Renato, um réu recebido pelo Papa
A ressurreição política de Renato Freitas envolveu dois movimentos simultâneos e paralelos: um no Supremo Tribunal Federal e outro no Vaticano do Papa Francisco
A recuperação dos direitos políticos de Renato de Almeida Freitas Jr, combativo militante católico, 37 anos de idade, cabeleira black power e discurso focado na defesa do povo da periferia, constitui um desses momentos significativos da luta democrática do país.
Vereador e líder da bancada do PT em Curitiba, advogado formado pela Universidade Federal do Paraná, em fevereiro Renato de Freitas foi acusado de profanar uma missa na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos para promover um protesto contra a execução do vendedor Moise Kabangambe e de Durval Teófilo Filho, espancados até a morte por terem ido cobrar diárias atrasadas num quiosque na barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.
Acusado e condenado por quebra de decoro, Renato teve o mandato cassado em dois julgamentos sumários pela Câmara de Curitiba.
Onze meses depois, a ressurreição política de Renato Freitas envolveu dois movimentos simultâneos -- e paralelos -- um no Supremo Tribunal Federal e outro no Vaticano do Papa Francisco.
Em Brasília, o ministro Roberto Barroso examinou -- e acolheu -- o principal recurso da defesa. Ele nem entrou no mérito do caso. Anulou a sentença por uma razão elementar, o desrespeito à uma formalidade jurídica básica, conhecida como prazo decadencial, indispensável ao andamento correto de todo processo judicial.
Quando Barroso tomou sua decisão, o vereador cassado encontrava-se a 8900 quilômetros de distância, em Roma, para participar de uma audiência com o Papa Francisco, numa visita amplamente divulgada pelos jornais brasileiros.
Embora fosse um evento coletivo, Francisco estava bem informado sobre o visitante, graças a uma carta assinada por Frei David, uma das personalidades mais influentes no universo católico brasileiro de nossos dias e voz ativa na defesa de Renato.
Num zap enviado ao 247, Frei David explicou o apoio da instituição ao trabalho de Renato:
"A Educafro Brasil vê no Renato o perfil de uma nova maneira de se fazer o trabalho por direitos da comunidade Afro-brasileira", disse o Frei. "Não negamos os anteriores," prossegue, "mas somos a favor desse estilo franciscano de não perder a postura e responder todas as agressões tendo um único objetivo: ajudar a conquistar o coração do adversário, fazê-lo perceber seus problemas e somar conosco na luta antirracista."
Pela violência escancarada e chocante, no início de 2022 a morte de Moise Kabangambe e de Durval Teófilo Filho provocou uma dessas ondas periódicas de indignação -- muitas vezes passageiras -- num país onde a impunidade judicial diante de crimes contra cidadãos pobres, especialmente pretos, é uma certeza confirmada em tragédias diárias.
Em Curitiba, contudo, ocorreu uma situação diferente. Após o encerramento de uma missa na Igreja Nossa Senhora do Rosário, uma bela arquitetura de estilo barroco num terreno onde, em 1737, escravizados levantaram um templo onde poderiam ter acesso aos rituais católicos, um grupo de militantes liderados por Renato de Freitas entrou no local.
Embora admita que tenha ficado um tanto incomodado com a presença de militantes após a missa, o Padre Haas, responsável pelo lugar, autorizou a manifestação, que, ao contrário do que se divulgou com insistência, só teve início quando a cerimonia já terminara. "Não achei legal" disse o padre, todas as vezes em que foi chamado a falar sobre o assunto. "Mas eles não profanaram o local nem destruíram nada", reconhece Haas, que sempre criticou a condenação de Renato.
Em todo caso, a reação contra o vereador foi desproporcional, traindo um antigo costume da Casa Grande brasileira. O que se pretendia, através da Câmara, era castigar Renato de modo exemplar, num reflexo reacionário típico de um país que conserva usos e costumes típicos do tempos do cativeiro.
O que ninguém imaginava era que Renato Freitas era um réu que seria recebido pelo Papa.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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