Quem elogia torturador deveria ser preso
"A falta de resposta crítica a declaração tão injuriosa aos verdadeiros heróis nacionais por parte da cúpula militar me faz conjecturar que os atuais comandantes concordam com os elogios, o que também os inclui dentre os herdeiros da linha-dura da ditadura", escreve Alex Solnik
No dia 9 de outubro de 2008, sentença do juiz Gustavo Santini Teodoro, da 23a Vara Civel de São Paulo condenou, pela primeira vez desde o fim da ditadura, um oficial do Exército Brasileiro por sequestro e tortura durante o regime militar de 1964.
O oficial era o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe do clandestino DOI-Codi entre 23/9/1970 e 23/1/1974.
“O DOI-Codi era uma casa de horrores, razão pela qual o réu não poderia ignorar o que ali se passava” escreveu o juiz. “Não é crível que os presos ouvissem os gritos e não o réu”.
No entanto, Ustra não foi para a cadeia.
A decisão do juiz apenas reconheceu haver relação jurídica entre ele e seus acusadores – Maria Amélia de Almeida Teles e César Teles – “relação que nasceu da prática de tortura”, o que mostra que mesmo 23 anos depois do fim da ditadura era difícil punir os crimes hediondos praticados pelo estado brasileiro.
Até hoje é.
Maria Amélia e César foram torturados por Ustra na frente de seus filhos nas dependências do DOI-Codi, que funcionava dentro das instalações do II Exército, em São Paulo.
Ustra morreria sete anos depois, a 15 de outubro de 2015.
Eis porque seus admiradores se alvoroçam. Está chegando a data de sua morte, que deverão celebrar. É um escárnio que dentre eles estejam o presidente e o vice-presidente da República.
Mourão, o vice, exaltou Ustra há dois dias, em entrevista à Deutsche Welle:
“Foi meu oficial comandante durante o final dos anos 70 e ele foi um homem de honra que respeitava os direitos humanos de seus subordinados. Então, muitas das coisas que as pessoas falam dele não são verdade”.
Mourão dá um jeito de mostrar que só conheceu Ustra “no final dos anos 70” quando ele já estava fora do DOI-Codi, mas revela ter sido subordinado a um dos principais representantes da linha dura do Exército, que se opôs à abertura política comandada pelo general Ernesto Geisel.
Confirma, portanto, ser herdeiro da extrema-direita que tentou derrubar Geisel após ele colocar para fora o comandante do II Exército, depois da morte na tortura, também no DOI-Codi, do jornalista Vladimir Herzog.
Mourão já havia feito homenagem póstuma a Ustra quando ele morreu, aos 83 anos, o que lhe custou exoneração do Comando Militar Sul, assinada pelo comandante do Exército general Eduardo Villas Boas a 31/10/2015.
Ao passar para a reserva, a 1/3/2018, Mourão homenageou de novo seu ex-comandante..
Bolsonaro já chamou Ustra de herói nacional em três ocasiões, duas como deputado federal, em 2016 e uma já como presidente, quando recebeu, no Palácio, a 9 de agosto de 2019, a viúva do infame coronel.
Por nenhuma dessas manifestações ele sofreu qualquer reprimenda do Exército, apesar de ter colocado um torturador e chefe de torturadores, responsável por ao menos 45 mortes e um sem-número de torturas, no mesmo patamar de Tiradentes e Caxias.
A falta de resposta crítica a declaração tão injuriosa aos verdadeiros heróis nacionais por parte da cúpula militar me faz conjecturar que os atuais comandantes concordam com os elogios, o que também os inclui dentre os herdeiros da linha-dura da ditadura.
A tortura só foi definida como crime inafiançável e imprescritível no Brasil a partir de 5 de outubro de 1988, com a promulgação da constituição democrática e a 7 de abril de 1997, com a promulgação da Lei no. 8455 os que se omitem ou deixam de investigar também passaram a ser responsabilizados.
Após definir o que constitui crime de tortura - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental; submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental – a lei afirma que não só o torturador é passível de reclusão de dois a oito anos, mas também “aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos”.
Embora proíba veementemente a prática da tortura, a constituição esqueceu de reprimir os que exaltam seus autores, uma falha que um dia há de ser corrigida para que, tal como a Alemanha prende quem faz a saudação “Heil Hitler” em público, seja preso no Brasil quem faz apologia de torturadores na tentativa de transformá-los em heróis.
O torturador é, além de sádico, um covarde. E nenhum covarde pode ser considerado herói.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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