Salvar a Pátria impõe eliminar preconceito contra militares
Bolsonaro vai cair. As elites querem se livrar dele porque sua presença na Presidência desqualifica as relações do país com o grande capital predatório e gera uma tremenda instabilidade no mercado. O problema é como fazer isso
Acabo de assistir ao vídeo de 20 de janeiro do site 247. Fiquei duplamente estarrecido. Primeiro, pelo fato de o vídeo não ter tido qualquer conseqüência no plano político, pelo menos até hoje. Segundo, pela extensão e profundidade do conteúdo. Jamais se viu no mundo, para todas as platéias nacionais e internacionais, uma demonstração tão grande de aviltamento auto-infringido de um Presidente da República em exercício. Isso significa simplesmente que a grande mídia brasileira naturalizou o absurdo.
Não me vou ater aos detalhes do vídeo. Refiro-me apenas ao ataque de homofobia a um jornalista, e à demanda grosseira a outro jornalista sobre um recibo que a mãe dele teria por ter dado para o pai. Em si, não tem nada de errado. O que assusta é a grosseria, a falta de modos, a insolência. Apesar da indignação gerada, não me afetam os crimes de moral. Afetam-me, sim, os crimes, principalmente econômicos, contra o povo. E é justamente sobre eles que quero discutir aqui, já que o vídeo do 247 não trata deles.
Bolsonaro vai cair. As elites querem se livrar dele porque sua presença na Presidência desqualifica as relações do país com o grande capital predatório e gera uma tremenda instabilidade no mercado. O problema é como fazer isso. O general Mourão, com todos os seus esforços de vassalagem a Paulo Guedes, não é confiável: os próprios militares o consideram megalomaníaco e arrogante. A saída, portanto, seria a queda maquinada dos dois por uma decisão do TSE que reconhecesse fraude na eleição da dupla.
Então entrariam na linha sucessória, pela Constituição, o deputado Rodrigo Maia e o senador Alcolumbre, ambos incriminados pela Lava Jato, não obstante os conchavos político-jurídicos para retirá-los de sua linha de tiro. O seguinte na linha sucessória, o ministro Dias Toffoli, é tido em Brasília como alcoólatra inveterado e suspeito de uso de cocaína. Com ele cairiam todos os possíveis sucessores constitucionais de Bolsonaro e Mourão. O que resta?
Eu me atrevi a dar a fórmula na semana passada. Usei equivocamente a palavra “ditadura”, mas o que proponho efetivamente é um sistema institucional que permitisse a transição do caos institucional para um regime democrático no qual um Magistrado Supremo, civil, apontado pelos militares no processo de limpeza total das instituições republicanas falidas, conduzisse o Estado e a Nação num período máximo de seis meses. No fim desse período, superado o caos, ele automaticamente devolveria o poder a um Presidente eleito.
Ouvi muita bobagem a respeito dessa sugestão. A principal é que não se pode dar o poder supremo a um militar porque ele faria como Castello Branco, transformando uma Presidência temporária em permanente. Isso é uma bobagem, que não diz respeito sequer a Castello, como já mostrei em artigo. A outra bobagem é uma espécie de preconceito democrático. Isso não é difícil de ser descartado. No caos, e nós estamos à beira do caos, não há democracia possível. O Magistrado supremo entraria justamente para evitar a anarquia.
Isso significa que não há saída aceitável senão pela intervenção militar qualificada. Aos diabos com uma intervenção do tipo AI-5, como sugeriu o filho do Presidente. É uma intervenção do tipo de uma ditadura pré-clássica romana, antes de César, no intervalo entre monarquia e república. O poder é conferido a um homem íntegro, não ambicioso, por seis meses, com uma pauta definida de ação para enfrentar o período de caos. Ao fim desse período, realizadas eleições, ele devolve o poder ao Congresso, preferivelmente sob uma nova Constituição.
A democracia social deve ser preservada. Mas não devemos correr novamente o risco de ter na Presidência um louco, especialmente num tempo em que o voto tem sido facilmente comprado por bilionários e sujeito à demagogia. Num livro de 2008, “A crise da globalização”, sugeri que o poder efetivo fosse dividido entre um Presidente eleito por longo período, e o Parlamento de quatro em quatro anos, sujeito a recall. Ao Presidente caberiam responsabilidades de Estado de crucial importância menos sujeitas à demagogia (guerra e paz, meio ambiente, genética, água), ficando com o Congresso ações de economia e administração.
Um complicador em todo esse processo é o comportamento dos militares. Ao contrário dos oficiais até o início dos 80 (Leônidas, fiel da balança da democratização), os oficiais de hoje tem escrúpulos em se meter na política. Intervencionistas como Heleno e Mourão, de extrema direita, refletem um padrão que está desaparecendo. De qualquer modo, na reserva, não mandam mais nada. Diante disso, a decisão caberá aos generais da ativa do Alto Comando, colocados entre agir em defesa da Pátria ou afundar na anarquia com ela.
Para quem tem ilusões quando ao comportamento “democrático” do povo basta observar os movimentos sociais dos últimos anos. O povo devia ter se levantado diante da reforma trabalhista, da reforma previdenciária, do desmantelamento da Petrobrás e da ameaça de destruição de outras 16 estatais estratégicas, mas nada fez. Com um grupo de camaradas, tentei organizar há dias uma passeata para protestar contra o aumento abusivo de combustíveis, de energia elétrica e da carne. Nada. Portanto, não tendo instituições estáveis nem poder de massa, nos salvem os generais, desde que limitados por um código segundo a Magistratura especial romana que descrevi em outros artigos!
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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