Ou derrubamos o imperialismo evangélico ou ele destruirá o Brasil
"A teologia do domínio rejeita Lula, porque quer um apocalipse para chamar de seu", escreve o colunista Ricardo Nêggo Tom
Ao tomar conhecimento da pesquisa Genial/Quaest que aponta o crescimento da rejeição dos evangélicos pelo governo Lula e o aumento do pessimismo com a economia de país, cheguei à conclusão de que as narrativas de parte do segmento evangélico e da extrema-direita, estão sendo mais convincentes para alguns do que os fatos e os efeitos práticos em si, e que se opõe a elas. É nesse ponto que devemos nos ater ao potencial destruidor da teologia do domínio, que é muito mais perigosa do que a pretensa ideologia da extrema-direita, porque, além de se fundamentar no extremismo religioso, amplia o seu poder de alcance através da política com a eleição de parlamentares que são lideranças nas duas correntes e se unem no Congresso por meio de bancadas, como a evangélica, a bancada da bala e a bancada do boi. Uma tríade diabólica que forma o acorde harmonizador da barbárie e da destruição.
O que essa pesquisa tem a nos dizer é que boa parte da nossa sociedade está mais preocupada com a “moral” e os costumes, do que com o bem-estar social coletivo. E isso é gravíssimo, porque remonta a períodos historicamente conhecidos como desastrosos para a humanidade. Embora não haja nenhum ineditismo em apresentar o sofrimento, as tribulações e uma suposta guerra espiritual contra o como “dádivas” de Deus para os seus “escolhidos”, essas situações continuam permeando a mente dos fanáticos religiosos e pautando o seu comportamento em sociedade. No Brasil, os atuais disseminadores dessa narrativa escatológica são agentes do imperialismo que, sob a égide do cristianismo, cooptam, convertem e alienam pessoas para serem soldados de um exército cujo senhor é o capital.
Uma prova de que o deus que boa parte dos líderes evangélicos inimigos do atual governo segue é Mamon, é o fato de eles apoiarem Israel no genocídio que vem sendo perpetrado contra os palestinos em Gaza. Lobistas do sionismo, eles confundem suas ovelhas apresentando para elas o atual Estado de Israel como sendo a Israel bíblica, a terra que teria sido prometida por Deus ao seu povo eleito. Uma cascata histórica que ainda consegue manipular a fé de milhões de pessoas e fazê-las elegerem como inimigos todos aqueles que se opuserem à tendenciosa profecia. Um dos fatores apontados pela pesquisa como causa da crescente rejeição evangélica ao governo Lula, foi a declaração dada pelo presidente contra as atrocidades cometidas pelo governo israelense em Gaza.
Na marcha para o diabo realizada na Paulista em 25 de fevereiro, que teve patrocínio e organização assinados pelo empresário da fé Silas Malafaia, Lula foi apresentado aos evangélicos como inimigo de Deus por ter exposto ao mundo a sua opinião sobre o holocausto palestino. Foi conclamada mais uma guerra espiritual contra a esquerda que, na visão embaçada de muitos ditos cristãos, representa o mal e o oposto do que Deus deseja. Nem entrarei no detalhe de como eles sabem o que Deus deseja, porque cada fanático tem direito de nutrir os seus devaneios, desde que não queira obrigar aos outros a crerem neles. A questão é provocar reflexão e ação na parte da sociedade que não está contaminada por esse discurso fundamentalista e fundamentalmente imperialista. Ou alguém ainda tem dúvidas de que transformar o Brasil numa nação evangélica é um projeto de poder e domínio social, cultural e econômico?
Se perguntarmos a esses evangélicos descontentes com o atual governo o porquê de eles rejeitarem Lula e acharem que a economia vai mal, eles não saberão responder. Talvez, alguns digam que, pelo menos, Bolsonaro falava em Deus. Mesmo tendo o ex-presidente aumentado a fome dos mais pobres e contribuído para a morte de milhares de pessoas durante a pandemia. Algo que para essas pessoas é naturalizado a partir das profecias bíblicas que anunciam o final dos tempos. Um apocalipse que eles estão se encarregando de produzir ao deixarem o seu rastro de distopia por onde passam. Num reverso da oração de Francisco de Assis, esses evangélicos devotos da extrema-direita levam ódio onde germina o amor, ofensa onde brotava o perdão, discórdia onde pode haver união, dúvida onde se nutre a pura fé, erro onde a verdade se faz presente, tristeza onde havia alegria, desespero onde surge a esperança, guerra onde começava a reinar a paz e trevas onde se acende uma luz. O que justifica o fato de Bolsonaro ser o seu messias.
Outro dado a ser observado com relação ao aumento dessa rejeição, é o fato de o atual governo estar mimando os evangélicos com a ampliação da isenção tributária para as suas igrejas. Em que pese a isenção se aplique a templos de qualquer religião, sabemos que os mais beneficiados serão os evangélicos que ampliarão o seu poder econômico na sociedade deixando de pagar impostos, o que permitirá que a teologia do domínio atinja a um maior número de pessoas. Ou alguém ainda não entendeu a estimativa de que daqui a 5 ou 10 anos o país poderá ser majoritariamente evangélico? E vamos isentar o atual governo de responsabilidade sobre essa tragédia? Não podemos passar pano para o aumento do beneplácito tributário às igrejas, porque estaríamos sendo imorais ideologicamente falando. Um governo dito progressista não pode se curvar a um projeto de poder religioso que visa a destruição das conquistas dos menos favorecidos.
É uma vergonha ver um governo eleito para restabelecer a ordem democrática no país, rastejar em busca de diálogo com estelionatários e lobistas da fé, que agem como sanguessugas e nunca se saciam com aquilo que lhes é oferecido. Eles querem sempre mais e mais. Eles querem o controle total do país, querem submeter todos ao seu domínio e estabelecer uma teocracia miliciana aos moldes do velho testamento. E quem pagará o pato por esse apocalipse social? Nós que acreditamos e confiamos o nosso voto a um governo que prometeu ser mais justo, mas que não está conseguindo estabelecer essa justiça porque pretende ter apoio político de inimigos declarados, que jogam sujo e são desonestos. Ao abrir mão dos bilhões que as igrejas devem ao Estado e ampliar ainda mais a isenção tributária de muitas empresas da fé, o governo joga na fatura do povo a dívida dessas organizações religiosas. Ou vocês acham que ninguém irá pagar por essa conta? É justo que paguemos por isso e ainda sejamos submetidos a uma destruição social, cultural e econômica promovida por um segmento religioso?
Parafraseando o grande picareta de fé André Valadão, eu diria que Deus já fez a sua parte nos ajudando a enxergar a verdadeira intenção por trás desses líderes religiosos. Agora é com a gente derrubar esse projeto de poder neopentecostal e evitar um final dos tempos para o povo brasileiro. Eles querem um apocalipse para chamar de seu e justificar a entronização de um Estado evangélico de direito na nossa sociedade. Vamos permitir que isso aconteça? Somos tão frouxos assim? Ou alguém acredita que eles estão, de fato, com Jesus e detém o monopólio sobre o nome de Deus na terra? Eles querem uma guerra santa no país, mas só sairão vitoriosos se o governo que elegemos continuar cedendo aos seus caprichos e os municiando tributariamente para que exterminem a parte da sociedade que não lhes prestam culto. O principal compromisso de Lula é com aqueles que sempre o apoiaram e o elegeram pela terceira vez como presidente do país. Dialogar com Deus é governar para os menos favorecidos e promover inclusão e equidade social. Dialogar com fundamentalistas e lobistas da fé, é perpetuar injustiças e fomentar mais preconceitos e exclusão.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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