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    Roberto Moraes

    Engenheiro e professor titular "sênior" do IFF (ex-CEFET-Campos, RJ)

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    Pix, mais uma etapa da plataformização dos negócios

    "Estado, através do Banco Central, ao oferecer o Pix e tudo que virá por decorrência dele, assume essa infraestrutura de mediação. Resta saber se também fará o papel de regulador dos fluxos financeiros que mais que nunca seguem soltos e sem controle, inclusive sobre as fronteiras dos Estados-nações", escreve o professor do IFES Roberto Moraes sobre o Pix

    (Foto: Divulgação)

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    Os números do Pix impressionam, mais de 10 milhões de cadastros em apenas dois dias é – a conferir – um recorde – em adesão a um aplicativo digital em todo o mundo. [1]

    O Pix é novo sistema brasileiro para transferência e/ou pagamentos instantâneos criado pelo Banco Central que pode eliminar a necessidade de dinheiro ou cartão. Com o Pix se usará apenas o cadastro com o número de um celular, ou email, para fazer uma transferência sem precisar recorrer a contas, agências, CPFs ou nome completo.

    Como tenho descrito aqui neste espaço trata-se de mais uma etapa do capitalismo de plataforma em um uso na dimensão econômico-financeira. Na essência o que se tem é mais uma infraestrutura digital de intermediação de produtos e serviços. No caso do Pix, uma intermediação financeira para transferência de dinheiro para pagamentos.

    Por ser uma plataforma digital de intermediação financeira ela se alinha às infraestruturas também conhecidas como FinTechs que unem as denominações da "Finanças" com a "Tecnologia". Não por acaso dois setores que hegemonizam o capitalismo contemporâneo.

    Como outras atividades em que as plataformas digitais estão presentes nas vendas (e-commerce), oferta de serviços (transportes, comunicação, saúde, educação, home-office, home-banking, delivery), entretenimentos (músicas, vídeos, streemings), etc., elas são quase sempre bem-vindas e bem-recebidas como alternativas de progresso que traria o bem para todos.

    O que está em jogo com a junção da Tecnologia com a Financeirização?

    Porém, entre os ônus há também - e como sempre - pelo menos quatro preocupações maiores: 

    1) A dominação do setor de tecnologia sobre todos os demais setores econômicos e dimensões (inclusive da política) que deixa de ser um fator de produção para ser o fator que transforma todo o modo de produção capitalista; 

    2) A tendência preocupante com o gigantismo e a oligopolização que a plataformização vem produzindo. 

    3) A captura desenfreada de dados que se transformaram na commodity mais valiosa no capitalismo contemporâneo. Uma nova propriedade que é vampirizada das pessoas e passam a novos donos.

    4) A junção que esse processo de plataformização traz ao unir o setor financeiro (já hegemônico no presente) - através do mercado de capitais e fundos globais -, às grandes corporações de tecnologia (Big Techs) que nos trouxeram aos dias atuais ao maior oligopólio da história do capitalismo, representado pelo setor de tecnologia.

    É neste contexto que se deve observar o que pode significar a chegada do Pix, inicialmente como meio de transferência e de pagamentos. É positivo que ele parta de um órgão estatal como o Banco Central, porque assim, em nome do coletivo ele, mesmo que teoricamente, tem a obrigação de oferecer garantias e de exercer controles sobre estas relações financeiras digitalizadas.

    Enquanto meio de pagamentos e transferências, o Pix não representa nenhuma novidade, porque no mundo há dezenas, ou centenas, de meios de pagamento que atuam numa rede paralela ao setor bancário. Trata-se de uma "rede não bancária" chamada da “Shadow Banking” ou “banco sombra”, que hoje já movimenta mais de uma centena de trilhões de dólares, cerca de ¼ do total de capital financeiro a nível global. 

    Observem na figura abaixo - no segundo gráfico à direita - o crescimento anual da "rede não bancária" (shadow banking) no mundo desde 2002. [2]

    Gráfico Pix


    Essa rede não bancária já estava presente entre nós sem ser percebida. É o caso por exemplo do Mercado Pago da varejista de e-commerce, Mercado Libre. A chinesa Alibaba tem a AliPay. A Apple Pay; Amazon Pay; Google Pay; Messenger Pay; Microsoft Pay; Samsung Pay, etc.

    Essas redes representam um novo domínio sobre meios de pagamentos e fluxos financeiros e estão diretamente ligadas às FinTechs que serão as maiores beneficiadas com uma plataforma digital oferecida por um governo. 

    No Brasil, as Fintechs há algum tempo, avançaram sobre o setor financeiro tradicional e hoje já possuem mais de uma dezena de milhões de correntistas espalhados por todo o país, sem que possuam sequer um ponto fixo de atendimento. Tudo virtual. Entre estas se destacam a Nubank, Original e o Inter. Porém, o número destas Fintechs hoje já passam de três dezenas no país. Elas não são bancos tradicionais e portanto os depósitos aí feitos não têm a garantia do Banco Central em caso de colapso.

    Pois bem, é nesse campo que o Pix avançará forçando todos na mesma direção. Esse cadastro do Pix tem a guarda do Banco Central que deverá em breve descobrir algumas outras serventias. O Pix reforça a digitalização, que pode ampliar a inclusão bancária e financeira, a redução de tarifas, aumento da concorrência, mas também à uma oligopolização do setor, como já acontece em todos os outros setores em que as plataformas digitais atuam.

    Entre bônus e ônus a pergunta é quem ganha mais com o Pix? E os riscos?

    A tendência é que além de transferências e pagamentos o Pix avance para oferecer saques Pix que seriam feitos em pontos comerciais que tivessem dinheiro vivo em mãos. O pagamento por aproximação do celular, o uso do QR-code para pagamentos que deverá substituir a emissão de boletos. Aliás, o pagamento por transferência ou aproximação, praticamente, anulará a necessidade das “maquininhas de cartão”, eliminando um enorme mercado.

    Enfim, o Estado, através do Banco Central, ao oferecer o Pix e tudo que virá por decorrência dele, assume essa infraestrutura de mediação. Resta saber se também fará o papel de regulador dos fluxos financeiros que mais que nunca seguem soltos e sem controle, inclusive sobre as fronteiras dos Estados-nações, quando o próprio BC diz que entre os próximos passos do Pix está a internacionalização do Pix.

    O Banco Central do Brasil sabe que a regulação será um desafio ainda maior. Os riscos do descontrole são muito grandes. João Manoel Pinho de Mello, Diretor de Organização de Sistema Financeiro e de Resolução do Banco Central, afirmou que “nosso papel é colocar a infraestrutura e que o mercado faça as inovações”. [3]

    Ou seja, o Estado está ofertando a plataforma (infraestrutura como condição geral), mas o resto fica com o mercado, mas se compreende que a regulação e o controle ainda terão que ser planejados e implantados. Ou não. Porque há neste governo muitos que pensam que se pode ou deve deixar que o mercado (no caso o financeiro) se autocontrole.

    Sobre o tema, desde 2018, o FSB (Financial Stability Board), que é o Conselho de Estabilidade Financeira, vinculado ao G-20 (países ricos), vem produzindo seguidos boletins e relatórios falando sobre os imensos riscos do desenvolvimento do mercado das FinTechs e sua relação com as Big Techs para a estabilidade financeira a nível global. [4]

    Enfim, nada mais, nada menos que os donos dos dinheiros a nível global, proprietários da maior parte do patrimônio financeiro global, hoje estimado em quase US$ 400 trilhões, estão alertando sobre os riscos que se tem pela frente. Ainda assim, a direção segue a mesma.

    No livro “A ´indústria´ dos fundos financeiros: potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo” [1], p. 158-168, eu já chamava a atenção para estes relatórios do FSB e sobre os riscos decorrentes da “ampliação do uso das tecnologias digitais e plataformas informacionais a serviços da financeirização".

    Referências:

    [1] Matéria do G1 em 6/10/2020. Registros de 'chaves PIX' superam 10 milhões em dois dias, diz Banco Central. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/pix/noticia/2020/10/06/registros-de-chaves-pix-superam-10-milhoes-diz-banco-central.ghtml

    [2] PESSANHA, Roberto Moraes. A `indústria´ dos fundos financeiros: potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo. Consequência: Rio de Janeiro, 2019.

    [3] Valor em 6/10/2020. Inovação gera um desafio histórico de regulação do sistema financeiro, diz Campos Neto. Disponível em: https://valor.globo.com/financas/noticia/2020/10/06/inovacao-gera-um-desafio-historico-de-regulacao-do-sistema-financeiro-diz-campos-neto.ghtml

    [4] Financial Stability Board (FSB). BigTech in finance: Market developments and potential financial stability implications. [BigTech em finanças: desenvolvimentos de mercado e potenciais implicações para a estabilidade financeira]. Disponível em: https://www.fsb.org/2019/12/bigtech-in-finance-market-developments-and-potential-financial-stability-implications/

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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