Pelo jeito, a Boeing não pagará nem miçangas pela Embraer
"Surgiu uma novidade na compra da Embraer pela Boeing, escreve Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia. "Ameaçada por cobranças colossais após a tragédia financeira e moral do superjato 737 Max, a gigante mundial pode ingressar na pior crise em 103 anos de história".
Por Paulo Moreira Leite, Para o Jornalistas pela Democracia - Você pode não acreditar em Papai Noel mas este final de 2019 está oferecendo uma oportunidade única para o Brasil reverter uma das piores decisões de nossa história.
Estamos falando da venda da Embraer para a Boeing. Basta ler os jornais para reconhecer que, em função da tragédia tecnológica, financeira e moral produzida pelo desastre do superjato 737 Max, que destruiu 346 vidas em dois desastres seguidos, a Boeing caminha para subir ao centro do palco de um desses escândalos que periodicamente sacodem o capitalismo norte-americano. Executivos vão parar na cadeia e engenheiros de gravata prestam depoimento ao Congresso, enquanto milhares de investidores são arruinados porque não pularam do barco na hora certa.
No poço sem fundo aberto pelo 737 Max, parece inevitável que o conjunto dos setores da Boeing venha a ser atingido, inclusive a Embraer, cuja incorporação até se encontra em estado adiantado, mas não foi terminada.
Nesta nova situação, cabe reconhecer que as condições do negócio se modificaram inteiramente nos últimos meses. Dennis Muilemburg, presidente da Boeing em todo período de tratativas com a Embraer, e um dos principais envolvidos no projeto 737 Max, já foi demitido e ninguém sabe o que irá ocorrer no comando da empresa no próximo período.
Para começar, a Boeing terá de amargar perdas imensas pelo cancelamento de vendas -- nos bons tempos as encomendas chegaram a 5000 aeronaves. Agora, as 350 já entregues estão proibidas de voar.
Além do prejuízo que terá de ser internalizado, será preciso contabilizar custos bilionários em ações na Justiça, tanto por parte de empresas lesadas, com muito poder de fogo, como por parte de parentes das vítimas, com legítima capacidade de pressão na opinião pública.
Inicialmente vista como uma fatalidade sem igual na história da aviação, a apuração mais recente sobre o 337 Max sugere uma terrível combinação entre uma vontade sem limites de conseguir resultados econômicos e uma postura incompatível com uma atividade que coloca vidas humanas em risco.
A reconstituição de um conjunto de mudanças improvisadas do projeto indicam uma proposta imprudente, equivalente a um Frankstein que até tinha asas mas obviamente era incapaz de voar com segurança. Por duas vezes, a nave caiu da mesma maneira: espatifou-se no chão momentos após a decolagem.
Em vez de valer-se de um parceiro tamanho gigante para se proteger da concorrência predadora do mercado internacional, como argumentavam os defensores da transação -- ingenuamente, a meu ver -- a ameaça real é a Embraer ser sucateada no esforço de salvação da Boeing, prioridade óbvia de seus acionistas.
Nesse quadro, o ambiente na Embraer tem oferecido um preocupante sinal de fim de festa. Em dezembro, sem nenhuma explicação razoável, 300 funcionários foram demitidos. A partir de 23 de janeiro, a empresa entra em férias coletivas para todos os empregados, momento ideal para mudanças radicais na estrutura da empresa.
Colocando a questão em termos claros. Até há pouco, quem defendia a venda da Embraer sustentava o argumento de que era uma saída inevitável num mundo partilhado por gigantes econômicos, diante dos quais nada se poderia fazer além de submeter-se.
Sempre discordei desse argumento. Reproduz uma lógica de exploração colonial de cinco séculos, habituada a garantir a entrega de riquezas nacionais em troca de miçangas, espelhinhos e bugigangas. Nos dias de hoje, implica na renuncia a qualquer possibilidade de desenvolvimento autônomo.
O quadro agora é outro. Enfrentando a maior crise de sua história, o colonizador sequer está em condições de entregar as bugigangas prometidas.
Esta novidade é uma razão a mais para o governo Jair Bolsonaro reconsiderar tudo o que fez até aqui e aproveitar o espaço legal que ainda possui para cancelar a venda em nome do interesse nacional.
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* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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