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    Jorge Folena

    Advogado, jurista e doutor em ciência política.

    43 artigos

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    Para os financistas, os pobres são o problema do país. E a dívida pública, quando será auditada?

    "Com sinceridade: o que o governo perderá se não atender as pressões do mercado? É preciso resistir", escreve Jorge Folena

    (Foto: ABr)

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    Não são novas as chantagens que a classe dominante brasileira sempre faz, que retornam agora na exigência ao governo de efetuar cortes no orçamento. É conversa antiga, que volta e meia se repete, numa tragédia cujo enredo só faz ampliar a desigualdade, a pobreza e a miséria no país, às custas de pobres e trabalhadores.

    Os muito ricos, além de não cumprirem nenhuma cota do sacrifício que impõem aos demais, impedem a realização de uma auditoria sobre a dívida pública, como previsto na Constituição, necessária para que se possa identificar sua origem, causas e efeitos, que perduram na exploração contínua do país, e, principalmente, determinar em valores atualizados o que já se pagou.  

    Um exemplo das dificuldades enfrentadas pelo povo está na informação divulgada pelo IBGE, em 08 de novembro de 2024, de que a população que vive em favelas aumentou de 11,4 milhões para 16,4 milhões de pessoas, em comparação entre os censos de 2010 e 2022, o que corresponde atualmente a 8,1% da população nacional, sendo a maioria constituída de pessoas mais jovens e negros.

    Enquanto isto, a “autarquia” Banco Central aumentou mais uma vez a taxa Selic e nada fez para combater a especulação sobre a moeda do país frente ao dólar norte-americano. Como diz a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, em sua conta no X: “há ganância e concentração indecente da renda nacional”.

    É importante lembrar que após o golpe de 2016, que destituiu indevidamente a presidenta Dilma Rousseff, a classe dominante implementou cortes orçamentários radicais contra os trabalhadores, interrompendo políticas públicas, sociais, de ciência e tecnologia, paralisando o orçamento de instituições de ensino, impedindo aumentos aos servidores públicos, além de aprovar as duríssimas reformas trabalhista e previdenciária. Como sempre, os trabalhadores pagaram a conta mediante a transferência dos recursos orçamentários para os ricos. 

    O passado se repete no presente como farsa, diante da tragédia manifestada em 27 de julho de 1988, quando o então presidente José Sarney dirigiu-se aos constituintes, em cadeia nacional de rádio e televisão, para afirmar que o texto constitucional que estava para ser aprovado deixaria o país “ingovernável”. 

    Na verdade, José Sarney expressou na ocasião os interesses mais atrasados da classe dominante brasileira, que entendia que o reconhecimento dos amplos direitos sociais inseridos na Constituição brasileira de 1988 teria um grande impacto sobre o orçamento geral da União, controlado para satisfazer apenas os interesses dos muito ricos, deixando os pobres entregues à própria sorte. 

    O presidente Sarney afirmava que o novo texto constitucional desencorajaria a produção, induziria o país ao “ócio à produtividade” e “o governo não teria dinheiro para pagar os benefícios sociais aprovados pelo congresso constituinte”; ou seja, a mesma conversa fiada empregada até hoje contra a classe trabalhadora para justificar os cortes nos investimentos sociais, sempre chamados de gastos pela classe dominante.

    Naquela oportunidade, Luís Inácio Lula da Silva, líder do Partido dos Trabalhadores na Assembleia Constituinte, disse que “a fala do presidente causou três espantos: 1) ver um presidente assustar a nação com o fantasma da ingovernabilidade usando informações imprecisas; 2) ver um presidente reclamar contra liberalidades da constituinte, quando seus líderes não ficaram calados, como votaram a favor dos dispositivos citados; 3) ver um presidente da República, supostamente guardião da independência e da economia do país, ocultar em seu pronunciamento que está forçando a eliminação da propriedade da União sobre o subsolo, a volta concreta do contrato de risco e a preferência à empresa nacional ao Estado” (Folha de São Paulo, 27/07/1988, p. A6).

    Nas palavras de Marx, “a traição de todas as gerações mortas oprime o cérebro dos vivos como um pesadelo”. Mais uma vez, a classe dominante repete sua cantilena de que pobres e trabalhadores são o problema do país e, portanto, o governo não deve gastar com eles. Então, já não basta que se  aumente a taxa de juros, é preciso também fazer “cortes de gastos”, a fim de manter a ficção jurídica do “arcabouço fiscal”, ferramenta legal criada pelo governo para substituir o “teto de gastos” introduzido pelo governo de Michel Temer. 

    Pelo atual arcabouço fiscal, o governo assumiu o compromisso de manter as contas públicas em equilíbrio com receitas e despesas, de modo a sobrarem recursos orçamentários para honrar o compromisso de bom pagador da dívida pública, controlada pelos rentistas. 

    Conforme esclareceu Maria Lúcia Fatorelli em 2011: “o país está vivendo em função de pagar juros sobre uma dívida gerada por diversos mecanismos sem contrapartidas. Isto que é grave. Pagamos os maiores juros do mundo, e sobre que dívida?”

    Contudo, após a promulgação da Constituição de 1988, nenhum governo nem o parlamento se comprometeram com a realização de uma auditória sobre a dívida pública brasileira, prevista no artigo 26 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição. 

    Ao contrário, para escapar da auditoria prevista na Constituição, no governo de FHC, a partir do plano real, a dívida, que era externa, foi substituída pela interna e vem se ampliando pela elevação constante da taxa de juros (Selic), com alto custo para a classe trabalhadora, mas gerando muitas facilidades aos rentistas, que, inclusive, desde 1996 dispõem de isenção tributária na distribuição de lucro.

    Com efeito, o Brasil é um país cercado e controlado pelos financistas, que, além de contarem com o apoio e o serviço prestado por parcela significativa do parlamento, tem o comando do Banco Central “independente” sob a gerência de seus prepostos. Sem o enfrentamento direto contra essa espoliação imposta pelo mercado não teremos futuro como nação soberana e desenvolvida.

    Assim, caso queira assegurar o projeto e os compromissos assumidos na eleição em 30 de outubro de 2022, a única saída para o governo é virar à esquerda; caso contrário, seus eleitores mais pobres poderão, por desilusão e desesperança, seguir o caminho da direita ou até mesmo o do fascismo.

    É preciso coragem para não perder o pouco de esperança conquistada com os resultados econômicos produzidos pelo governo nestes quase dois anos de mandato. Pois a chantagem do corte dos gastos é uma armadilha, que pretende deixar para sempre a digital do governo do presidente Lula com a marca de traidor dos seus eleitores, expressivamente os trabalhadores e os mais pobres.

    Presidente Lula, além do debate político sobre a taxa de juros a que o senhor deu curso no início do seu governo (mas depois ficou esquecido), não será esta a oportunidade para retomar o debate com a sociedade sobre a dívida pública brasileira, principalmente quem são seus maiores beneficiados? Este é um tema do campo democrático, popular e progressista que poderá ganhar as ruas do país, no enfrentamento político contra os neoliberais e os fascistas.

    Por isso, tendo em vista as dificuldades impostas e o alto custo político, talvez não seja a hora de tomar nenhuma medida. Com sinceridade: o que o governo perderá se não atender as pressões do mercado? É preciso resistir. E, para isso, é preciso pedir o apoio da população, explicando a ela com clareza e sinceridade o que se passa.

     

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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