TV 247 logo
    Vijay Prashad avatar

    Vijay Prashad

    Historiador, editor e jornalista indiano. Escritor e correspondente-chefe da Globetrotter. Editor da LeftWord Books e diretor do Tricontinental: Institute for Social Research.

    64 artigos

    HOME > blog

    Podemos escapar de um mundo de dívidas?

    Os países do Sul Global estão basicamente vendendo seus produtos e serviços apenas para pagar dívidas

    Notas de dólar 12/02/2018. (Foto: REUTERS/Jose Luis Gonzalez/Illustration/File Photo)

    Publicado originalmente por Globetrotter e No Cold War em 26 de março de 2025

    Nas últimas duas décadas, a dívida externa dos países em desenvolvimento quadruplicou, chegando a US$ 11,4 trilhões (2023). É importante entender que esse valor devido a credores estrangeiros equivale a 99% das receitas de exportação desses países. Isso significa que quase cada dólar ganho com a venda de bens e serviços é um dólar devido a bancos ou detentores de títulos estrangeiros. Portanto, os países do Sul Global estão basicamente vendendo seus produtos e serviços apenas para pagar dívidas contraídas para projetos de desenvolvimento, quedas nos preços das commodities, déficits públicos, a pandemia de COVID-19 e a inflação decorrente da guerra na Ucrânia.

    Metade da população mundial (3,3 bilhões de pessoas) vive em países que destinam mais recursos do orçamento para pagar juros da dívida do que para educação ou saúde. No continente africano, 34 dos 54 países gastam mais com o serviço da dívida do que com saúde pública. A dívida paira sobre o Sul Global como um urubu, pronto para devorar as carcaças de nossas sociedades.

    Por que os países estão endividados?

    A maioria dos países acumulou dívidas por alguns motivos:

    1. Quando conquistaram a independência, cerca de um século atrás, já estavam empobrecidos por seus antigos colonizadores.

    2. Pegaram empréstimos a juros altos com ex-colonizadores para projetos de desenvolvimento, tornando o pagamento impossível, já que os recursos foram usados em obras públicas como pontes, escolas e hospitais.

    3. Termos de troca desiguais (exportação de matérias-primas baratas para importação de produtos manufaturados caros) agravaram as suas  fragilidades financeiras.

    4. Políticas cruéis de organizações multilaterais (como o FMI) forçaram cortes nos gastos públicos internos, direcionando recursos para pagar a dívida externa em vez de investir no desenvolvimento. Isso criou um ciclo de baixo crescimento, empobrecimento e mais endividamento.

    Presas na teia dívida-austeridade-baixo crescimento-empréstimos externos-dívida, as nações do Sul Global abandonaram o desenvolvimento de longo prazo para focar na sobrevivência imediata. As soluções oferecidas a elas priorizaram o pagamento da dívida, não o progresso. Geralmente, promoveu-se:

    1. Alívio e reestruturação da dívida – Reduzir o fardo e alongar prazos, sem resolver a causa do problema.

    2. Atração de Investimento Estrangeiro Direto (IED) e aumento de exportações – Gerar receita para pagar dívidas, mas sem fortalecer a capacidade produtiva interna.

    3. Cortes nos gastos públicos – Redução de investimentos sociais para direcionar recursos aos credores, sacrificando o bem-estar da população.

    4. Reformas tributárias (beneficiando os ricos) e trabalhistas (prejudicando os trabalhadores) – Cortes de impostos para "estimular investimentos" (que raramente acontecem) e flexibilização de leis trabalhistas para aumentar a exploração.

    5. Reformas institucionais sob controle internacional – Abertura do orçamento nacional a gestores estrangeiros (via FMI), cedendo soberania fiscal.

    Nenhuma dessas medidas aborda as causas estruturais do endividamento nem oferece uma saída real. Se essa é a melhor abordagem disponível, então os países em desenvolvimento precisam de uma nova teoria de desenvolvimento.

    Uma Nova Teoria de Desenvolvimento

    Já está claro que IED e exportação de commodities baratas não elevam sozinhos o PIB de um país pobre. Na verdade, em um cenário de liberalização financeira, o IED pode até desestabilizar economias frágeis, pois prioriza fluxos voláteis de "capital especulativo" em vez de investimentos de longo prazo.

    Pesquisas do Global South Insights (GSI) e do Tricontinental: Institute for Social Research mostram que o que impulsiona o crescimento sustentado não é o IED, mas o aumento do investimento líquido em capital fixo (gasto em infraestrutura e produção acima da depreciação). É por isso que China, Vietnã, Índia e Indonésia mantiveram altas taxas de crescimento enquanto outras nações (especialmente no Norte Global) estagnavam. Até o Banco Mundial admite que a saída da "armadilha da renda média" exige:

    Investimento em capital fixo,

    Absorção de tecnologia estrangeira,

    Inovação interna (o "método 3i").

    O crescimento do PIB, quando acompanhado de melhor distribuição de riqueza e gastos sociais, também eleva a expectativa de vida. Isso levanta questões cruciais: como direcionar recursos para setores estratégicos? Como planejar uma economia que priorize o desenvolvimento e não o pagamento de credores?

    Mas como financiar tanto a dívida quanto o investimento produtivo?

    Isso não é impossível: muitos países em desenvolvimento são ricos em recursos naturais e só precisam de capacidade para mobilizá-los. A resposta está menos nas "leis da economia" e mais nas relações desiguais de poder no mundo. Com a reconfiguração da ordem global, surge a oportunidade de criar novas estratégias financeiras.

    A discussão sobre desenvolvimento não deve ser como manter economias em uma espiral de dívida que leva à desindustrialização e ao desespero, mas como romper esse ciclo e iniciar uma era de industrialização, reforma agrária e progresso social. É essa visão que nos motiva a buscar não apenas políticas paliativas, mas uma teoria de desenvolvimento radicalmente nova.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

    ❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com redacao@brasil247.com.br.

    ✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.

    iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

    Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

    Relacionados