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Ricardo Nêggo Tom

Músico, graduando em jornalismo, locutor, roteirista, produtor e apresentador dos programas "Um Tom de resistência", "30 Minutos" e "22 Horas", na TV 247, e colunista do Brasil 247

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Sobre Silvio Almeida e Anielle Franco

"Para nós homens, falar sobre violência sexual contra a mulher é caminhar por um campo minado", escreve Ricardo Nêggo Tom

Silvio Almeida (Foto: Filipe Araújo/MINC)

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Apesar de o tema estar pautando o debate midiático há quase duas semanas, esperei o posicionamento oficial da ministra Anielle Franco para escrever esta coluna. Apesar de a manifestação da ministra não ter sido feita, a meu ver, como uma representante do Estado brasileiro deveria fazer. Porém, não cabe a mim julgar o tempo de reação de uma mulher que teria sido vítima de importunação sexual. O tema se torna ainda mais sensível e perturbador, ao nos depararmos com duas representatividades pretas envolvidas numa situação que nos apresenta recortes de machismo e reforça no imaginário popular o estereótipo do homem preto violento e abusador. Mesmo que ainda não tenhamos provas concretas de que o agora ex-ministro Silvio Almeida tenha importunado sexualmente sua colega de ministério, sua reputação já foi assassinada publicamente. Por tabela, todos os homens pretos foram atingidos de raspão pelas rajadas de palavras e julgamentos a respeito do caso.

Para nós homens, falar sobre violência sexual contra a mulher é caminhar por um campo minado, onde a cada passo dado no sentido de se obter mais detalhes que possam produzir materialidade às acusações, estamos sujeitos a explosões de críticas e expostos ao rótulo de machistas. A palavra da mulher como prova do crime cometido, é um ponto a ser tratado por nós homens com muito cuidado. Durante séculos as mulheres estavam submetidas a opressão masculina e não tinham legitimidade para se manifestarem, serem ouvidas e terem as suas reivindicações atendidas. De modo que, devido ao histórico de violência sexual ao qual elas sempre estiveram submetidas e que, em grande parte, ficaram impunes graças ao machismo estrutural da sociedade, não devemos descredibilizar uma denúncia como esta que envolve os dois ministros de Estado. Embora, não podemos nos esquecer de que a lei garante o direito de defesa a qualquer cidadão que seja acusado de ter cometido um crime. Portanto, ainda não podemos considerar Silvio Almeida culpado, apenas em função da acusação feita. E adotar essa cautela não significa desacreditar a vítima. E isso precisa ser levado à reflexão, ou estaremos julgando ao arrepio da lei.

Pesa sobre Silvio Almeida duas acusações públicas de importunação sexual. Uma da ministra Anielle Franco, e outra de uma professora chamada Isabel Rodrigues, que alega ter sido abusada por ele durante um almoço ocorrido em 2019. Isabel é candidata a vereadora pelo PSB em Santo André, e se colocou à disposição da justiça para maiores esclarecimentos. Outras denúncias também teriam chegado ao conhecimento da Polícia Federal, que investiga mais a fundo o caso. Entre elas, revelações de assédio moral cometido pelo ex-ministro contra seus então subordinados. O que precisa ser analisado com a mesma cautela, uma vez que esses funcionários foram demitidos do ministério sob a justificativa de não estarem entregando os resultados esperados. Podem estar falando a verdade, como também podem estar sendo oportunistas e aproveitando a situação para descarregar sua raiva contra o seu demissor. Um homem preto em posição de poder, comandando homens brancos que crescem dentro de uma estrutura que os classificava como superiores aos pretos, e sempre sugeriu que estes deveriam estar submetidos a eles.

O recorte racial que trago ao debate não visa inocentar Silvio Almeida por ser ele um homem preto. Até porque, homens pretos nunca estiveram acima da lei e, mesmo quando inocentes, são colocados sob suspeição a todo momento. O ponto de vista racial é importante, principalmente, na defesa da ministra Anielle Franco, uma mulher preta, e a suposta vítima do caso. Segundo pesquisa do Instituto de Segurança Pública (ISP), só no estado do Rio de Janeiro, 10% dos casos de importunação sexual ocorrem no transporte coletivo e a maioria das vítimas são mulheres negras. Em 2022, foram 172 casos, dos quais 94 das vítimas eram mulheres negras, 48 estudantes e 38 menores de idade. A nível nacional, o Ministério Público do Trabalho viu crescer assustadoramente as denúncias de assédio moral e sexual no Brasil. Em 2023, a entidade recebeu, de janeiro a julho, 8.458 denúncias em todo o país, e os registros de assédio sexual mais que dobraram nesse período. O que reforça a importância de não desacreditar a palavra das mulheres, que estão tendo mais coragem para denunciar em função da criação de novas leis que visam protegê-las.

 

Perdemos muito, e perdemos todos com essa situação envolvendo um homem preto e uma mulher preta, ambos com muita representatividade social e política, num momento que investimos num processo de descolonização e desconstrução de “valores” e padrões sociais que sempre desfavorecem pessoas que fazem parte dos chamados grupos minoritários. Pessoas que passaram a ter suas existências validadas e a serem importantes para o contexto social, como o ex-ministro frisou em seu discurso de posse, e que agora, de alguma forma, ficaram órfãs dessa validação. Afinal, se o responsável por cuidar dos direitos humanos não respeitou o direito e a privacidade de uma mulher, como que elas eram importantes para ele e para o Estado que ele representava? Um prato cheio e doce para a extrema direita se deliciar e satisfazer o seu feroz apetite fascista e predador dos direitos humanos e das minorias.

 

O assédio sexual existe, e é importante que nós nos debrucemos sobre o tema para combatê-lo e impedir que mais casos de violência sexual contra as mulheres aconteçam na nossa sociedade. A justiça existe, e é importante para que nós não façamos julgamentos sumários sem dar ao acusado o direito à ampla defesa. A nossa opinião existe, e é importante que tenhamos responsabilidade ao expressá-la publicamente, evitando assassinar reputações e promover cancelamentos de pessoas que ainda não foram julgadas. As provas existem, e são importantes para elucidar crimes e estabelecer a devida sentença para o ilícito praticado. E quando não houver provas, que haja bom senso e razoabilidade nos posicionamentos. O benefício da dúvida não inocenta e nem acusa ninguém. Da mesma forma que deve ser duro para mulher vítima de importunação sexual, ter a sua palavra descredibilizada, deve ser duro para um homem ser acusado por um crime que não cometeu. Embora, eu deva admitir que o histórico dos homens nessa situação deponha contra a sua possível inocência. Que a verdade prevaleça.

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