PCdoB: 100 anos de aprendizado inserido nas lutas do povo brasileiro
Os comunistas têm por norte programático a luta por direitos do povo, democracia, independência nacional e socialismo, escreve o jornalista José Reinaldo
Por José Reinaldo Carvalho - Esta é a segunda parte de um trabalho sobre o centenário do PCdoB, dando continuidade à coluna publicada no Brasil 247 na última quinta-feira (24).
No longo processo de amadurecimento político e ideológico, o Partido deixou marcas importantes e contribuições seminais para a formação de um programa político da luta pela emancipação nacional e social dos trabalhadores e do povo brasileiro, a revolução política e social que ainda está por ser feita. Designadamente, o Programa do 4° Congresso (1954), o Manifesto-Programa da Conferência Nacional Extraordinária (1962), o documento da 6ª Conferência (1966), a Resolução da 7ª Conferência (1979), as resoluções dos 6º, 7º e 8º congressos, respectivamente em 1983, 1988 e 1992, o Programa Socialista (9º Congresso, 1997) e o atual programa (12º Congresso, 2009), que mantém a definição do rumo socialista e agrega formulações táticas designadas como Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento.
Desde o 6º Congresso (1983), as resoluções aprovadas marcam uma transição importante entre o conceito de “duas etapas da revolução” para o de “revolução democrática e popular rumo ao socialismo”, transição que se completará no 8º Congresso, de 1992 (Socialismo já) e no Programa Socialista (1997), quando o Partido passa a considerar que a sociedade brasileira estava objetivamente madura para o socialismo.
Muito embora golpeado, o Partido sobreviveu e assumiu o desafio de organizar, mesmo nas difíceis condições da clandestinidade, a luta do povo, tendo sempre como norte a luta democrática, pelo progresso social, a independência nacional e o socialismo. As gerações de militantes e dirigentes que se sucederam ao longo deste século de existência do Partido fizeram rico e intenso aprendizado tático e estratégico e amadureceram política e ideologicamente, um processo que não foi isento, até mesmo nos dias atuais, de lutas políticas e ideológicas em que tem sido necessário enfrentar o oportunismo de direita, o falso esquerdismo e o liquidacionismo. Não têm sido poucas na história do PCdoB, inclusive nos dias atuais, as tentativas de transformá-lo ou num grupo sectário desligado da realidade ou dissolvê-lo no seio de outros partidos de cariz social-democrata.
O percurso da construção do socialismo no mundo, a trajetória ziguezagueante dos comunistas no Brasil e em outros países, os erros cometidos e as derrotas sofridas são utilizados como argumentos pelos ideólogos da burguesia e do imperialismo para proclamar a derrota irreversível do socialismo, a falência dos seus ideais e a inutilidade do partido comunista. Até mesmo razões de ordem eleitoral - pois estamos na época em que os partidos social-democratas da esquerda moderada e conciliadora são majoritários na esquerda - são invocadas como pretexto para desistir do ingente esforço de construir uma vanguarda revolucionária com ideologia comunista e cujo programa máximo seja a construção do socialismo. Aparentemente, a realidade emprestaria razão aos que, ignorando as leis objetivas do desenvolvimento histórico, tomam por saudosismo e gesto anacrônico a celebração do centenário do Partido Comunista e a sua defesa.
Mas é com orgulho, justo orgulho, que os comunistas fazem esta celebração, porque é gloriosa a história dos comunistas, é heroica a sua gesta e é enorme a contribuição que deram nas lutas por transformações sociais e políticas, pela emancipação da humanidade. No caso do Brasil, foi com o intelecto, o empenho, e quando necessário as armas e o sangue de inolvidáveis heróis que escrevemos memoráveis páginas da trajetória do povo brasileiro na luta por democracia, independência nacional e progresso social.
Mas, a luta de ideias divide campos. Há os que, sob argumentos de "modernidade", renegam a existência do partido comunista e, apegados a modelos europeus e em nome de uma mal conceituada "ressignificação" do socialismo, buscam atalhos para resolver problemas ligados a questões eleitorais, defendem a dissolução do Partido em uma organização de centro-esquerda ou pura e simplesmente a mudança do nome e a abolição dos símbolos comunistas.
Enfrentando desafios
Celebrar a história centenária de um partido como o PCdoB é antes de tudo reflexão e posicionamento diante dos agudos problemas do presente e da perspectiva. A existência e a permanência do Partido não resultam de uma atitude voluntariosa. Antes, correspondem a uma necessidade histórica. O Partido é necessário para os grandes combates do nosso tempo, para cumprir as grandes tarefas históricas de nossa época.
A festa do centenário do Partido, com orientação ideológica, política e estética em que se ressalte a linha revolucionária do Partido, a perspectiva do socialismo e a simbologia da luta revolucionária, pode fortalecê-lo para o enfrentamento dos desafios atuais. Em primeiro lugar, para constituir o sujeito político da luta pelo socialismo, o grande exército de massas da revolução brasileira, com os novos conteúdos e formas próprios da época presente. Nessa tarefa os comunistas mantêm diálogo e alianças, interação e relações de unidade e luta com outras forças democráticas e as correntes de esquerda que têm o socialismo como objetivo. Esse diálogo não é simples, porquanto a esquerda é hegemonizada por setores políticos e intelectuais encantados com as supostas novas capacidades expansivas da economia capitalista, fascinados com a existência de blocos econômicos imperialistas e êxitos eleitorais efêmeros da social-democracia. Para estes, a luta pelo socialismo não passa de anacronismo. Ou o socialismo pelo qual lutam recebe tantos epítetos que se desfigura. Sobre a luta pelo socialismo no Brasil, buscam falsos atalhos, considerando que as vitórias eleitorais já seriam o primeiro passo para a construção da nova sociedade. Bastaria deixar florescer os brotos do neo-nacional-desenvolvimentismo e do neo-republicanismo democrático para que, numa sucessão de governos democráticos cheguemos por geração espontânea ao socialismo no Brasil. Rebaixando-se a estratégia, rebaixam-se a arquitetura e a engenharia políticas necessárias a afiançar a existência de uma força de combate à altura dos desafios da época.
Os comunistas comemoram o centenário do seu partido confiantes em que, embora árdua e tortuosa, devem trilhar, sem renúncia nem renegação, a via do desenvolvimento do Partido, para construir um sujeito político capaz de organizar e mobilizar o povo e ser fator ponderável na construção da unidade das forças progressistas e populares. A aposta dos comunistas para enfrentar os desafios atuais é consolidá-lo como uma força de combate pelo socialismo no Brasil, não permitindo a sua diluição, enfraquecimento orgânico, esmaecimento ideológico ou liquidação.
O enfrentamento dos desafios atuais significa que o PCdoB será, como sempre foi, uma força irreconciliável com as classes dominantes retrógradas, opressoras e entreguistas; uma força irreconciliável com o imperialismo, um partido de classe, portador das aspirações históricas dos trabalhadores e de todo o povo brasileiro; capaz de sintetizar em plataformas políticas amplas e unitárias, as questões emergentes ligadas à perspectiva socialista. João Amazonas deixou-nos o ensinamento – que o coletivo sabiamente incorporou ao Programa Socialista (1997) - de que na situação concreta do Brasil a luta pelo socialismo exige a fixação de objetivos táticos e estratégicos de nível elevado, consciente de que devido aos problemas históricos e estruturais da sociedade brasileira, adquirem significado primordial a luta em defesa da soberania e da independência nacional, a luta pela democratização ampla e profunda do país e a solução dos problemas sociais, em permanente agravamento. Separar esses vetores da luta é um exercício metafísico fadado ao fracasso. Na estratégia e tática revolucionárias do PCdoB, os vetores nacional, democrático e social se entrecruzam e todos atuam num sentido histórico único - a conquista do socialismo.
O Programa Socialista do PCdoB (1997) fazia uma análise implacável sobre as classes dominantes: “O desenvolvimento deformado da economia nacional, o atraso, a subordinação aos monopólios estrangeiros e, em consequência, a crise econômica, política e social cada vez mais profunda, são o resultado inevitável da direção e do comando do país pelas classes dominantes conservadoras. Constituídas pelos grandes proprietários de terra, pelos grupos monopolistas da burguesia, pelos banqueiros e especuladores financeiros, pelos que dominam os meios de comunicação de massa, todos eles, em conjunto, são os responsáveis diretos pela grave situação que vive o país. Gradativamente, separam-se da nação e juntam-se aos opressores e espoliadores estrangeiros. As instituições que os representam tornaram-se obsoletas e inservíveis à condução normal da vida política. Elitizam sempre mais o poder, restringindo a atividade democrática das correntes progressistas. A modernização que apregoam não exclui, mas pressupõe, a manutenção do sistema dependente sobre o qual foi construído todo o arcabouço do seu domínio.”
Os comunistas brasileiros compreenderam também que a luta democrática e patriótica pelo desenvolvimento, a soberania nacional, em defesa da nação ameaçada pela voragem neoliberal, era no fundo um aspecto da luta de classes, inseparável da luta pelo socialismo na fase peculiar que o Brasil vivia.
Referenciado no marxismo-leninismo e numa interpretação científica da evolução histórica do Brasil, de sua complexa e peculiar formação, o PCdoB tem presente que a luta pelo socialismo no país não é um processo em linha reta. Na condução dessa luta, os comunistas compreenderam que deviam tomar em consideração essas peculiaridades, assim como a correlação de forças estratégicas no plano mundial.
Defesa dos princípios
Nos idos de 1992 (8º Congresso), quando a regra geral era o liquidacionismo, o Partido foi firme na defesa dos princípios do socialismo científico, do marxismo-leninismo e da construção do socialismo, sobretudo da experiência de construção do socialismo na URSS, malgrado os graves erros ali cometidos. Naquele congresso, o Partido foi autocrítico ao avaliar que tinha resvalado em desvios dogmáticos e lançou o desafio de, ao aprofundar a autocrítica, não trocar o dogmatismo pelo revisionismo.
Ao tirar lições da derrota do socialismo no plano internacional, o Partido orientou: “Embora em suas linhas mestras o socialismo científico seja idêntico em todos os países, sua concretização em cada lugar exige ponderar as particularidades locais e nacionais. Essas particularidades dão feição própria ao regime avançado que substitui o capitalismo. O modelo único de socialismo é anticientífico”.
Ponto alto do amadurecimento programático, estratégico e tático da direção comunista são as formulações contidas no capítulo intitulado “O caminho para alcançar o socialismo”, do já aludido Programa Socialista (1997).
Ali afirma-se que a conquista do socialismo é um caminho de “árdua disputa” com “as classes retrógradas que dominam o país”.
Sempre referenciado no materialismo histórico, dizia: “A máquina do Estado está em suas mãos. Utilizarão o engodo e as promessas jamais cumpridas, o monopólio da mídia, recorrerão ao arbítrio, apelarão para o fascismo, não vacilarão em juntar-se aos intervencionistas estrangeiros a fim de tentar conter e esmagar o movimento progressista. Todos os que almejam uma pátria livre e soberana, que desejam avanços contínuos nos terrenos político, econômico, social e cultural, terão de enfrentar decidida e persistentemente as forças inimigas”.
Esta concepção orientou o pensamento e as ações do Partido em grandes lutas sociais e políticas.
O PCdoB chega ao seu centenário reafirmando as linhas do Programa Socialista. O centro estratégico e tático permanece o entrelaçamento da luta por uma República de Trabalhadores, conceito trabalhado por João Amazonas, por um novo regime político, a luta democrática, a luta social, pelo desenvolvimento e a emancipação nacional.
O fio condutor de 1962
Para o Partido Comunista do Brasil, a celebração do centenário (25 de março, 1922-2022) é indissociável do 60º aniversário da reorganização revolucionária do Partido (18 de fevereiro, 1962-2022), decidida pela Conferência Nacional Extraordinária, após longa e aturada luta interna. A conferência de 1962 na prática refundou o Partido Comunista do Brasil sobre bases revolucionárias e deu início a um esforço, que se estende até os nossos dias, de formação e consolidação de um núcleo marxista-leninista no Brasil.
Que significou a refundação do PCdoB em 1962? Essencialmente, foi um episódio decisivo da luta contra o oportunismo de direita, que se expressava no documento conhecido como Declaração de Março de 1958. E contra o liquidacionismo ideológico e orgânico. De acordo com Maurício Grabois, “A Declaração de Março de 1958 não exprime uma política justa, não corresponde aos interesses de classe do proletariado. No essencial, tal documento defende uma linha oportunista de direita”. (“Duas concepções, duas orientações políticas”, publicado na Tribuna de Debates do 5º Congresso, em 1960).
A mesma avaliação foi feita pelo Comitê Central (2012) e pelo 13º Congresso (2013): “A Declaração de Março de 1958 consolidou a guinada reformista da maioria da direção do Partido, pois afirmava que o processo de democratização era 'uma tendência permanente' e poderia 'superar quaisquer retrocessos e seguir incoercivelmente adiante'."
“A Declaração considerava a burguesia como ‘uma força revolucionária’ e julgava existir a ‘possibilidade real de conduzir, por formas e meios pacíficos, a revolução anti-imperialista e antifeudal’ no Brasil.”
Começavam, assim, a ser definidas mais nitidamente duas tendências opostas no interior do Partido: uma reformista e outra revolucionária. Elas iriam se enfrentar duramente nos debates do 5º Congresso do Partido, realizado em 1960.
A celebração do 60º aniversário da conferência que reorganizou o partido sobre bases marxistas-leninistas, tal como a do centenário, chama a atenção para os novos desafios da atualidade, que consistem em promover o crescimento do Partido em todos os domínios, inclusive o eleitoral e institucional, mantendo os princípios marxistas-leninistas, a identidade comunista e a perspectiva socialista. O repto de firmar no cenário político um partido comunista revolucionário, de classe e convicto da sua missão histórica de derrotar o imperialismo e as classes dominantes retrógradas para abrir caminho ao socialismo no país é cada vez mais agudo e seu enfrentamento ainda mais complexo do que em tempos pretéritos.
A celebração do centenário do Partido Comunista do Brasil, para além de uma festa, é a renovação em nível superior da consciência de que na luta pelo socialismo é primordial a existência de um Partido Comunista forte, ligado às massas, especialmente as classes trabalhadoras, um partido com milhões de militantes, dirigidos por quadros experimentados e provados, mulheres e homens forjados na luta do povo. Um partido marxista-leninista, portador de consistência ideológica, capaz de, sem se perder, atualizar-se permanentemente, de compreender e adaptar-se aos novos tempos, que saiba resgatar tudo o que há de positivo no rico tesouro teórico e das experiências revolucionárias históricas no Brasil e no mundo, e submeter os erros a rigorosa crítica. Um partido que compreenda que não há modelos para a construção do socialismo e que o “segredo” de seu êxito consiste em “descobrir” as peculiaridades do país e da situação em que atua. Um partido que não aceita pôr em causa sua identidade comunista em nome da substituição da “forma-partido” pelo “movimento”, ou uma fórmula qualquer de apresentação eleitoral, um partido que, mantendo-se aberto às filhas e filhos do povo, seguirá sendo uma organização de combate pela revolução política e social brasileira.
Partido da luta anti-imperialista
Comemorar o centenário do Partido é também aceitar os novos desafios da luta anti-imperialista. Todos os congressos do PCdoB desde 1997 ressaltaram com ineditismo o processo de declínio histórico do imperialismo estadunidense, a emergência de novos polos geopolíticos, a transição conflituosa para um novo sistema internacional, que agora emerge com mais nitidez. A bandeira do internacionalismo e do anti-imperialismo nunca tremeu nas mãos dos comunistas.
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* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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