Posse de Maduro X posse de Trump: a hipocrisia da direita brasileira
A posição majoritária da burguesia do país é alinhadíssima com o imperialismo ocidental, escreve o colunista Gibran Jordão
Nícolas Maduro tomou posse nesse dia dez de janeiro para seu terceiro mandato como presidente da Venezuela. Todo o processo se deu sob alta tensão, devido às polêmicas relacionadas ao processo eleitoral, com a oposição denunciando fraude e governos tanto da União Europeia como dos EUA não reconhecendo o resultado eleitoral, mesmo com a posição dos órgãos oficiais venezuelanos subscrevendo e legitimando Maduro como o vencedor da eleição presidencial.
Eliane Cantanhêde, articulista do Estadão e da Globo News, chegou a escrever: “ E agora, José? Qual será a reação do Brasil a um banho de sangue na Venezuela? Ex-caminhoneiro, Maduro conduzia a política externa nos governos Chávez, passou a dirigir os próprios rumos da Venezuela e levou o país para o desastre, o precipício, com combinação maligna: os defeitos de Chávez, sem as qualidades dele. Tosco, grosseiro, sem limites, Maduro subjugou as instituições, comprou as Forças Armadas a peso de corrupção e manipulou boa parte da população ao dominar a mídia e vender ilusões."
Opiniões semelhantes a essa acima, pipocam pela imprensa brasileira aos montes, sem provas sérias sobre o processo eleitoral, sem considerar o embargo econômico covarde dos países imperialistas contra a Venezuela e sem dar tratamento crítico igual às atrocidades autoritárias e absurdas que acontecem nos países da União Europeia e no próprio Estados Unidos, vociferam e babam de ódio contra o vizinho latino americano. A pressão sobre a posição do governo Lula diante do processo eleitoral na Venezuela, as críticas ao envio da embaixadora brasileira para a posse e o desejo da ruptura total da diplomacia brasileira com o país vizinho está em praticamente todos os editoriais da grande mídia brasileira. O que significa que é a posição majoritária da burguesia do país, alinhadíssima com o imperialismo ocidental, não importa a soberania da Venezuela e se o seu petróleo será roubado para fortalecer os interesses yankees na disputa geopolítica mundial. Infelizmente o pensamento colonial da elite brasileira bate continência para a bandeira norte americana sem nenhuma vergonha…
Segundo reportagem da BBC News, o governo dos EUA anunciou um aumento da recompensa, para US$ 25 milhões, por informações que levem à prisão do presidente venezuelano Nicolás Maduro no dia em que ele toma posse. Recompensas também foram oferecidas por informações que levem à prisão e/ou condenação do ministro do interior, Diosdado Cabello, como também para o ministro da Defesa, Vladimir Padrino. O Reino Unido também emitiu sanções a 15 altos funcionários venezuelanos, incluindo juízes, membros das forças de segurança e oficiais militares. Uma pausa para comentário sobre a falsidade moral de quem se diz democrata: Essas mesmas recompensas contra organizações consideradas terroristas na Síria foram retiradas, agora que o HTS assumiu o governo no lugar de Assad e está dialogando amigavelmente com o imperialismo ocidental. Mas voltando a América do Sul, a posse aconteceu com milhares de venezuelanos nas ruas apoiando Maduro, não houve “ banho de sangue”, a oposição não conseguiu mobilizar igual e muito menos empossar Edmundo González que se auto intitula presidente. A Venezuela tem um novo governo com um mandato de seis anos, com apoio de todas as principais instituições, congresso, suprema corte e forças armadas. Teremos episódios nos próximos dias de contestação, violência e multidões dirigidas pela oposição contra Maduro? Veremos… Pelo menos tentativas de desestabilizar o país com apoio de forças externas, sempre foi uma constante para quem é considerado um “delinquente” pelo império.
Dia 20/01 será a posse de Donald Trump, Lula será criticado caso enviar representantes?
Segundo a maioria da imprensa brasileira, o governo Lula deveria romper relações diplomáticas com a Venezuela, pois o governo Maduro seria uma ditadura que fraudou a eleição e corrompeu as instituições do estado para se perpetuar no poder. Mas essa não é a mesma posição em relação à posse de Donald Trump no próximo dia 20 de janeiro, ainda que o mesmo tenha recentemente dado declarações sobre anexar o Canadá, tomar o canal do Panamá e se apoderar da Groenlândia, admitindo que poderia usar recursos militares para tal. Também não é considerado pela imprensa brasileira o fato de Trump em seu primeiro mandato ter assassinado um membro do governo iraniano, General Soleimani, ter sido irresponsável durante a pandemia do coronavírus espalhando declarações negacionistas absurdas que levou milhares à morte e ter liderado a invasão violenta do capitólio para impedir a posse de Biden, sob alegação de fraude na eleição norte americana. Muito menos veremos alguma linha escrita pela imprensa brasileira criticando o governo Lula por ter enviado representantes na posse do primeiro presidente dos EUA condenado por crimes federais a assumir a Casa Branca.
Esse é o falso moralismo colonialista da burguesia brasileira que se expressa majoritariamente nos órgãos da grande mídia e lamentavelmente até mesmo em alguns setores da esquerda. Ficam totalmente à vontade para desmoralizar completamente o processo de disputa política interna na Venezuela, como se aquele país não tivesse nenhum direito a autodeterminação e soberania para lidar com suas crises particulares de processos políticos complexos. Ao mesmo tempo em que naturalizam posições e atitudes completamente absurdas de governos e processos de disputas em outros países que estão absolutamente fora do padrão democrático que julgam ser normal.
Algum escândalo foi feito a respeito da posição de Macron na França quando o mesmo não nomeou o primeiro ministro do partido de esquerda que venceu a eleição? Os editoriais dos panfletos da burguesia brasileira escreveram alguma linha exigindo que o Brasil rompa relações diplomáticas com Israel após a condenação de Beijamin Netanyahu no tribunal penal internacional por crimes de guerra pelas atrocidades cometidas contra o povo palestino? Os bolsonaristas do agronegócios brasileiro que vivem denunciando que a China é uma ditadura comunista, está propondo que o Brasil rompa relações diplomáticas com os chineses?
Sabemos a resposta, na geopolítica mundial as posições dos players capitalistas tem sempre dois pesos e duas medidas, a coerência política flutua de acordo com os interesses econômicos e com as disputas por hegemonia em cada continente e por cada tipo de mercado. No caso específico da Venezuela, enquanto o petróleo for um ativo de altíssima demanda energética no mundo, o imperialismo ocidental e aliados jamais irão aceitar que um governo independente gerencie esse recurso natural e irão lançar mão de todo tipo de agenda econômica, política e militar para desestabilizar esse país.
O terceiro mandato de Maduro e a posição da esquerda brasileira
Defender a soberania da Venezuela, a posse de Maduro e denunciar o golpismo do imperialismo e seus vassalos é uma posição absolutamente correta. Somente quem não entende nada da disputa geopolítica que ocorre no mundo hoje, ou quem capitula as posições do imperialismo ocidental pode defender a posse de Edmundo González. O governo Lula acertou em enviar representação da embaixada brasileira na posse de Nicolás Maduro, mas ao mesmo tempo cometeu um erro grave em sua política externa ao vetar a Venezuela nos BRICS, seria muito importante reverter essa decisão, principalmente agora que está na presidência dos BRICS em 2025. A cúpula dos BRICS vai se reunir no Brasil em julho, o governo da Venezuela será impedido de participar?
Embora a soberania da Venezuela seja um princípio inegociável na elaboração de qualquer política na esquerda brasileira, não significa que devemos dar um tratamento acrítico e um cheque em branco para tudo que o governo Maduro vem fazendo, em especial ao tratamento que está sendo dado aos movimentos sociais e organizações de esquerda de caráter independente. Devemos estar com o povo da Venezuela contra as agressões e golpismos reacionários, mas é preciso exigir que o governo Maduro não cometa abusos e reprima as forças progressistas e de esquerda que pensam diferente e apresentam agendas e críticas que apontam outras perspectivas alternativas a política defendida pelo atual governo venezuelano. Caso não houver uma sensibilidade de Maduro em dialogar com as forças de esquerda independentes, será mais difícil enfrentar os ataques patrocinados pela oposição de direita e pelos neoconservadores trumpistas que desejam derrubar Maduro na primeira oportunidade que tiverem. Por tanto, os direitos civis, democráticos e sociais precisam ser garantidos para os movimentos sociais e organizações políticas de esquerda na Venezuela, para que esse país continue sendo um dos pilares da luta anti imperialista mais importantes da América Latina nesse século de ascensão da extrema direita no mundo.
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