Os semicondutores da guerra e da paz
Nova geopolítica global tem alianças improváveis e tensão entre racionalidade histórica e riscos de destruição total
Em seu livro Crítica da razão dialética, Jean-Paul Sartre estudou o conceito de razão. Queria entender os mecanismos de nossos sistemas mentais para decifrar o mundo e a História. Sabia-se, desde Aristóteles, como funcionamos no interior do espaço para pequenas decisões: abrir uma porta e entrar num apartamento, atravessar uma rua, etc. O desafio se concentrava em compreender certas reviravoltas na crônica dos tempos, as viradas que colocam a sociedade de cabeça para baixo e tendem a alterar tudo. Para estas, argumentava o filósofo francês, necessitamos de outra orientação intelectual: a razão dialética. Somente ela daria conta das ocasiões extraordinárias, como a Revolução Francesa ou, por exemplo, o Renascimento.
O que se passa hoje nos Estados Unidos, sob a direção de Donald Trump, sem exagerar nas comparações (já que aqui não se fala em inteligência) provoca um desconcerto geral, semelhante a surpresas do passado, quando a natureza dos fatos questionava os saberes. A guerra das tarifas e o ataque indiscriminado a antigos aliados transmitem a sensação de ineditismo, quando na verdade, talvez, assistamos algo mais profundo. A anatomia das alianças até então vigentes, abalada pelas iniciativas do governo norte-americano, começa a redesenhar a geografia política planetária. Surge uma inclinação que provoca nostalgia dos velhos tipos de entendimento. É como se tudo estivesse para acontecer, o pior e o melhor.
Certas medidas acertadas na Casa Branca repercutiram imediatamente nos outros hemisférios. A China não se mostrou parada. E o impossível tomou o lugar do previsível, com a junção de interesses comuns entre inimigos consagrados, desde a II Grande Guerra, como o Japão e a Coreia do Sul. A imprensa internacional transmitiu as notícias, com os três mandatários daqueles países enlaçando os braços e apertando as mãos. O tema palpitante dizia respeito aos semicondutores, produtos indispensáveis na atual fase de desenvolvimento econômico, com Washington DC na luta por monopolizá-los, por via de Taiwan, visando estrangular seu maior oponente. A guerra por via da mídia se desdobrou e estabeleceu a paz no continente asiático com sérias e auspiciosas promessas. Chineses, é sabido, não se imobilizam. Trabalham em silêncio e respondem, quando respondem, estrepitosamente...
Claro que, como equilibristas, caminhamos numa corda bamba. Há muito, com os armamentos nucleares, vivemos à beira do apocalipse, na expectativa de que um louco, como o Dr. Fantástico, de Stanley Kubrick, não se anime a apertar o botão da bomba. Usar o termo sensatez com certeza não se encaixa no discurso quando o tema tenha a ver com a salvação da humanidade. Quem sabe, valendo-nos antes da ideia de “razão dialética”, de Sartre, não possamos esperar um salto dentro do salto capaz de neutralizar os ventos da estupidez...
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