Poesia palestina de resistência de Mahmud Darwich
A obra de Mahmud Darwich é permeada por um testemunho de vida e luta, marcada pelo sofrimento do exílio e da tentativa de desenraização do povo palestino de sua terra
Embora ainda pouco conhecido no Brasil, Mahmud Darwich é o poeta e escritor palestino de maior renome internacional; autor de 30 livros de poesia e 8 livros de prosa, traduzidos em mais de 40 línguas; e ganhador do Prêmio Liberdade Cultural, da Fundação Lannan (EUA), do Prêmio Lenin da Paz (antiga União Soviética) e da Medalha de Cavaleiro das Artes e Belas Letras da França. Seus trabalhos nas décadas de 1960 e 1970 refletem sua contrariedade com a ocupação de sua terra natal.
“Ele era o príncipe das palavras e seu nome era Mahmud Darwich”, disse o romancista libanês Elias Khoury. Darwich era um poeta de enorme sensibilidade e espírito de luta, que usava frases poéticas tipo “como pode uma mão escrever se ela não é criativa ao fazer café.”
Além de escrever a contundente Declaração de Independência da Palestina, proclamada pelo líder da Organização para Libertação da Palestina (OLP), Yasser Arafat, em 15 de novembro de 1988 em Argel, Argélia, o autor teve sempre uma firme posição em defesa da libertação da Palestina, razão pela qual se afastou da organização, em decorrência dos Acordos de Oslo, assinados em 1993, os quais chamou de “um toma lá, dá cá” entre a OLP e Israel. Darwich considerou que Oslo “foi a maior imprudência já cometida por um líder [Arafat] para seu povo”.
Darwich nasceu no vilarejo palestino de Al-Birwa, na Galileia, em 1941, numa família sunita de pequenos agricultores. Ele era o segundo de oito irmãos. O vilarejo onde nasceu foi ocupado e arrasado pelas forças de ocupação sionista no processo da Nakba, em 1948, o que levou os Darwich a se refugiarem no Líbano por um ano, onde passaram a viver como “estrangeiros”. Ao retornar, o poeta constatou que sua Al-Biwa tinha sido substituída por uma colônia judaica com o novo nome de Ahihud.
Ele foi preso diversas vezes entre 1961 e 1967, por recitar poesia e trafegar entre aldeias da Palestina ocupada “sem autorização” das forças do “estado Judeu”. Seu poema “Carteira de Identidade”,[1]que foi transformado em uma canção de protesto, teve como consequência uma ordem de prisão domiciliar. Depois dessa perseguição e de prisões, Darwich foi obrigado ao exílio, que o levou a lugares como Cairo, Tunis, Moscou, Beirute e Paris, só retornando em 1996, quando foi autorizado pela ocupação a participar de um funeral.
O desterramento de palestinos é um tema recorrente na obra de Mahmud Darwich, sendo a trajetória de angústia, dor e sofrimento pelas mortes e expulsões desde a criação do “Estado de Israel” retratada por ele, que intitula a Palestina como o “paraíso perdido” e a “Terra de mensagens divinas reveladas à humanidade”,[2]conforme descrita na Declaração de Independência da Palestina. Sua obra revela a relação orgânica ininterrupta e inalterada entre o povo palestino, sua terra e sua história.
É esse poeta da alma palestina que o público brasileiro poderá ter mais perto, com a publicação do livro “Memória para o esquecimento” (Editora Tabla, 216 p.), lançado na última sexta-feira, dia 22.[3] A apresentação foi feita por Safa Jubran, que traduziu a obra para o português, e pelo professor Geraldo Campos, querido amigo, coordenador do Centro de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade Federal de Sergipe. Essa é uma das três obras de Darwich disponíveis aos leitores brasileiros, lançadas no Brasil pela Editora Tabla.
O livro narra memórias pessoais do dia 6 de agosto de 1982, data do ataque terrorista dos EUA sobre Hiroshima. Esse foi um dos 88 dias do cerco no qual os jatos do estado sionista despejavam bombas contra Beirute e matavam pessoas, uma realidade que Darwich viveu bem de perto durante o seu exílio no Líbano. Aliás, o livro traz reflexões sobre o significado do exílio – e não da diáspora – e sobre o papel do escritor em tempos de crise e de guerra. Sua obra expressa seu amor pela Palestina e pelo seu povo, que “rexiste” há mais de 73 anos.
As obras publicadas vêm suprir uma ausência de obras de Darwich em língua portuguesa, como as lançadas no ano passado: “Da Presença da Ausência” (In the Presence of Absence), traduzida diretamente do árabe por Marco Calil; e “Onze Astros” (Eleven Stars Over Andalusia), com tradução de Michel Sleiman. Outra obra da Darwich publicada no Brasil é “A Terra nos é estreita e outros poemas” (تضيق بنا الارض), traduzida do árabe por Paulo Daniel Farah (Bibliaspa, 2012).
A obra de Mahmud Darwich é permeada por um testemunho de vida e luta, marcada pelo sofrimento do exílio e da tentativa de desenraização do povo palestino de sua terra. Os poemas e contos do autor trazem um sentimento íntimo que é o mesmo do povo palestino, no qual a resistência por todos os meios é a única forma de sobrevivência e a única forma de libertar a Palestina da ocupação colonial sionista.
Darwich jamais renunciou à sua condição de poeta nacional palestino, da resistência, deixando claro, em cada linha da sua obra, que o sofrimento dos palestinos não é só dos que vivem sob ocupação ou no exílio. Esse tormento é de todos, já que os crimes perpetrados diariamente pelo estado judeu são crimes contra a humanidade.
A questão presente na obra de Darwich é a pergunta que todos fazem: por que os palestinos teriam que reconhecer o Estado de Israel no território da Palestina histórica, sem fronteiras definidas e em permanente expansão, e aceitar pequenas ilhas de terra como se a Palestina fosse um miniestado? O próprio autor a responde no poema “Bilhete de Identidade”: “O governo vai tirar-me as rochas, como me disseram? Escreve, então, no cimo da primeira página: a ninguém odeio, a ninguém roubo. Mas, se tiver fome, devorarei a carne do usurpador. Tem cuidado! Cuidado com a minha fome, Cuidado com a minha ira!”.
[1] O poema “Carteira de Identidade” está disponível em https://vermelho.org.br/prosa-poesia-arte/mahmud-darwich-carteira-de-identidade/. Acesso em: 22 out. 2021. [2] TENÓRIO, Sayid Marcos. Palestina: do mito da terra prometido à terra da resistência. 1. ed. São Paulo: Anita Garibaldi, IBRASPAL, 2019. p. 367. [3] O vídeo do lançamento do livro está disponível em https://www.youtube.com/watch?v=8PQ0F7jAf6U. Acesso em: 22 out. 2021.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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