Se vivo fosse, o que Sun Tzu diria sobre a guerra?
O exército mais poderoso enfraquece à medida que gasta recursos e o Hamas está aí para provar que os que usam bombas para matar
A guerra, essa milenar atividade tão humana, consiste basicamente no ato de aniquilarmos os que nos estorvam interesses políticos, econômicos, religiosos, culturais, pessoais, etc. Sobre a guerra ainda não se disse tudo, pois parte da humanidade prova que quando este é o assunto nada, nada mesmo, é tão ruim que não possa exponencialmente piorar, até porque os países mais ricos e poderosos do mundo seguem investindo bem mais em armas do que em alimentos, saúde, educação, moradia e na preservação do meio ambiente. O fato é que a guerra segue sendo um negócio dos mais valiosos para os que, claro, vendem armas e não morrem nelas.
Suponho que se Sun Tzu pudesse enviar lá de 530 a.C., para o nosso presente, uma nova edição de “A arte da guerra” manteria a ideia de que bom mesmo é vencer o inimigo sem ter que com ele lutar, que é bem melhor negociar e fazer alianças do que sair por aí matando pessoas por delas discordamos. É que Sun Tzu nunca ouviu falar do Complexo Industrial Militar dos EUA, da OTAN e dos “generais de todas as nações (com) fardas bonitas, condecorações, (que) documentam na nossa história o seu rastro sujo de sangue e glória”, como diria a banda de rock “Uns e Outros”.
Certo, não se disse tudo, mas já se falou bastante. Sempre que vejo imagens de sofrimentos, destruições e desesperos de toda sorte que só uma guerra pode causar lembro do diálogo entre Pablo Picasso e um oficial da SS Nazista. Numa entrevista em 1945, Picasso falou da visita nada agradável que recebeu em seu ateliê, na França em 1940, do oficial com seus soldados. Ao ver uma reprodução da genial tela “Guernica”, retratando horrores da guerra civil espanhola, o oficial perguntou: "Foi o senhor quem fez isso?". Ao que Picasso respondeu: “Não, foi o senhor". Picasso contou ainda que: "alemães vinham me visitar, fingindo admirar meus quadros. Dava-lhes cartões-postais da tela dizendo: levem de lembrança".
Costumo lembrar de inúmeros relatos que já li em tantos livros ou assisti em tantos filmes que dão conta do pavor das pessoas ao saberem que o inimigo está chegando pronto a lhes devorar. Em “Vietnã Norte”, livro-reportagem do jornalista australiano Wilfred Burghett (lançado no Brasil em 1967), vemos civis norte vietnamitas, segregados em suas paupérrimas vilas, apavorados ante a chegada do exército dos EUA, mesmo que Burghett mostre de forma duramente realista como foi possível resistir a “imensa sofisticação tecnológica do agressor norte-americano”.
Não que tente imaginar como foi, é impossível, mesmo assim penso no sofrimento das pessoas na aldeia de Mỹ Lai, no sul do Vietnam, ao saberem que soldados do exército estadunidense estavam chegando. O “Massacre de Mỹ Lai” ocorreu em 1968 quando “marines” invadiram a aldeia, assassinando todas e todos os seus 504 habitantes, a maioria mulheres, crianças e idosos. Na época, o governo dos EUA “justificou” o massacre como uma retaliação à formação de um batalhão do Exército Popular do Vietnã, que havia se instalado na região de Mỹ Lai. Porque invadiram a aldeia e mataram todos os seus moradores ao invés de irem atrás do batalhão é a pergunta que nunca calou. Porque exterminar pessoas indefesas, que não ameaçavam um exército tão poderoso, é a explicação que não pode ser dada, pois a maldade, neste caso, não é racional.
O pavor sentido pelos moradores de Mỹ Lai deve ter sido o mesmo que povos (em sua maioria judeus) de variadas cidades de países do leste europeu experimentaram, a partir de 1938, ao saber que tropas da SS Nazista e do exército alemão estavam chegando praticando a política de terra arrasada, para que nada ficasse em pé, e aquilo que depois ficou conhecido como a “solução final”. Igual sensação, de terror, deve ter sido sentida pelas mulheres alemães ao saberem que o Exército Vermelho se aproximava de Berlim, em 1945, praticando o estupro em escala industrial como vingança pela destruição que as tropas de Hitler causaram em solo soviético, por exemplo no cerco à cidade de Stalingrado. Os povos indígenas no Brasil, na região Andina, nos EUA, etc, devem ter sentido bastante medo ao saberem que os colonizadores brancos se aproximavam para lhes tomar a terra, mesmo que estivessem decididos a reagir até a morte.
Sobre isso, diria Sun Tzu para não se considerar a alternativa do inimigo não vir, pois ele sempre vem, mesmo que demore. Em “Enterrem meu coração na curva do rio”, Dee Brown fala do conselho que os indígenas idosos, do oeste dos EUA, davam aos indígenas mais jovens para não se iludirem, pois o “exército do homem branco do norte” não deixaria de vir para lhes tomar a terra, derrubar a floresta, matar animais e pessoas. Sun Tzu é categórico ao dizer que não se deve confiar na possibilidade de o inimigo não atacar e que, pelo contrário, deve-se manter prontidão para recebê-lo e, se possível, “fazer de nossa posição inexpugnável”. Parece ser essa a disposição do povo palestino, segregado na Faixa de Gaza.
Agora mesmo, esse pavor deve ser a sensação mais sentida pelos palestinos na Faixa de Gaza, ao saberem que o exército de Israel entrará (está entrando) por terra em seu diminuto local de moradia. De fato, os palestinos sabem bem que o inimigo virá, até porque é isso mesmo que ele vem fazendo desde pelo menos 1967.
Tenho visto muitos vídeos, nas redes sociais, de crianças e jovens palestinos aterrorizados ante ao fato de que Israel objetiva fazer na Faixa de Gaza o que os EUA fizeram na aldeia de Mỹ Lai. O que mais me choca é ver Israel impingir ao povo palestino o mesmo tipo de terror e sofrimento enfrentados pelo povo judeu durante a 2ª guerra mundial. É espantoso ver os sionistas partirem do Holocausto para justificarem a política genocida praticada pelo Estado israelita contra o povo palestino. Inclusive, e a rigor, o sionismo nem deveria mais existir, posto que a razão própria de sua existência, a criação de um Estado judeu independente, foi efetivada em 1948.
Após o ataque militar promovido pelo Hamas em cidades de Israel, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu prometeu uma vingança sem precedentes, avisando que o exército israelense iria aniquilar o Hamas. Mas, ao invés de colocar suas forças de segurança no encalço dos líderes e militantes do Hamas, Netanyahu mandou jatos da Força Aérea e a artilharia do Exército submeteram a Faixa de Gaza ao que na 2ª Guerra Mundial se chamava de “bombardeios de saturação”, quando se atacava cidades com bombas aéreas para maltratar, desgastar e, claro, matar a população civil.
Em apenas dois dias, cerca de 3.000 palestinos foram mortos. Os estrategistas militares de Netanyahu devem ter ouvido falar do massacre de Mỹ Lai, pois a ordem dada ao exército de Israel é entrar na Faixa de Gaza para retaliar, para vingar, os ataques do Hamas. A ordem é impingir dor e sofrimento aos palestinos para que eles parem de apoiar grupos como o Hamas, mas é, também, como bem disse Netanyahu, “fazer varrer do mapa a Palestina”.
Importa lembrar que Netanyahu anunciou a “política de aniquilação” da Palestina ao exibir, em setembro passado na Assembleia Geral da ONU, um mapa do que seria, para Israel, o "Novo Oriente Médio". Pasmem, mas no tal mapa não aparecia a Palestina. Era a extrema direita sionista desdenhando das resoluções das Nações Unidas, principalmente a que criou o Estado da Palestina. Provando desconhecer as ideias de Sun Tzu, Israel deixou bem claro que não quer dialogar, negociar, com seu inimigo. Para Israel, Oriente Médio bom, é Oriente Médio sem a Palestina.
A notícia que importa hoje, 16 de outubro, é o anúncio da Organização Mundial da Saúde alertando para a “verdadeira catástrofe” que é o fato de a Faixa de Gaza só ter água, eletricidade e combustível para mais 24 horas. Atentemos para a situação de desespero do povo palestino condenado a morte seja pelos bombardeios seja pela falta de água, alimentos e remédios. A questão é que ajudas humanitárias estão bloqueadas, no Sinai Egípcio, já que Israel e Egito não se entendem para que insumos básicos entrem na Faixa de Gaza. O governo do Egito tem colocado uma questão básica: como se vai entrar com os insumos se Israel não para de bombardear a Faixa de Gaza?
Sun Tzu diria: “Se estás sitiando uma cidade, esgotarás tuas forças. Se mantiveres o teu exército muito tempo em campanha, teus mantimentos se esgotarão (...) Armas são instrumentos de má sorte; empregá-las por muito tempo produzirá calamidades. Como se tem dito: ‘Os que a ferro matam, a ferro morrem". Dito de outra forma, o exército mais poderoso enfraquece à medida que gasta recursos e o Hamas está aí para provar que os que usam bombas para matar, podem morrer atingidos por bombas.
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