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    Ramon Brandão

    Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

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    Sobre a necessidade de ser contemporâneo

    O contemporâneo é o menos passivo dos indivíduos. Ele não se deixa cegar pelas luzes do seu tempo. Antes, visualiza com clareza a parte das sombras, essa íntima obscuridade que sempre esteve presente, assombrando todas as épocas da história

    Sobre a necessidade de ser contemporâneo

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    Giorgio Agamben, filósofo italiano, pergunta em Nudez[1] “de quem e de que somos contemporâneos?”. “O que significa ser contemporâneo?”.

    “O contemporâneo é o intempestivo”, nos diria outro filósofo – Roland Barthes. Antes dele, Nietzsche (também filósofo) disse: o intempestivo “procura [formas de] compreender um mal, um inconveniente, um defeito, alguma coisa da qual a época justamente se orgulha”.

    Nietzsche afirma essa sua contemporaneidade diante do presente, se posiciona nele com discordância e desconexão pois crê que somente é verdadeiramente contemporâneo, que só pertence verdadeiramente ao seu tempo, aquele que não coincide perfeitamente com suas normas, com seus dogmas e com suas exigências. É exatamente através da diferença, da separação e, por vezes, através da própria exclusão que o verdadeiro contemporâneo é capaz, mais do que os outros, de perceber, processar e apreender a sua época.

    Evidentemente o contemporâneo não vive em outro tempo. Ele está aqui, agora, entre nós. Homens e mulheres inteligentes podem até odiar seu tempo, mas sabem que a ele pertencem, irrevogavelmente. A diferença entre o contemporâneo e os demais é que o primeiro trava uma relação singular com o tempo, mais intensa, relação que se adere ao presente ao mesmo tempo em que dele toma distância.

    Os demais coincidem exageradamente com sua época, as vezes até mesmo desejando-a; se ligam a ela – e se esforçam para tanto – em todos os aspectos e, exatamente por isso, não podem ser considerados contemporâneos. São incapazes, por tais razões, de visualizar a materialidade do real, de manter nele o seu olhar fixo. Eles – esses escravos do presente – vivem para as distrações enquanto o contemporâneo, por sua vez, vive não para experimentar as luzes, mas para perceber e observar a escuridão, essa parte ainda inexplorada – mas iminente, inevitável.

    O contemporâneo é como o farol marítimo, é aquele que observa, é o primeiro a observar a chegada da tormenta. É aquele que se arrisca nas veredas do obscuro e, por isso, o único capaz de falar algo.

    O contemporâneo é o menos passivo dos indivíduos. Ele não se deixa cegar pelas luzes do seu tempo. Antes, visualiza com clareza a parte das sombras, essa íntima obscuridade que sempre esteve presente, assombrando todas as épocas da história.

    Esse contemporâneo, assim, consegue perceber e reconhecer a escuridão como algo que lhe diz respeito, como algo que o interpela, como alguma coisa que, mais do que qualquer luz, se dirige direta e singularmente a ele mesmo. Em outras palavras, o contemporâneo é aquele que recebe “diretamente no rosto o facho de trevas que provém do seu tempo”.

    O contemporâneo, ademais, é raro. É o único capaz não somente de manter fixo o seu olhar nas sombras do real, mas também de perceber nessa escuridão uma luz que, dirigida para nossa direção, afasta-se infinitamente de nós. O contemporâneo é corajoso pois assume um compromisso do qual só pode faltar. Por isso sofre.

    O presente, percebe o contemporâneo, está com suas vértebras quebradas. Isso faz dele, do próprio presente, o mais distante dos tempos. Somente este sujeito o percebe; isso pois somente ele habita essa fratura. Ele é a própria intempestividade, o anacronismo que nos permite apreender o tempo. Somente ele é capaz de reconhecer nas trevas uma luz que, sem nunca poder nos alcançar, viaja permanentemente em nossa direção.

    Estar, digamos, em “estado de contemporaneidade”, implica comportar um certo desvio onde a atualidade inclui dentro se si uma pequena parte do seu fora. Ele antecipa o seu tempo, vislumbra o “ainda não” insuperável. A separação e o distanciamento operando ao mesmo tempo com a proximidade – esse paradoxo dialético, portanto – são o que a define. O presente é o limiar entre um passado recente e um porvir. É um ponto de passagem quântico. É precisamente a parte do não vivido que está contida em todo o vivido. É o ponto que comporta os dois tempos.

    Para ser contemporâneo é preciso se atentar a essa parte não vivida da vida, é preciso voltar-se para um presente que jamais foi habitado. É, por fim, colocar em ação uma relação especial e singular entre os tempos. O lugar que o contemporâneo habita faz da fratura não o lugar onde a pulsão de morte prevalece, mas o lugar de um compromisso ético absoluto entre as gerações.

    Isso significa que o contemporâneo não é somente aquele que, “percebendo a escuridão do presente, apreende sua luz inalienável”, mas é também aquele que, “dividindo e interpelando o tempo, é capaz de transformá-lo, de nele ler de modo inédito a história”. A contemporaneidade clama por contemporâneos.

     



    [1] Editora Autêntica, 2014.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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