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    Sergio Ferrari

    Jornalista latino-americano radicado na Suíça. Autor e coautor de vários livros, entre eles: Semeando utopia; A aventura internacionalista; Nem loucos, nem mortos; esquecimentos e memórias dos ex-presos políticos de Coronda, Argentina; Leonardo Boff, advogado dos pobres etc.

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    Saúde doente

    Metade da humanidade sem serviços básicos de saúde

    Sede da OMS, em Genebra 02/02/2023 REUTERS/Denis Balibouse (Foto: Denis Balibouse)

    Por Sergio Ferrari - O ano de 2024 terminou quase sem boas notícias para a humanidade. O aumento dos gastos militares é agravado pela diminuição dos orçamentos de saúde.

    O último Relatório de 2024 da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre gastos globais nessa área, publicado em dezembro passado, conclui que, em 2022, os governos alocaram à saúde diminuíram em relação aos números de 2021.

    A conclusão da OMS é o resultado de um processamento cuidadoso de informações abundantes e confiáveis disponíveis desde 2000, procedentes de 190 países. O relatório anual dessa organização das Nações Unidas é publicado regularmente desde 2017 e é uma referência essencial para a análise da situação da saúde no mundo (https://www.who.int/es/news/item/12-12-2024-new-who-report-reveals-governments-deprioritizing-health-spending).

    Enquanto isso, em abril de 2024, o Instituto Internacional de Estudos para a Paz, de Estocolmo (SIPRI), informou que os gastos militares mundiais em 2023 aumentaram 6,8% em termos reais em comparação com 2022; foi o aumento mais acentuado dos últimos 15 anos. Essa tendência contrasta com a queda constante dos orçamentos de saúde.

    Raio-X devastador

    De acordo com o Relatório de 2024 da Organização Mundial da Saúde, 4.5 bilhões de pessoas –mais da metade da população do planeta– não têm acesso a serviços básicos de saúde e 2 bilhões enfrentam maiores dificuldades financeiras porque devem assumir privadamente uma parte significativa desses custos. O paradoxo revelado por essa agência das Nações Unidas é fundamental: embora o acesso aos serviços de saúde tenha melhorado ao longo do tempo, seu encarecimento representa uma carga financeira muito problemática para um vasto setor da população, a ponto de muitas pessoas caírem na pobreza porque precisam financiar seus cuidados médicos e de saúde.

    De acordo com a OMS, os gastos diretos (pessoais e privados) continuam sendo a principal forma de financiamento da saúde em 30 países de baixa e média renda. Em 20 deles, "mais da metade do gasto total com saúde foi pago diretamente pelos pacientes, o que é um gatilho para o ciclo de pobreza e vulnerabilidade".

    Os desafios colocados pela falta de proteção financeira para a saúde não se limitam aos países pobres. Também nos países de alta renda, os pagamentos diretos por salários de saúde geram sérias dificuldades. Como resultado, não é possível fornecer todos os cuidados médicos e de saúde necessários, especialmente em famílias de baixa renda.

    Os dados não mentem: em mais de um terço dos países ricos, ou seja, aqueles com alta renda, pelo menos 20% do gasto total com saúde é assumido diretamente pelos pacientes. Em muitos casos, essa situação obriga os pacientes a minimizar seus custos médicos ou de medicamentos para evitar que seus orçamentos familiares explodam.

    Um mau exemplo

    Por exemplo, na Suíça –que goza de um sistema de saúde típico de um país altamente desenvolvido–, o que cada habitante paga mensalmente pelo seguro de saúde obrigatório (cerca de 500 dólares por adulto) varia de acordo com o valor da franquia (ou seja, o que o segurado deve pagar antes que seu seguro comece a funcionar). Quanto menor a franquia, maior o pagamento mensal. Cada vez mais, há um grande setor da população, especialmente jovens e pessoas de baixa renda, que optam por uma alta franquia de $ 2.750 (2.500 francos) por ano e, assim, buscam reduzir o pagamento mensal. Isso significa que as despesas médicas até esse valor terão que ser pagas individualmente pelo próprio segurado.

    Assim, a saúde está hoje no centro das preocupações dos setores médios e baixos da população suíça, dado o aumento contínuo do pagamento mensal, entre 5 e 10% ao ano, dependendo de cada cantão (Província, Estado) e dependendo de cada uma das dezenas de fundos médicos, todos privados. Sindicatos e organizações sociais suíças se mobilizam há anos em favor de um Fundo Médico Único, com forte participação do Estado, com a perspectiva de redução de custos no setor. A maioria parlamentar de direita e extrema direita, com forte presença e intenso lobby de representantes de seguradoras privadas e da grande indústria farmacêutica, se opõe a tal proposta que reduziria substancialmente seus atuais lucros astronômicos no setor de saúde.

    Fortalecimento da saúde pública

    A OMS propõe que os governos priorizem a Cobertura Universal de Saúde (CSU, por sua sigla em espanhol) em nível nacional e reduzam o empobrecimento gerado pelas despesas relacionadas à saúde. Dessa forma, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio seriam alcançados e soluções substantivas seriam alcançadas até 2030. Essa prioridade na saúde pública em todas as suas esferas é condição fundamental para o alcance desses objetivos.

    Já no final de 2023, a OMS alertou que mais de 1 bilhão de pessoas no mundo poderiam cair na pobreza devido às despesas diretas com saúde, que representam aproximadamente 10% ou mais, de seus orçamentos familiares. A agência da ONU defende a expansão da atenção primária à saúde, que, até 2030, poderia salvar 60 milhões de seres humanos em países de baixa e média renda e aumentar a expectativa de vida em 3,7 anos.

    Entre as estratégias eficazes para fortalecer a proteção legal e financeira da saúde, a OMS enfatiza a necessidade de minimizar ou eliminar franquias para os usuários mais necessitados (incluindo pessoas de baixa renda e/ou com doenças crônicas) e estabelecer mecanismos de financiamento da saúde por meio de fundos públicos que beneficiem toda a população.

    Segundo a OMS, a saúde pública envolve a definição de orçamentos para "serviços essenciais de saúde que vão desde a promoção à prevenção, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos, usando uma abordagem de atenção primária à saúde". Esse conceito "inclui toda a sociedade e visa garantir o mais alto nível possível de saúde e bem-estar e sua distribuição equitativa por meio de cuidados focados nas necessidades das pessoas".

    A atenção primária, pilar essencial da saúde pública, inclui três componentes interdependentes e sinérgicos. Primeiro, o conjunto de serviços de saúde integrados e abrangentes que englobam esse nível básico de atenção. Em segundo lugar, políticas e iniciativas multissetoriais para abordar a saúde de forma abrangente e global. Em terceiro lugar, um elemento essencial baseado na participação cidadã e que a OMS define como "a mobilização e o empoderamento de indivíduos, famílias e comunidades para alcançar uma maior participação social e melhorar o autocuidado e a autossuficiência em saúde (https://www.who.int/es/news-room/fact-sheets/detail/primary-health-care).

    América Latina e Caribe: o déficit da medicina pública

    Embora o investimento público em saúde na América Latina e no Caribe tenha aumentado na primeira parte do século, não foi suficiente para atingir os objetivos propostos. Em 2021, 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB) foram alocados quando pelo menos 6,0% foram projetados. De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), naquele mesmo ano, apenas 61% do que foi investido em saúde na região correspondeu a recursos financeiros públicos.

    Como ambas as organizações apontam em seu relatório conjunto, de outubro de 2024, as contribuições diretas –ou seja, pagas do bolso dos usuários– chegaram a 28%. Em 14 países, os pagamentos diretos, ou com recursos dos pacientes, excederam 30% de seus respectivos investimentos nacionais em saúde. Cuba foi o país do continente com maior cobertura pública e menor gasto direto (8,4%). As famílias guatemaltecas, no outro extremo, tiveram que arcar com mais de 60% de seus gastos com saúde. Na Argentina e no Brasil, mais de 22% dos recursos familiares foram para a saúde (https://www.paho.org/es/noticias/21-10-2024-cepal-ops-llaman-priorizar-inversion-salud-para-reducir-desigualdad-alcanzar).

    A OPAS e a CEPAL afirmam que esses números "são preocupantes, pois os gastos diretos reproduzem desigualdades no acesso e na qualidade do atendimento e podem se traduzir em despesas catastróficas ou empobrecedoras". Para essas duas organizações líderes em questões de saúde no continente, essas desigualdades destacam a necessidade urgente de "aumentar o gasto público em saúde, juntamente com uma gestão eficiente dos recursos".

    A menos que os principais problemas estruturais do setor público de saúde sejam abordados –fundamentalmente o subfinanciamento crônico e a fragmentação e segmentação dos sistemas de saúde– essas desigualdades e o consequente empobrecimento de um vasto setor latino-americano e caribenho continuarão a piorar irremediavelmente, de acordo com a OPAS e a CEPAL.

    É um panorama mundial no qual se instalam os altos e baixos da irracionalidade planetária. Em um dos lados da gangorra global, a saúde que cai, desconsiderando, assim, o esforço humano para cuidar e sobreviver. E no outro, armas mais sofisticadas, munições e a indústria militar em pleno andamento para alimentar as guerras espalhadas pelo planeta, responsáveis por milhões de vítimas e causadoras de retrocessos ambientais e civilizacionais.

    Tradução: Rose Lima

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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