Pré-candidaturas de Suplicy e Kika fazem pensar sobre papel do idoso na política
Na avaliação de cientistas políticos, ainda que idosos sejam mais conservadores em relação a valores e ao comportamento social, defendem o regime democrático e querem estabilidade econômica
Depois que vi a inscrição da pré-candidatura da companheira Kika e do vereador Suplicy no processo de eleições internas prévias do PT da Capital paulista, passei a refletir sobre os seguintes assuntos: o papel das pessoas idosas na política e a importância das políticas públicas para pessoas idosas.
Se bem que a Kika tem pautado sua atuação militante em defesa das mulheres, negros e moradores das periferias e Suplicy na incansável luta para instaurar a Renda Básica da Cidadania e temas ligados aos Direitos Humanos e não especificamente na temática do direitos dos idosos. Mas, ambos são avós e têm mais de 70 anos e atuam diariamente na política e suas pré-candidaturas provocam uma reflexão sobre algumas ideias, muitas vezes equivocadas, que aparecem nos debates sobre o assunto.
A primeira delas eu sempre ouço a respeito do Suplicy: é um homem público símbolo da ética e solidariedade, mas já está idoso e não tem perfil para o executivo. Nada mais equivocado. Fui secretário municipal com ele no governo Haddad e sou testemunha de sua competência e disposição: montou boa equipe, trabalhava duro, dialogava com vários setores, muito focado na sua tarefa. E o homem goza de uma saúde impressionante. Essa ideia não cabe a ele, apesar de ser um setentão.
A segunda é que a população idosa não conta muito no processo político. Aqui preciso me deter mais. Ainda que prevaleça a ideia de que o Brasil é um país de jovens, que são decisivos nos processos eleitorais, dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) compilados pelo demógrafo José Eustáquio Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, mostram que a democracia brasileira tem uma face cada vez mais madura. Os idosos já representam 18,6% do eleitorado, ou 27,3 milhões de votos, enquanto que os jovens, de 16 a 24 anos, somam cinco milhões a menos: são 22,4 milhões ou 15,3% dos aptos a votar em outubro. Essa diferença é capaz de definir uma eleição. A mudança demográfica do eleitorado vem sendo percebida desde 2014, quando os dois grupos praticamente ficaram empatados no peso que têm nas urnas. Naquele ano, jovens representaram 16%, enquanto eleitores com 60 anos ou mais somaram 17%.
Os dados acima estão na matéria do O Globo, copiada abaixo, que é muito interessante e vale a leitura, mas vou adiantar alguns trechos.
Uma terceira ideia, ao meu ver equivocada, que inclusive atinge nós que nos posicionamos no campo da esquerda e lutamos por mudanças sociais, é pensar que só os jovens são progressistas ou que se interessam pela política e que os idosos são os conservadores. Nas eleições de 2010, uma das pesquisas da Fundação Astrogildo Pereira a partir dos dados do IBGE, identificou que um número considerável do grupo dos jovens estava abdicando da participação na esfera pública para atuar em associações religiosas e cuidar da vida pessoal. Achavam política algo desinteressante e apoiavam a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas.
Para a especialista, esse desinteresse pela política pode ser maior entre os jovens das eleições deste ano, pois estão amadurecendo em um momento de profunda crise política institucional. Ela acredita que esse desencanto pode levar mais jovens de 16 a 17 anos, para os quais o voto é facultativo, a adiarem a ida às urnas. Até março, apenas 22% ou 1,5 milhão do total de adolescentes nessa faixa etária tinham título de eleitor. Já os eleitores idosos costumam comparecer em peso nas urnas.
Na avaliação de cientistas políticos, ainda que idosos sejam mais conservadores em relação a valores e ao comportamento social, defendem o regime democrático e querem estabilidade econômica. Características que sugerem, nas urnas, a escolha de um candidato de centro por esse grupo.
“Nossas pesquisas indicam que indivíduos a partir dos 55 anos são os mais contrários à legalização do aborto, ao casamento de pessoas do mesmo sexo e à adoção de criança por casal gay. Mas também são os que mais apoiam o regime democrático como forma de organizar o sistema político, devido à experiência que tiveram nos anos de ditadura— complementa Rachel Meneguello, pesquisadora do Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp.
E também não é bem verdade assim que as pessoas na terceira idade não se interessam mais pela política. “Nossas pesquisas pós-eleitorais, em 2010 e 2014, mostraram que, em média, 70% das pessoas com 70 anos ou mais votaram nos dois turnos das eleições”, diz Rachel Meneguello.
Outro tema importante é o da demanda de políticas públicas para a população idosa. O envelhecimento da população brasileira já desafia governantes a implementar novas políticas públicas, mas também provocará profundas mudanças na forma e no conteúdo dos discursos eleitorais. Para especialistas, os candidatos precisarão entender o eleitor idoso. É preciso fugir de visões preconceituosas, como a de que os mais velhos necessariamente são conservadores ou votam com base em iniciativas pontuais, como as academias da terceira idade.
“Até agora, quando um político quer falar para o idoso, só quer discutir coisas boas: festa de terceira idade, atividades culturais, turismo para o que chamam de ‘melhor idade’” critica José Eustáquio.
“Idoso nunca foi pauta no Brasil, diferentemente do que ocorre na Europa, onde as populações são mais envelhecidas. Questões como a Previdência, que se tornou um tema impopular, e ligadas à saúde, terão de entrar no radar dos candidatos”, diz Helcimara de Souza Telles, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
E falando do tema da previdência, lembro que estamos na luta contra o fechamento de agências e sucateamento da estrutura do INSS, com a notícia de mais 3 postos em vias de fechamento na Zona Leste, região onde vive a pré-candidata Kika. A região mais populosa da Capital está passando por uma fortíssima transição demográfica. Apesar de a região só ter o maior número de idosos, foi entre 2010 e 2018 a região que teve maiores índices de envelhecimento. As desigualdades sociais, culturais e econômicas faz com que a velhice na cidade de São Paulo seja muito penosa para os idosos da região periférica. Isso fica evidente em relação a idade média de vida: nos jardins é de 81,6 anos e na cidade Tiradentes é de 58,4 anos, índice de país muito pobre. São dados que nos desafiam. Vale a pena entrar e ver esse levantamento inédito sobre a população idosa da Cidade, publicada pela prefeitura.
Portanto, acredito que precisamos nos despir de algumas ideias equivocadas e até preconceituosas e prestar atenção nessa população que é cidadã e ocupa parcela significativa do eleitorado. E as eleições são sempre uma boa oportunidade para debater esses e outros assuntos.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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