas assintomáticas em hotéis.  De acordo com o inventário citado, os hospitais sentinelas  contam com 339 leitos ventilados, sendo 106 em Centros de Diagnósticos Integrais (CDI). Segundo estudos publicados pelo The Lancet Infectious Disease, 20% das pessoas contaminadas diagnosticadas com Covid-19 precisam ser internadas, 15% necessitam de oxigênio e 5% de respiradores mecânicos. Por esta estatística, a Venezuela precisaria de 207 ventiladores pulmonares no início de julho, uma vez que o número de pessoas com o vírus ativo no dia 1º era de 4.132. Estes números indicam que o país possuía nesta data 132 respiradores disponíveis aproximadamente. 

    No início da pandemia, os portais e profissionais da saúde opositores ao governo venezuelano insistiam que a Venezuela realizava poucos testes, buscando descredibilizar os baixos números oficiais de contaminados e mortos por Covid-19. Apesar disso, o fator de subnotificação de casos estimados é baixo, de acordo com os próprios opositores. Juan Guaidó, por exemplo, estimou que o número era 3 vezes maior que o anunciado pelo governo em meados de março. A Academia Venezolana de Ciências Físicas, Matemáticas e Naturais, indicou em um primeiro momento um número de contaminados 2 vezes maior e posteriormente indicou um fator de 5,5. Ainda sim, a subnotificação na Venezuela não é grande quando comparada à subnotificação no Brasil, onde o número de contaminados é aproximadamente 15 vezes maior que o registrado, de acordo com pesquisa realizada pelo grupo Covid-19 Brasil, 12 vezes maior segundo  o Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS), ou 7 vezes maior, conforme reportado na pesquisa realizada pela Universidade Federal de Pelotas. A Venezuela é o país que realiza a maior quantidade de testes por milhão de habitantes na América Latina. São mais de 27 mil testes rápidos realizados diariamente e aproximadamente 650 testes de PCR, de acordo com o representante da Organização Panamericana da Saúde (Opas) na Venezuela. Os críticos afirmavam que a Venezuela realizava poucos testes de PCR, porém o país aumentou em ao menos 8 vezes sua capacidade de processamento de testes deste tipo desde o início da pandemia. O próprio estudo da ARI admite que os hospitais contam com os equipamentos de testagem. Neste momento, a reclamação é relativa aos aparelhos de raio-X, presentes em 55% dos hospitais, de acordo com a ARI. Segundo o estudo, o raio-X também é utilizado no diagnóstico do coronavírus, porém, considerando que os hospitais contam com testes rápidos e recolhem amostras para o teste de PCR, o mais confiável, não há a necessidade de realizar o raio-X como forma de diagnóstico para a Covid-19, embora o aparelho seja importante em outros momentos.  

    A ARI trouxe um estudo de caso de uma pessoa com as iniciais ELG, que foi diagnosticado com Covid-19, no município de Maracaibo, no Estado de Zulia. É preciso ter em mente que este é o Estado que apresenta a maior quantidade de mortos e contaminados, sendo assim um dos contextos mais delicados relativos ao coronavírus na Venezuela. Após o diagnóstico, o governo Venezuelano providenciou um quarto de hotel para ELG, porém, este não ficou satisfeito com a instalação. De acordo com a ARI, o hotel não possuía enfermeiras, janelas, medicamentos, água potável e comida. Tal informação é aparentemente imprecisa, uma vez que os portais opositores confundem deliberadamente a escassez com a falta absoluta com frequência. O acompanhamento de enfermeiros e médicos nos hotéis, assim como fornecimento de alimentos, é afirmado não apenas pelo governo de Nicolás Maduro, mas igualmente pelo Sistema Municipal de Saúde de Maracaibo. Em função da insatisfação com o hotel oferecido de forma gratuita pelo governo para o isolamento, ELG foi levado de volta para o hospital, onde precisou esperar dois dias por um leito. É possível perceber que ELG não apresentou sintomas graves e que teve um hotel disponibilizado, assim como um leito de hospital durante o tempo que cumpriu o seu isolamento.  

    O coletivo rebelde trouxe igualmente um vídeo realizado por uma das pessoas internadas no Hospital Universitário de Maracaibo (HUM) que viralizou na internet, no dia 4 de junho. O cinegrafista, que não aparece nas imagens, afirma que não há médicos, enfermeiros e medicamentos no hospital, utilizando a estratégia discursiva que confunde escassez e falta absoluta, já exposta neste artigo. Os médicos e enfermeiros do HUM são conhecidos publicamente, o que indica que a informação concedida pelo paciente se trata de uma hipérbole. O cinegrafista afirma igualmente que os pacientes não estão recebendo tratamento e filma uma pessoa que estava supostamente morta. A ARI afirma indevidamente  que o suposto morto estava usando uma máscara, porém, ao analisar o vídeo é possível ver que o paciente estava utilizando um aparelho para respiração, o que indica que estava recebendo tratamento. No vídeo é possível observar que tubos saem da suposta máscara e vão até  um aparelho localizado ao lado e acima do paciente. Os demais pacientes não demonstram sintomas graves, uma vez que aparecem caminhando pelos corredores, deitados de forma relaxada na cama e não tossem em momento algum do vídeo. Este vídeo, assim como outras informações difundidas, aparentemente busca gerar o pânico na população venezuelana, notadamente no Estado de Zulia, que embora seja o estado mais atingido por Covid-19 na Venezuela, registrou apenas 1.197 pessoas contaminadas desde a chegada do coronavírus ao país em março.
     

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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