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    Miguel do Rosário

    Jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje

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    Petrobrás é a joia da coroa de um projeto de desenvolvimento

    "As recentes sugestões de privatização da estatal refletem o grau de desonestidade do atual governo, incapaz de enxergar que a Petrobrás é um dos poucos pontos de estabilidade da economia brasileira", escreve Miguel do Rosário, editor do O Cafezinho

    (Foto: Reuters/Ueslei Marcelino)

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    (Publicado originalmente no blog O Cafezinho)

    Há uns trinta anos, havia um boato de que o petróleo iria acabar em… trinta anos.

    Os trinta anos se passaram, o petróleo não acabou. Novas jazidas foram encontradas em várias partes do mundo, especialmente em águas oceânicas, e as tradicionais se revelaram maiores do que se supunha.

    A expectativa de que fontes alternativas substituíssem o petróleo igualmente se mostrou exagerada. Surgiram, de fato, fontes alternativas, mais limpas, renováveis, mas elas ainda estão muito distantes de alterar o quadro de hegemonia dos combustíveis fósseis. Novos estudos indicam que o petróleo ainda será a energia dominante no mundo por  décadas.

    Claro, há mudanças. Há uma tendência de que os veículos, especialmente os leves, como automóveis, substituam gasolina por energia elétrica. Mas isso também vai demorar algumas décadas para se tornar um movimento hegemônico.

    Por outro lado, as indústrias vem substituindo carvão por gás natural, que é um derivado de petróleo, compensando a redução do uso da substância nos meios de transporte.

    Segundo o último relatório anual da Agência de Informações sobre Energia (EIA, na sigla em inglês), órgão do governo americano, o consumo de petróleo líquido continuará crescendo moderadamente até 2050, juntamente com gás natural. As energias renováveis, por sua vez, vão crescer muito, superando carvão, nuclear e biodiesel, mas não a ponto de alcançar os níveis do petróleo e o gás natural.

    Os gráficos abaixo, da EIA, ilustram as previsões mencionadas acima.

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    É importante trazer esses dados, porque volta e meia alguém, em geral por motivações políticas, repete a previsão de botequim de que o petróleo deixará de ser consumido. O último ilustre a fazer isso foi Paulo Guedes, ministro da Economia, que defendeu a privatização da Petrobras usando o argumento de que, em trinta ou quarenta anos, o petróleo será uma energia obsoleta. Como vimos, as previsões sérias não são essas.

    A fala de Paulo Guedes é profundamente desonesta. Ela tenta enganar a opinião pública. Mesmo que a ciência descobrisse um outro tipo de combustível, que fosse economicamente viável para substituir, em grande escala, o uso de petróleo, ainda assim seria necessário algumas décadas para que o processo de transição seja consumado. Além disso, essa é justamente uma das missões que a Petrobras deveria estar perseguindo. Na época de Gabrielli, presidente da estatal no governo Lula, o objetivo da Petrobras era se tornar uma empresa de energia, e não apenas uma petrolífera, e para isso fazia muitos investimentos em pesquisa científica.

    Aliás, até hoje a Petrobras é, de longe, a empresa que mais investe em pesquisa no Brasil, ao menos no papel: segundo o balanço da estatal divulgado por esses dias, ela investiu R$ 2,2 bilhões em  pesquisa e desenvolvimento tecnológico nos nove primeiros meses do ano, alta de 72% sobre o ano anterior.

    Agora vamos analisar o balanço da Petrobrás divulgado esta semana.  Comecemos pelo lucro líquido.

    Nos primeiros nove meses do ano (jan/set), o lucro líquido da Petrobras ficou em R$ 75,1 bilhões. A dívida líquida da estatal caiu 27%, para US$ 48,12 bilhões.

    A melhora da performance se deu principalmente pela melhora dos preços de venda do barril de petróleo, que subiu de US$ 40,82/barril em jan/set 2020 para US$ 67,73/barril em jan/set 2021, alta de 66%.

    Sempre que se analisar a performance financeira da Petrobras, é preciso considerar, naturalmente, o preço do barril de petróleo. Muitas vezes vemos análises sobre o prejuízo ou lucro da Petrobras em outros anos, que não levam em consideração esse fato.

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    Outros números a considerar são relativos ao desempenho por setor. São basicamente três grandes setores de atuação da estatal: Exploração e Produção (E&P), que trata da extração e venda do petróleo bruto; o refino, que trata do processamento do petróleo e sua venda na forma de derivados; e a extração e venda de gás e outras formas de energia.

    É um erro, porém, dividir os setores como se tratassem de universos diferentes. Sem o refino, o petróleo extraído não vale nada no Brasil, porque ninguém bota petróleo bruto no tanque do carro.

    Em termos de receita líquida, a venda de derivados pela Petrobras gerou R$ 191,13 bilhões no acumulado dos 9 primeiros meses do ano (jan/set), alta de 74% sobre o ano anterior. Os dois principais derivados vendidos pela estatal foram diesel e gasolina. O diesel gerou receita líquida de R$ 92,98 bilhões em jan/set 2021, alta de 82% sobre o ano anterior. A gasolina, por sua vez, rendeu R$ 43,19 bilhões, alta de 93% sobre o ano anterior.

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    Se considerarmos todos os produtos vendidos para a Petrobras para o mercado interno, a receita líquida gerada foi de R$ 229 bilhões em jan/set 2021, alta de 75% sobre 2020.

    O desempenho da Petrobras poderia ser ainda melhor não tivesse a estatal que gastar tanto com a importação de derivados. Em jan/set 2021, a Petrobras gastou R$ 56 bilhões em importações, alta de 152% sobre o ano anterior.

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    A tabela 31, que mostra o lucro líquido por setor, é um dos motivos da confusão conceitual entre os liberais “cabeça de planilha” que enxergam apenas o galho, e não a árvore, ou a floresta.

    O setor de exploração e refino (E&P)  é o que dá mais lucro líquido à Petrobras: em jan/set foi de R$ 89,4 bilhões, contra R$ 21,29 bilhões para o refino e R$ 2,0 bilhões para gás e energia.

    Entretanto, quando o preço está baixo, é o setor de E&P que dá mais prejuízo. E, sobretudo, a existência de um setor de refino na Petrobras, garante a demanda pelo petróleo extraído pela estatal, ou seja, também oferece estabilidade e, portanto, oportunidade de planejamento.

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    Na tabela abaixo, vemos que as vendas de diesel e gasolina cresceram vigorasamente nos primeiros nove meses de 2020. As vendas de diesel pela Petrobras chegaram a 805 mil barris equivalentes por dia em jan/set 2021, alta de 21% sobre o ano anterior, ao passo que as vendas de gasolina cresceram 18,5%, chegando a 390 mil barris equivalentes por dia.

    A venda de GLP (gás de cozinha), por sua vez, caiu 1,3% em jan/set 2021, o que a reflete a redução do consumo causada pelos altos preços do produto: em jan/set 2021, a Petrobras vendeu 233 mil barris/dia. A receita líquida da venda de GLP cresceu 43% no mesmo período.

    Ou seja, a Petrobrás ganhou mais dinheiro com a venda de menos botijões, o que reflete uma política de preços absolutamente desumana e insensível com os problemas sociais vividos pelos brasileiros, agravados dramaticamente pela pandemia.

    A importação de diesel, pela Petrobras, cresceu dramaticamente 917% no acumulados dos 9 primeiros meses do ano. Por aí se vê o crime que foi o cancelamento da construção de novas refinarias, no Rio de Janeiro e Maranhão, que nos tornariam auto-suficientes em derivados de petróleo!

    A importação de gasolina, por sua vez, cresceu 64% em Jan/Set 2021, e 950% no terceiro trimestre!

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    Considerando o terceiro trimestre do ano, as vendas dse derivados pela Petrobras atingiram 1,9 mil barris por dia, aumento substancial sobre os trimestres anteriores. Apenas a venda de diesel, no terceiro trimestre, chegou a 867 mil barris/dia. A Petrobras tem hoje cerca de 83% do market share do mercado de diesel no país, e 85% no de gasolina. Esse percentual apenas não é maior porque o governo autoriza que outras empresas importem diesel. Na produção de diesel e gasolina, a Petrobras, diretamente ou através de empresas na quais é acionista importante (como a Braskem), tem virtual monopólio.

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    Por fim, vamos olhar um pouco para os custos de extração, produção e refino. Isso nos dará uma ideia de como os lucros exorbitantes da Petrobras representam, na verdade, um assalto hediondo contra o consumidor brasileiro.

    O custo de produção de um barril (que tem 159,9 litros) de petróleo pela Petrobrás, está em US$ 34 dólares por barril, considerando aí a participação devida ao governo federal, a depreciação dos maquiná rios usados, e o custo de extração. Convertendo isso para real e litro, daria R$ 1,2 por litro.

    Ah, mas tem que refinar!

    Sim, o custo do refino, segundo cálculo apresentado pela Petrobras em seu balanço, é de R$ 8,91 por barril, o que dá 5 centavos por litro.

    Naturalmente, esse é um cálculo simplório, feito apenas para dar uma ideia de como a Petrobras poderia implementar uma outra política de preços, muito mais justa e adequada à função social de uma empresa cujo sócio majoritário é o povo brasileiro!

    Um dos gráficos abaixo mostra ainda que o nível de utilização das refinarias brasileiras subiu para 85%. É baixo. Refinarias em outros países costumam usar capacidade próxima de 100%. No segundo trimestre, esse percentual foi de 75%.

    Entretanto, é um percentual que mostra que não adianta apenas aumentar o nível de utilização das nossas refinarias. Seria necessário construir novas unidades!

    Infelizmente, a Petrobras e o governo brasileiro não tem planos de construir novas refinarias. Ao contrário, estão vendendo as que temos para empresas e governos estrangeiros!

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    Dívida

    No quesito dívida, há duas notícias boas para a Petrobras.

    Uma é a conclusão das obrigações com o departamento de justiça dos EUA (DoJ), que é resultado de um dos “favores” que a Lava Jato prestou ao Brasil: oferecer a cabeça da Petrobras numa bandeja à justiça americana. Segundo o balanço da Petrobras, foram pagos US$ 853 milhões em multas, 10% para o DoJ, 10% para a bolsa americana (SEC) e 80% para autoridades brasileiras. Em real, isso equivale a   quase R$ 5 bilhões.  Para quem não lembra, esse é dinheiro que Dallagnol, procurador chefe da Lava Jato, queria usar para criar no Brasil uma “fundação”, gerida por ele mesmo.

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    A outra boa notícia é a queda da dívida  da estatal, tanto bruta como líquida. A bruta saiu de US$ 111 bilhões em 2018 para US$ 59,6 bilhões agora. O declínio da dívida é explicado pelo aumento da produção do pré-sal, além da recuperação dos preços.

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    Conclusão

    Os números da Petrobras indicam que a estatal é a joia da coroa de qualquer projeto de desenvolvimento. Um processo de reindustrialização exigirá, por exemplo, gás natural a preços acessíveis e competitivos.

    As recentes sugestões de privatização da estatal, proferidas tanto por Bolsonaro como por Guedes, refletem o grau de desonestidade do atual governo, incapazes de enxergar que a Petrobras é um dos poucos pontos de estabilidade da economia brasileira. Entregue ao caos anárquico do setor privado, o Brasil estaria perdido, porque ficar ainda mais vulnerável à gangorra das cotações internacionais do barril de petróleo, que por sua vez é influenciada por todo o tipo de acontecimento político no mundo. Um terrorista explode um gasoduto no Cazaquistão? Explosão nos preços, fortunas amealhadas em segundos por aqueles que tem a sorte de receber a informação em primeiro lugar, e sofrimento para todos os consumidores.

    O Brasil alcançou, de fato, a autonomia em petróleo, na balança produção versus consumo. Produzimos mais do que consumimos. Mas estamos, de maneira irracional, aumentando a nossa dependência de derivados, que constituem um dos itens mais pesados da nossa balança comercial. Ao invés de estarmos importando serviços tecnológicos, computadores de última geração, maquinários, robôs, e coisas que, efetivamente, ainda não conseguimos produzir no Brasil, estamos importando óleo diesel!

    A propósito, vale lembrar toda aquela presepada da mídia feita em torno da refinaria em Pasadena, EUA. Inventou-se uma série de mentiras sobre a unidade, de que ela seria uma “sucata”, quando se tratava de uma refinaria de alto rendimento localizada estrategicamente no coração da zona petrolífera dos Estados Unidos, que voltou a ser o maior produtor de petróleo do mundo, além de maior exportador global de derivados.

    Ela seria um ativo importante da Petrobras nesse momento, porque além de produzir diesel e gasolina que estamos precisando, ofereceria oportunidade de transferência de tecnologias e conhecimento do mercado para a estatal e para o Brasil.

    Ao contrário do que vem dizendo o presidente, de que a Petrobras é um problema, a estatal é uma das principais soluções para o nosso problema crônico de subdesenvolvimento. O próximo passo é continuar o que foi interrompido pela Lava Jato, ou seja, construir refinarias, investir em novas fontes de energia, e usar a Petrobras como grande investidora em pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico!

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    Links: os números e gráficos deste post usaram como fonte o balanço da Petrobras divulgado no site da estatal, aqui.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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