Previdência: uma reforma contra o trabalhador e as mulheres
Mais do que nunca, o momento é de luta, de resistência. Precisamos estar juntos, nas ruas e no Congresso Nacional. Contra a reforma da previdência e qualquer medida deste governo, que ataca os direitos dos trabalhadores e perdoa pendências bilionárias como os R$ 426 bilhões que empresas devem à previdência
O filósofo francês Gilles Deleuze, considerado um dos maiores pensadores do século passado, chamou de simulacro a criação de algo que possa parecer real, iludindo as pessoas com relação a determinada situação. O texto-base da reforma da previdência, aprovado na quarta-feira (3) por 23 votos a 14 na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, nada mais é do que isso: um simulacro grosseiro e perverso, que decreta o fim da aposentadoria para grande parte dos trabalhadores e o aumento da desigualdade entre homens e mulheres.
Logo depois da aprovação do texto, o relator Arthur Maia (PPS/BA) afirmou que os recuos do governo em relação à proposta original ocorreram no intuito de preservar os direitos dos mais pobres e, ao mesmo tempo, permitir o avanço do nosso país. Esse é o discurso de apresentação do simulacro. É a ideia que o Planalto quer difundir entre o povo brasileiro, na tentativa de convencê-lo de que a reforma é necessária e não mexe nos direitos da classe trabalhadora.
Para construir essa ilusão, o governo - pressionado pela manifestação popular nas ruas e por pesquisas que apontam que sete em cada dez brasileiros são contra a reforma - fez mudanças periféricas no texto, mantendo a vinculação do Benefício de Prestação Continuada (BPC) ao salário mínimo, por exemplo, objeto da emenda que apresentamos à comissão, e reduzindo o impacto da reforma aos trabalhadores rurais e categorias que têm forte representação, como policiais e professores.
No entanto, como comemora a base aliada, "os pilares da reforma estão mantidos": homens e mulheres que quiserem se aposentar integralmente pelo INSS terão de trabalhar 40 anos, sendo que eles obterão o benefício aos 65 anos e elas aos 62. E o tempo mínimo de contribuição sobe para 25 anos. É nesse ponto que o atual governo mais ataca os trabalhadore, principalmente as mulheres.
Na regra atual, os homens se aposentam com 35 anos de contribuição e as mulheres, com 30. Como acumula as tarefas de casa e a administração do lar e da família, a maioria das mulheres não consegue atingir essa meta e se aposenta aos 60 anos, com o mínimo de 15 anos de contribuição exigidos hoje e recebendo aposentadoria proporcional.
Pelas regras que seguem para discussão e votação em plenário, metade das trabalhadoras do nosso país não vão conseguir se aposentar, segundo cálculo feito pelo Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário. Embora, na média, tenham maior escolaridade, as mulheres têm mais dificuldade para conseguir empregos com carteira assinada e são maioria na informalidade. Uma empregada doméstica, por exemplo, dificilmente conseguirá atingir 25 anos de contribuição.
Outro ponto: as ações mostram aparente recuo do governo em relação ao que havia sido proposto para professores e trabalhadores rurais. Mera simulação. O que houve, na verdade, foi uma ligeira redução na penalização imposta às categorias no texto original.
Quando chegou ao Congresso Nacional, em dezembro do ano passado, a PEC 287 previa que tanto trabalhadores como trabalhadoras do campo deveriam contribuir ao menos 25 anos para conseguirem a aposentadoria aos 65 anos. Isso sem levar em consideração que os camponeses começam a trabalhar com 9, 10 anos de idade e enfrentam adversidades como o sol e o frio. Após a mobilização de movimentos sociais e entidades que representam os trabalhadores, o governo estabeleceu idade mínima de 57 anos para mulheres (na regra atual, é 55), 60 para homens e o mínimo de 15 anos de contribuição - o que hoje não é exigido.
Em relação aos professores da rede pública, atualmente, os requisitos são 55 anos, com 30 de contribuição para homens, e 50 anos, com 25 de contribuição para mulheres. No regime geral, exige-se apenas 30 anos de contribuição para os homens e 25 anos para as mulheres, independente de idade mínima. O novo texto prevê idade mínima de 60 anos para homens e mulheres e 25 anos de contribuição.
No dois casos, há nítida retirada de direitos dos trabalhadores, sobretudo das mulheres, que estão sendo submetidas a critérios iguais em um país em que elas não têm os mesmos direitos e oportunidades dos homens.
Apesar de todas as evidências, o governo, seguindo o "princípio da orquestração"difundido pelo ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels ("fazer reverberar os boatos até se transformarem em notícias sendo estas replicadas pela 'imprensa oficial'"), insiste em dizer que nenhum direito vai ser retirado.
Mas o povo está atento, indo para as ruas. Não vamos permitir mais esse retrocesso que, assim como a terceirização, a reforma trabalhista e a PEC do Teto, que congelou investimentos na área social, sobretudo em educação e saúde, pelos próximos 20 anos, penalizam os trabalhadores no momento em que eles mais precisam da reversão dos impostos que pagam em benefícios.
Mais do que nunca, o momento é de luta, de resistência. Precisamos estar juntos, nas ruas e no Congresso Nacional. Contra a reforma da previdência e qualquer medida deste governo, que ataca os direitos dos trabalhadores e perdoa pendências bilionárias como os R$ 426 bilhões que empresas devem à previdência.
Ana Perugini é deputada federal pelo PT/SP, coordenadora-geral da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos Humanos das Mulheres no Congresso Nacional, 2ª coordenadora-adjunta da Bancada Feminina na Câmara dos Deputados e integrante das comissões de Minas e Energia, de Defesa dos Direitos da Mulher e de Educação. É responsável pelas frentes parlamentares em Defesa da Implantação do Plano Nacional de Educação e de Promoção e Defesa da Criança e do Adolescente, no Estado de São Paulo
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