Quem controla o discurso também controla o poder
"O golpe de Trump fracassou, o Império americano ainda não caiu, mas as grandes empresas de tecnologia conseguiram reforçar o controle que exercem sobre as sociedades", diz o jornalista Leonardo Attuch, editor do 247
O banimento de Donald Trump por praticamente todas as redes sociais revela que somos hoje governados por bilionários do Vale do Silício. Nomes como Jack Dorsey, do Twitter, Mark Zuckerberg, do Facebook, Larry Page, do Google, Tim Cook, da Apple, e Jeff Bezos, da Amazon. São poucos indivíduos, com suas empresas conectadas a grandes fundos financeiros globais, estes também comandados por pouquíssimos gestores de capitais, que controlam o discurso político global. E quem controla o discurso, evidentemente, tem a capacidade de determinar o poder.
O mais paradoxal é que Trump, resultado do vale-tudo dessa "era das redes", tenha sido o primeiro grande alvo de um bloqueio tecnológico em escala global. Foi ele quem melhor soube manipular os medos e emoções humanas com suas fake news – uma delas a de que Barack Obama não era nascido nos Estados Unidos – e seu discurso de ódio, voltado primeiramente para Hillary Clinton mas depois para todos aqueles que ele nomeou como "inimigos". Enquanto pôde usar e abusar da sua "liberdade de expressão", Trump foi capaz de desafiar o sistema político nos Estados Unidos, eleger-se presidente e montar uma ampla base popular de natureza protofascista, frustrada com a decadência da América e as derrotas sofridas ao longo do processo de globalização. Foi assim que o discurso "Make America Great Again" seduziu milhões de americanos.
Durante anos inflamando sua turba, Trump teve seu pirulito retirado da boca por Mark Zuckerberg, do Facebook, e Jack Dorsey, do Twitter. Depois de silenciado, tentou mover seus seguidores para a rede social Parler, que concorre com o Twitter, mas a mesma está sendo suspensa das duas grandes lojas de aplicativos, a da Apple e a do Google, ficando de fora dos celulares iOs e Android, ou seja, de praticamente todos os aparelhos do mundo. E nem mesmo poderá ser usada em computadores, uma vez que a Amazon não irá mais fornecer servidores para a hospedagem dos seus serviços. Ou seja: o Parler, assim como Trump, também será silenciado.
Deve-se comemorar tais decisões tomadas pelas "big techs"? O precedente, a meu ver, é extremamente perigoso. Mesmo que sejam empresas privadas, e que tenham políticas de uso que preveem o banimento em casos de promoção de fake news e discurso de ódio, tais empresas formam monopólios privados que operam numa seara essencial para as democracias, que é a da informação. E não faz sentido permitir que o discurso político seja controlado por magnatas do Vale do Silício. Afinal, quem controla o discurso também controla o poder. E se há algo que não pode ser privatizado é a informação, um direito humano essencial.
O que fazer então? Dado o poder alcançado por essas plataformas, o caminho natural é a regulação social das redes sociais. A velha regulação social dos meios de comunicação, mas agora mirando um problema muito maior que é o das grandes plataformas de tecnologia, que não são neutras. O que isso significa? Que seus algoritmos não são transparentes e não refletem objetivamente a diversidade de interesses e visões políticas numa sociedade. As plataformas podem sim fragmentar sociedades e orientar o consumo de informação para causas antidemocráticas, como se viu em várias "revoluções coloridas" em vários países do mundo, incluindo o Brasil. O resultado disso foi destruição econômica, divisão social e alinhamento de vários países aos interesses geoestratégicos dos Estados Unidos. O bloqueio de Trump só aconteceu agora porque o mesmo processo ameaçava implodir a própria "democracia" americana.
Depois do dia 6 de janeiro, quando houve a invasão do Capitólio, ainda não assistimos ao fim do Império americano, não houve golpe nos Estados Unidos, mas as grandes empresas de tecnologia, que se tornaram ainda mais poderosas em 2020, ano da covid-19, reforçaram seu poder de controle sobre as sociedades. Isso é bom? A ver.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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