Quando teremos escolas públicas de paz e ensino de qualidade?
Os massacres praticados por estudantes em escolas dos EUA estão se globalizando e chegando rápido ao Brasil. As nossas estatísticas não param de aumentar desde 2011, quando houve o Massacre de Realengo em abril daquele ano. Na ocasião, doze estudantes, de 13 a 15 anos, foram brutalmente assassinados na Escola Municipal Tasso da Silveira. Nos últimos vinte anos houve ao menos dezesseis ataques em nossas escolas em diversos estados.
Após cada tragédia, tomadas de comoção, as nossas autoridades civis e religiosas vêm a público oferecer ajuda psicológica e religiosa, os radicais pedem a redução da maioridade penal, detectores de metais, segurança armada e muitas câmeras de TV de modo a transformar as escolas num grande reallity show, e a imprensa promove o sensacionalismo de sempre. Porém, são incapazes de propor medidas concretas e eficientes de longo prazo. Quando a tragédia deixa o noticiário, tudo fica como dantes no quartel de abrantes.
Há, todavia, hipóteses do porquê de tanta tragédia. Quatro pelo menos são as mais visíveis.
- A deterioração da escola pública, largada à própria sorte pela sociedade é a que mais sobressai. Ela se tornou um lugar de fracassados e pobres; a alternativa que oferece ao alunado é uma remuneração futura abaixo de cinco salários-mínimos e, ao corpo docente uma vida de burnouts, salários baixos que volta-e-meia viram motivo de piada ou deboche na TV e nas redes sociais.
- O desmantelamento do quadro de inspetores de alunos ou que outro nome tenha, cria espaços escolares sem a devida vígilância de adultos. Em muitas escolas particulares e no Colégio Pedro II sempre existiram funcionários encarregados de manter a ordem nos pátios, corredores e em turmas com tempos vagos. A inexistência destes e destas funcionárias coloca frágeis professores e professoras frente a frente com jovens em momentos de satisfação ou insatisfação extrema, alegrias incontidas e até com momentâneas alterações emocionais graves. Quando eles e elas constituem equipes educativas ciosas de suas funções fica mais fácil controlar as pulsões estudantis de ordens diversas. As grandes e tradicionais escolas do Rio de Janeiro desde sempre os mantiveram e não transferiram as suas competências para os professores. A inexistência de professores e professoras com disposição e condições físicas de interferir em situações graves e perigosas, como a professora de Educação Física que imobilizou o estudante paulista, é fato comum. A permanente vulnerabilidade de todos os profissionais de educação, sem exceção, é a regra.
- O afastamento das famílias das escolas públicas da educação escolar dos seus filhos e dependentes deixa a escola à sua própria sorte. O afastamento é tal que muitas somente ficam sabendo de problemas dos seus filhos em apressadas reuniões ou por meio de rápidos bilhetinhos, que nem sempre chegam intactos. Uma pedagogia moderna que levou as tarefas de casa a perderem a importância de outrora, nomeadamente ao reconhecer as dificuldades de tempo dos pais e mães trabalhadores, seus cansaços, praticamente retirou os pais e responsáveis do acompanhamento escolar de seus filhos. A inexistência de leis que possam garantir a presença dos pais e responsáveis nas reuniões escolares sem descontos salariais também contribuem para a pequena atenção dos pais aos processos escolares dos seus filhos. Nos próprios lares de classe média isto não é muito diferente, tal a quantidade de crianças aos cuidados de babás ou de empregadas domésticas. A escola de tempo integral acaba virando a panaceia geral para evitar que as nossas crianças e jovens ganhem as ruas com todos os perigos existentes nelas. A grande expectativa é que as crianças e jovens cheguem às suas casas bem alimentadas, sem deveres de casa e de banho tomado. Escola de tempo integral, entretanto, não é apenas para produzir mais tempo de convívio dos filhos e dependentes com as suas famílias, antes elas devem servir para ampliar e consolidar novos saberes e desenvolver memórias de longo prazo.
- A desmoralização da hierarquia na sociedade brasileira e da falta de respeito no ambiente escolar podem ser encontrados entre as causas de problemas disciplinares. O ambiente escolar se tornou simétrico, os professores se tornaram amiguinhos e professoras, tias. Professores e professoras, no entanto, são profissionais de educação com longa formação acadêmica e merecem ser tratados com respeito e deferência. O mesmo deve valer nas relações entre colegas de diferentes turmas e turnos. E isto não supõe nenhuma volta no tempo. Nossos estudantes, quando em escolas no estrangeiro, sentem dificuldades de adaptação quando há necessidade de tratarem com reverência os seus superiores, serem disciplinados e obedientes às regras existentes. Eles tiram de letra as novidades e desafios dos conteúdos, mas experimentam embaraços, vexames e desconfortos diante de valores e regras de convivência social e escolares, em particular quando não podem se dirigir aos profissionais de educação sem a devida consideração, levantar de seus lugares e perguntar sem a indispensável permissão, deixar de realizar as suas tarefas e cumprir os prazos estabelecidos.
Em termos de educação escolar, nós brasileiros estamos muito complacentes com o funcionamento caótico das nossas escolas públicas, obrigadas cada vez mais a recorrer à Patrulha Escolar da Polícia Militar para resolver conflitos internos. Também temos sido complacentes com os modismos pedagógicos de diversas origens, adotando-os sem reflexões aprofundadas. Nas críticas à escola tradicional fomos tímidos, substituindo-a teórica e empiricamente por novidades da hora, como se elas fossem isentas de efeitos colaterais importantes. Até o presente fomos incapazes de desenvolver um modelo de educação melhor do que o da escola tradicional, muito embora tenhamos conseguido banir o seu autoritarismo; a violência física praticada por seus docentes e os seus processos de hierarquização, exclusão, humilhação e diferentes formas de assédio. Nossos avanços, contudo, foram pífios no oferecimento de uma educação de qualidade referenciada socialmente e na criação de escolas de paz. As diversas reformas curriculares e administrativas para a melhoria da qualidade do ensino e outros tantos projetos de prevenção e superação da violência nas escolas, até o presente, foram incapazes de conseguir os resultados esperados. O que perdura é a corrente banalização da escola pública e medidas estapafúrdias tal como a que foi proposta pelo governador do Estado do Rio de Janeiro: botões de pânico e treinamento dos professores pelo BOPE para atuarem em situações de negociações. (Jornal Extra, 31/03/2023)
Uma escola de paz, segundo a UNESCO, supõe mais do que botões de pânico e treinamentos militares. Pouco ou nada se conseguirá sem um conjunto de valores sociais que promovam a coesão do grupo; sentido de pertencimento; respeito à vida, à diversidade humana e ao pluralismo. Supõe ainda deter os arroubos personalistas de autoridades escolares, políticas e acadêmicas, fazer um esforço e começar a construir a escola de referência social e de paz que queremos, na qual haja alegria de aprender e formação de uma juventude que possa se tornar senhora de um mundo de abundância, liberdade, paz, justiça, democracia e equidade social.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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