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    Marcelo Pires Mendonça

    Professor da rede pública de ensino do DF e especialista em Direitos Humanos

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    Plano Pena Justa: A participação social como método de democratização da construção de políticas públicas

    No mês de dezembro o plenário virtual do Supremo Tribunal Federal homologou o Plano Pena Justa, como resultado da ADPF 347

    Estátua da Justiça no prédio do STF em Brasília - 21/04/2010 (Foto: REUTERS/Ricardo Moraes)

    No mês de dezembro o plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) homologou o Plano Pena Justa, como resultado da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 347, ação judicial que reconheceu a existência de um estado de coisas inconstitucional no sistema penitenciário brasileiro, ou seja, reconheceu a ampla e sistemática violação de direitos humanos fundamentais. A ação foi proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2015, e a partir da recente decisão do STF, o governo federal e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) elaboraram um plano para enfrentar os problemas encontrados no sistema prisional brasileiro, o Plano Pena Justa, que deverá ser implementado ao longo dos próximos três anos, num esforço concertado entre os poderes executivos nacional e estaduais, além do judiciário e do legislativo. O tema é um dos mais complexos da Corte e, como afirmou o ministro Barroso em determinado momento do julgamento, não é um tema juridicamente fácil nem barato, mas que deve ser enfrentado, evidenciando que o sistema prisional terá prioridade na agenda institucional do STF nos próximos anos.

    No decorrer do longo processo de julgamento da ADPF 347 uma das decisões do Ministro Barroso, relator da ação, estabeleceu os critérios para elaboração do plano, dentre os quais se destacou a obrigatoriedade da adoção da participação social enquanto metodologia que assegurasse que o resultado refletisse os interesses da sociedade e contemplasse as demandas da população usuária dos respectivos serviços. Dessa forma, foram realizadas consulta e audiências públicas de caráter nacional, organizadas pelo CNJ em parceria com o governo federal, que contaram com a participação de organizações da sociedade civil relacionadas ao tema, especialistas, pessoas egressas e familiares de pessoas presas, cujas contribuições foram incorporadas à versão final do plano. O Plano Pena Justa considera o racismo como dimensão estruturante do estado de coisas inconstitucional e foi organizado em quatro eixos centrais: controle da entrada e das vagas do sistema prisional; qualidade da ambiência, dos serviços prestados e da estrutura prisional; processo de saída da prisão e da reintegração social; e políticas de não repetição do estado de coisas inconstitucional no sistema prisional. 

    A participação social na construção de políticas públicas é imprescindível para a democratização da atuação do Estado. Ao envolver a sociedade civil na formulação das políticas a legitimidade das decisões tomadas é ampliada, pois elas passam a refletir as necessidades e demandas da população; a participação de diversos atores sociais enriquece o debate e permite a identificação de diferentes perspectivas e soluções para os problemas; considerar os beneficiários das políticas em sua construção aumenta a possibilidade de que elas sejam mais eficazes, pois as soluções encontradas são mais adequadas às necessidades dos cidadãos; e uma vez que a participação da sociedade civil facilita o acompanhamento e a avaliação das políticas públicas, o controle social sobre as ações do Estado é fortalecido. Quando o Supremo Tribunal Federal reconhece o potencial da participação social e incorpora essa metodologia em suas decisões estruturais, não apenas a legitima como método de democratização da construção de políticas públicas, mas também fortalece as instâncias e mecanismos de participação social existentes, a exemplo dos Conselhos e Conferências Nacionais, das Audiências Públicas e das Ouvidorias.

    Durante os debates acerca do Plano Pena Justa no STF o Ministro Flávio Dino fez um discurso ressaltando que o referido caso possibilitou a consolidação de importantes aspectos relacionados aos processos estruturais (que envolvem Judiciário, Executivo e Legislativo), tema muito complexo na corte, porque há incidência na cláusula pétrea relativa ao princípio da separação dos poderes. Nesse caso, o Ministro Dino fez questão de destacar que a metodologia participativa afastou qualquer possibilidade de violação ao princípio da separação dos poderes, uma vez que não foi uma construção apenas do Judiciário, mas também dos outros poderes do Estado e da sociedade civil. Como resultado, a adoção da metodologia participativa responde a possíveis questionamentos em torno dessa decisão inédita da corte, que pela primeira vez declara o estado de coisas inconstitucional no país por conta da situação de violação de direitos humanos do sistema prisional.

    A construção de políticas públicas no Brasil tem passado por um processo de transformação nas últimas décadas, com crescente destaque para a participação social. A Constituição Federal de 1988 garantiu a participação da sociedade na formulação, implementação e avaliação das políticas públicas. O Plano Pena Justa, elaborado em resposta à decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF 347, representa um exemplo emblemático dessa tendência, sobretudo na atual conjuntura, perpassada pela polarização da sociedade, com ataques da extrema direita às instituições (em especial ao STF) e à própria democracia. Num cenário em que as pautas de direitos humanos estão sob constante ataque e no qual os debates acerca de temáticas como justiça, segurança pública e direito penal são cooptados pela extrema direita, ao mesmo tempo em que o STF reconhece a participação social como método, o governo Lula 3 atua para fortalecer as instâncias e mecanismos de participação social e para consolidar a política de educação popular, com o objetivo de assegurar que a sociedade atue na construção, no monitoramento e no controle das políticas públicas, de forma informada e com transparência.

    A participação social no processo de construção do Plano Pena Justa representa um avanço significativo na democratização da política prisional brasileira, cuja reforma é um desafio muito mais complexo do que revela a percepção geral e o senso comum. Além disso, é uma vitória da participação social enquanto método: pelo reconhecimento da suprema corte de sua relevância, pelos resultados que viabilizou no processo de construção do plano e pelo papel que tem a desempenhar no processo de monitoramento e controle social das próximas etapas. Que o Plano Pena Justa alcance êxito no combate ao estado de coisas inconstitucional no sistema penitenciário brasileiro, pois, como bem nos lembra o Ministro Barroso sobre as pessoas que estão no sistema prisional: "privados de liberdade, não de direitos".

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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