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Pedro Benedito Maciel Neto

Pedro Benedito Maciel Neto é advogado, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi, 2007.

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Sobre a lei das escolas militares do Tarcísio

No fim e ao cabo as tais escolas cívico-militares são uma forma de como tomar dinheiro público da educação

(Foto: Alesp)

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A Lei Complementar Estadual n° 1.398, editada em 28 de maio de 2024, que trata da implementação de projeto de militarização de escolas civis públicas estaduais e municipais que integram a Rede de Ensino de Educação Básica do Estado de São Paulo é completamente inconstitucional.

É uma lei imprestável, pois, nos termos do seu artigo 1° institui o Programa Escola Cívico–Militar no Estado de São Paulo para as escolas públicas estaduais e municipais da Rede de Ensino de Educação Básica que é incompatível com a Constituição Federal.

Esse Programa, tão caro à extrema-direita, tem claro viés ideológico e não pedagógico, tal como disposto na lei não encontra amparo no modelo de educação nacional previsto pela Constituição Federal, e que foi delineado, em âmbito nacional, por meio da Lei n° 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases). 

Essa lei viola o texto Constitucional de várias formas, seja pela presença de vícios de ordem formal - exigência de lei federal para tratar da matéria e ausência de competência legislativa concorrente do Estado de São Paulo para tanto -, seja pelos vícios materiais que alvejam o seu conteúdo. A lei extrapola as atribuições constitucionais da força militar estadual (CF, art. 144, §5º) e afronta aos princípios constitucionais da liberdade de pensamento (CF, art. 5º, inciso IX, c/c art. 206, incisos II e III); da valorização do profissional da educação (CF, art. 206, V); da gestão democrática da escola (CF, art. 206, VI). 

Explicando: “inconstitucionalidade formal” da Lei Complementar Estadual decorre da edição de lei sobre matéria que é da competência privativa da União, conforme se depreende da leitura do art. 22, XXIV, da Constituição Federal, segundo o qual “compete privativamente à União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional”, ou seja, a lei do Tarcisio invade seara de competência da União, pois institui um modelo educacional que desborda dos parâmetros da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, estabelecendo princípios e diretrizes que trazem para o âmbito da gestão educacional alicerçada nas normas básicas federais um viés militar próprio – e exclusivo – do ensino militar, que é de caráter residual e regulado por lei específica (art. 83 da LDBEN).

Dito de outra forma, à luz do ordenamento jurídico constitucional e subconstitucional, não há possibilidade de fusão de modelos de educação civil e militar. Ou seja, além de inconstitucional, é instrumento de indesejado embate ideológico. 

Não há base normativa geral autorizativa da criação de escolas cívico-militares e a Constituição Federal não assegura competência legislativa aos estados federados, ao contrário, há evidente transgressão das normas nacionais, de cunho geral, editadas pela União, no seu constitucional papel de legislar privativamente para a Federação sobre os temas indicados no art. 22, CF.Além dos citados vícios formais, a lei padece de vícios de inconstitucionalidade de ordem material, pois, ofende diversos princípios constitucionais, a saber: (i) da liberdade de pensamento (art. 5º, inciso IX, c/c art. 206, incisos II e III, da CF/88); (ii) da valorização dos profissionais da educação (art. 206, V, da CF/88); (iii) extrapolação dos limites constitucionais da força militar estadual (art. 144, § 5°, da CF/88) e (iv) gestão democrática do ensino público (art. 206, VI, da CF/88).

A lei o Tarcisio ofende o princípio da valorização dos profissionais da educação, previsto no art. 206, V, da CF, pois, o comando constitucional determina que o profissional da educação da rede pública deve ser selecionado exclusivamente mediante concurso público de provas e títulos e, à luz desse preceito constitucional e, também, do art. 61 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, verifica-se que o enquadramento na categoria de profissionais da educação escolar básica é condição necessária ao exercício de funções pedagógicas.  

Essa lei das escolas cívico-militares é imprestável, colocada em perspectiva constitucional, pois, ela, em seu art. 10, II, prevê a seleção de militares da reserva para o exercício de atribuições de caráter eminentemente pedagógico e privativas de profissionais da educação, sem prévia aprovação em concurso público e – o que é pior – sem específica formação para tanto.

Mas não é só... 

Para os militares que desempenharão, na condição de monitores, atividades extracurriculares cívico-militares (art. 1, § 4°), a lei prevê o pagamento de gratificação especial, correspondente a 2,5 Unidades Básicas de Valor (UBV) por dia de trabalho, conforme previsto no art. 13 do ato normativo em apreço. A unidade em referência equivale, segundo o art. 8º da Lei Complementar n. 1.388/23, a R$ 120,68, o que implica dizer que, por mês trabalhado, os monitores receberiam o valor de R$ 5.692,50. Não se faz necessário grande esforço de pesquisa para verificar que a remuneração a ser destinada aos profissionais militares destoa acentuadamente do salário mensal pago a agentes de organização escolar (AOE), que exercem função semelhante: R$ 1.550,00. O que representa total descompasso entre o princípio da valorização do profissional da educação e a lei estadual, haja vista a atribuição de funções pedagógicas a militares da reserva, que não dispõem de formação específica para tanto, nem foram previamente aprovados em concurso público, bem como a valorização desproporcional à remuneração de policiais militares com recursos oriundos do orçamento da Secretaria da Educação.Além de tudo isso, o art. 10, inciso II, da lei estadual das escolas cívico-militares propõe que os colégios cívico-militares sejam geridos por um Núcleo Civil e um Núcleo Militar, este composto por militares estaduais da reserva, sendo que os militares ficariam responsáveis pela coordenação das atividades cívico-militares no ambiente escolar, a serem regulamentadas pela Secretaria de Segurança Pública, ora, sob a perspectiva daquilo que, constitucional e legalmente, identifica a Polícia Militar e seu corpo funcional a atribuição de funções pedagógicas a servidores militares, ainda que na reserva, extrapola os limites impostos pela Constituição Federal à atividade policial. Conforme dispõe o art. 144, § 5º, da Carta, a atividade policial se restringe ao exercício de policiamento ostensivo e à preservação da ordem pública, esgotando, assim, todas as demais possibilidades de atuação policial. Por isso, considerando a incompatibilidade da coordenação de atividades educacionais por militares frente ao que foi estabelecido pela Constituição, a designação de militares da reserva para o exercício de funções pedagógicas configura desvio de função da força militar estadual, bem como extrapola os limites constitucionais impostos às suas atividades.

Em síntese, essa lei precisa ser suspensa pelo Poder Judiciário, pois, além de toda a inconstitucionalidade, é instrumento de uma guerra, uma bobagem que reflete bem esses tempos de idiotia e de uma guerra cultural, pautada pela direita, que esta levando o país a um período de grande instabilidade institucional.

Uma curiosidade: vi num levantamento que pelo menos 10 municípios firmaram contratos, sem licitação, com a Associação Brasileira de Educação Cívico-Militar (Abemil), um total de 11 milhões de reais de dinheiro público, sem licitação, desviado para a tal associação, uma imoralidade, agravada pelo fato dela ser presidida por um tal Capitão Davi Lima Sousa, que é suplente de deputado federal pelo PL, partido do ex-presidente. 

Esse capitão seria um lobista que atua no congresso pela mudança de lei para implantar o modelo cívico-militar em escolas e obter contratos com a administração dessas cidades, oferecendo o que chama de “orientação técnica” para viabilizar a mudança de formato nos colégios. 

No fim e ao cabo as tais escolas cívico-militares são uma forma de como tomar dinheiro público da educação.

Essa é minha opinião sobre o tema.

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