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André Del Negri

Constitucionalista, professor da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).

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‘Somos uns boçais’

O Brasil que anda se apresentando ao mundo nesses anos bizarros é aquele gestado na chocadeira do golpe de 2016 e envenenado pelas sondas do gabinete do ódio com fake news nas eleições de 2018. Fomos agredidos por bestas-feras mal-escondidas que vieram à tona com suas pulsões mais delirantes rumo à fasticização

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Como diz Caetano Veloso na canção “Podres Poderes”, de 1984, “Enquanto os homens exercem seus podres poderes / Motos e fuscas avançam os sinais vermelhos / E perdem os verdes / Somos uns boçais”.

A palavra “boçal” está nos dicionários (“ignorante”, “rude”, “tosco”) e os versos de Caetano tocam nas raízes de nossa sociedade. Duma coisa, porém, não se pode duvidar: excluir-se do bolo, da massa de que fazemos parte, é impossível. O Brasil de 2021 apresenta deslizamentos e os podres poderes avançam os sinais vermelhos. Pergunto: o que aconteceu? Onde foi que erramos? 

Relatório da organização não governamental “Human Rights Watch” incluiu o Brasil em uma lista de 83 países que se valeram da pandemia de Covid-19 para justificar violações às liberdades de expressão (aqui). O relatório cita atos do governo Bolsonaro com o intuito de sonegar informações públicas sobre a doença, fato que envergonha brasileiras e brasileiros diante de tamanha boçalidade. 

No meio de tudo isso, com média diária de mais de mil mortes por Covid-19, na fila, outro problema grave: os decretos pró-armas. O presidente Bolsonaro não é eficiente em comprar vacinas, tampouco em publicizar informações sobre a doença, mas é bastante eficiente em liberar armas.

O problema, então, é que o governo editou, na véspera do período de Carnaval, uma série de normas para facilitar o acesso a armamentos e munições. Por sinal, Bolsonaro segue sendo o garante-mor da tanatofilia, que é a atração a tudo que se relaciona à morte. 

Os decretos pró-armas apresentam mudanças gravíssimas que põem em risco nossa segurança e o projeto de democracia. Embora se saiba que em 2020 teve um aumento de 200% nas vendas de armas, agora o governo apresenta um “tour de force” para ir adiante. 

O Brasil que mostra suas garras pela truculência das oligarquias, a naturalização de assassinatos, a inclemência dos inquisidores de toga e uma Lava Jato que transformou o devido processo legal em baqueta que fez do processo um atabaque para chamar a morte, é um país onde boçais ocupam importantes postos de comando.

O Brasil que anda se apresentando ao mundo nesses anos bizarros é aquele gestado na chocadeira do golpe de 2016 e envenenado pelas sondas do gabinete do ódio com fake news nas eleições de 2018. Fomos agredidos por bestas-feras mal-escondidas que vieram à tona com suas pulsões mais delirantes rumo à fasticização.

Alguém dirá: mas temos o povo. Pois é... O incrível é que toda essa truculência precitada catalisou o desejo eleitoral de milhões de pessoas. A maioria do povo ignorou os riscos de um candidato com agenda de violência e o voto, como se sabe, tem consequências. E agora? Bem, um solavanco como esse poderá servir de aprendizado para muitos. Cuidado! Ainda há quem diga que não foi golpe, mesmo com os próprios golpistas assumindo que foi, como é o caso da confissão do general Villas Bôas, que serve para adornar o governo que aí está. 

Por aqui se percebe que estamos diante do “governo dos piores” (caquistocracia) e a vandalização – repita-se – tende a aumentar. Pagamos o alto preço da condescendência cômoda, dos embates evitados, a vista grossa, de pensar que não é nada. A nossa chance, será, então, inverter isso, com a maior urgência. Eis por que é preciso escovar a contrapelo.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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