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    Marcelo Auler

    Marcelo Auler, 68 anos, é repórter desde janeiro de 1974 tendo atuado, no Rio, São Paulo e Brasília, em quase todos os principais jornais do país, assim como revistas e na imprensa alternativa.

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    Subprocuradores acusam Bolsonaro e encurralam Aras

    "Embora focada em Bolsonaro, a Representação Criminal coloca o procurador-geral numa espécie de “escanteio”. Aras já acumula pedidos para denunciar o presidente pelo seu desprezo no combate à pandemia", afirma o jornalista Marcelo Auler

    (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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    Por Marcelo Auler - A pressão aumenta sobre Augusto Aras, o até agora omisso procurador-geral da República. A mais nova Representação Criminal que lhe foi entregue, endossada por cinco subprocuradores da República e um desembargador federal aposentados, é focada no presidente da República, Jair Bolsonaro e seu desgoverno na pandemia. Mas pode também atingir o próprio Aras, caso ele se mantenha omisso, logo, conivente, com relação ao presidente.

    Os subprocuradores e o desembargador responsabilizam o presidente por, conscientemente, ser o indutor da pandemia no Brasil, propagando-a: “Jair Bolsonaro sempre soube das consequências de suas condutas, mas resolveu correr o risco. O caso é de dolo, dolo eventual, e não culpa.” Pelo Código Penal, dolo é quando o agente quer o resultado ou assume o risco de produzi-lo.

    Concretamente, respaldado em estudos e pesquisas, eles indicam com clareza que o presidente incorreu no crime de disseminar a epidemia. Identificam até a data em que Bolsonaro deu início às pregações nesse sentido: julho de 2020. O crime está previsto no artigo 267 do Código Penal – “Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos”. A pena prevista é de reclusão de dez a quinze anos. Mas, com o agravante das mortes – e bastava uma, mas já somam mais de 221 mil – essa pena dobra, pode chegar a 30 anos de reclusão. 

    Embora focada em Bolsonaro, a Representação Criminal (íntegra abaixo) coloca o procurador-geral numa espécie de “escanteio”. Aras já acumula pedidos para denunciar o presidente pelo seu desprezo no combate à pandemia, que o torna responsável por muitas das 221 mil mortes ocorridas no país. O PGR, porém, não esboçou qualquer movimento no sentido de responsabilizá-lo cível ou criminalmente. Tergiversou, mandando investigar governadores, prefeitos e até, depois de certa relutância, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello – Pazuello fugiu para o Amazonas? Com relação a Bolsonaro, ignorou tudo, mantem os pedidos na gaveta.

    Diante de uma manifestação assinada por colegas seus que até recentemente ocuparam cargos de destaque no Ministério Público Federal (MPF), na qual apontam claramente um crime previsto no Código Penal, fica difícil se omitir. Se insistir nessa cumplicidade com o presidente, seja com que interesse for, estará sujeito a uma representação por crime de responsabilidade ou até por crime comum, como prevaricação.

    Aras ignorou pedido anterior dos colegas

    Em 7 de julho de 2020 os subprocuradores pediram a Aras um Inquérito Civil para investigar Bolsonaro. Foram ignorados.

    O procurador-geral já ignora diversos outros pedidos. Inclusive um datado de julho de 2020 assinado por cinco dos seis signatários desta nova Representação Criminal: o ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles; os ex-Procuradores Federal dos Direitos do Cidadão, Álvaro Augusto Ribeiro da Costa e Wagner Gonçalves; o subprocurador Paulo de Tarso Braz Lucas. Além do desembargador federal Manoel Lauro Volkmer de Castilho. Todos aposentados, mas que contam com apoio de muitos da ativa. Na representação de 2020 a subprocuradora Deborah Duprat não assinou. Mas nela consta o endosso do subprocurador Eugênio José Guilherme de Aragão, ex-ministro da Justiça do governo de Dilma Rousseff.

    Na época, com poucas informações, eles limitaram o pedido à “instauração de inquérito civil no campo da saúde para apuração da conduta e responsabilidade de Jair Messias Bolsonaro em face da pandemia da Covid-19”. Queriam responsabilizá-lo na esfera cível e administrativa. Ainda não falavam de crimes.

    Coincidentemente, na mesma terça-feira, 07 de julho de 2020, em que o pedido foi protocolado, o próprio Bolsonaro anunciou que estava infectado pelo coronavírus. Era então mais um no universo de 1.674.655 brasileiros e brasileiras infectados. O país registrava 66.868 mortes. Mal sabíamos que eram “apenas 66 mil mortes”. Hoje temos mais de 222 mil mortes e 9,1 milhão de infectados.

    De lá para cá os pedidos de investigação contra Bolsonaro, inclusive na esfera criminal, se acumularam. Um deles, lembrado na representação apresentada sexta-feira (29/01), foi elaborado por oito advogados capitaneados por Mauro de Azevedo Menezes e João Gabriel Pimentel Lopes. Recebeu o endosso inicial de 345 membros da sociedade civil, como noticiamos aqui – De olho no futuro, Aras confessa parcialidade. Ao ser levado à internet pelo site Change.org, no mesmo dia 15 em que foi protocolado, angariou ao logo destas duas semanas o apoio de 74 mil pessoas. O document0 relaciona cinco crimes previstos no Código Penal nos quais Bolsonaro deveria ser enquadrado (veja relação em ilustração abaixo).

    Infectado, Bolsonaro foi à manifestação

    Os subprocuradores e o desembargador aposentados endossam os termos da representação de 15 de janeiro, portanto reconhecem que o presidente pode ter cometido aquela relação de crimes. Porém, acham mais importante que o presidente responda por disseminar a pandemia.

    Sustentam isso em fatos, estudos e pesquisa, algo difícil de Aras ignorar. Para eles, o presidente, de forma irresponsável, já colocava em risco a população desde março de 2020, quando soube que tinha sido infectado, assim como vários dos seus companheiros de viagem à Flórida (EUA) – “região de alto risco”.

    Naquele domingo, mesmo tendo contraído a Covid-19, o presidente incentivou e participou de uma manifestação pública, com grande aglomeração, sempre sem máscara, tendo contato físico com os manifestantes. Para os autores da representação, ele estava “ciente de que poderia ser um vetor de propagação de um vírus até então de baixa presença no território nacional”. Na praça dos Três Poderes, defronte ao Palácio do Planalto, Bolsonaro permaneceu por mais de uma hora em contato com o público que pedia o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal. Ou seja, atacavam o estado democrático de direito, o que para Fonteles justifica que o presidente seja enquadrado na Lei de Segurança Nacional (LSN) – Fonteles cobra de Aras LSN contra Bolsonaro.

    Fonteles, Ribeiro Costa, Deborah e Gonçalves, um ex-procurador-geral e três ex-procuradores Federal do Direito do cidadão assinaram a representação.

    Os seis signatários recorrem ainda à pesquisa do CEPEDISA/FSP/USP e Conectas Direitos Humanos, que analisou as condutas de Bolsonaro em uma determinada linha de tempo, relacionando o comportamento dele com o crescimento da pandemia no país. Recordam entrevistas nas quais o presidente apostava na “disseminação do vírus como estratégia de enfrentamento à pandemia”.

    À rádio Tupi, em 17 de março, afirmou: “o que está errado é a histeria, como se fosse o fim do mundo. Uma nação como o Brasil só estará livre quando certo número de pessoas for infectado e criar anticorpos”. Depois, sucederam-se discursos “no sentido de minimizar a pandemia, estimular o retorno às atividades presenciais, inclusive mediante o uso da cloroquina”. São citadas 36 datas em que discursos idênticos se repetiram.

    Reportando-se ao levantamento da pesquisa, a representação diz: “em 26/11, o presidente sugere a ineficácia do uso da máscara. Também são inúmeros os eventos de que participa, com aglomeração e sem uso de máscara”.

    Citam, com base em dados da pesquisa CEPEDISA/FSP/USP e Conectas Direitos Humanos, que no mesmo dia 26/11 “postagens do Presidente da República e do Ministério da Saúde foram marcadas pelo Twitter como ‘potencialmente prejudiciais’ e com ‘informações enganosas’ ao incentivar o suposto ‘tratamento precoce contra a covid-19”. E acrescentam:

    “Percebe-se também que o discurso criminoso de Bolsonaro prosseguiu mesmo após o TCU alertar a Casa Civil sobre a ‘ausência de diretriz estratégica clara de enfrentamento à Covid-19, com a respectiva gestão de riscos, bem como a ausência de um plano de coordenação coordenado e abrangente'”.

    Ação criminosa de um presidente da República

    A representação explica o conceito do crime previsto no artigo 267 do Código Penal – “o propósito do crime de epidemia, porque voltado à salvaguarda da saúde pública, é exatamente livrar a população de atitudes que aumentem a possibilidade de propagação de germes patogênicos” -, para em seguida justificar o enquadramento do presidente no mesmo:

    “No caso do Brasil, ao evento natural somou-se a ação criminosa de um presidente da República, que expôs, desde o início da pandemia até os dias atuais, a população a um risco efetivo de contaminação. Primeiro, ciente de que parte de sua comitiva tinha sido infectada pelo novo coronavírus, participou de manifestação pública com contato físico, sem máscara e sem adoção de quarentena, em ambiente ainda não considerado epidêmico. Depois e seguidamente, induziu a população a ignorar a gravidade da doença e a reproduzir o seu comportamento, gerando aglomerações cada vez mais frequentes, sem utilização de qualquer cuidado, com ampla transmissão do vírus, resultando num cenário que ultrapassa 220 mil mortes. Como demonstrado no estudo de Nicolás Ajzenman, Tiago Cavalcanti e Daniel da Mata, Bolsonaro induziu a população a não seguir as normas de isolamento, provocando a intensificação da pandemia. Também contribuiu diretamente com a sua manutenção ou prolongamento ao incentivar o uso de produtos comprovadamente inócuos e se opor à vacinação e retardar o processo de sua aquisição e execução – fatos devidamente comprovados na representação com protocolo PGR-00016189/2021.” (NR protocolo da representação protocolada em 15 de janeiro, com 345 assinaturas).

    Reforçando ainda mais a tese de que Bolsonaro disseminou a pandemia, eles citam o estudo do Instituto Lowy, baseado em Sidney/Austrália, que serviu para elaborar ranking global com 98 países de acordo com a resposta que deram à crise da covid-19. Nele, “o Brasil é apontado como o país que fez a pior gestão da pandemia no mundo.”

    Ainda se reportam a uma nota técnica do IPEA que “da mesma forma, expõe que a pandemia não é corretamente tratada no país e, sem medidas de distanciamento social, há risco concreto de colapso generalizado na Saúde”.

    A partir destes dados, os autores estão certos que a Aras não resta alternativa a não ser acionar o presidente judicialmente. Defendem que ele responda pelo crime do artigo 267 do Código Penal, mas admitem que caso o procurador-geral da República não aceite esta proposta, o presidente deve então responder pelos crimes (veja relação dos crimes na ilustração) apontados na representação protocolada em 15 de janeiro, com respaldo de importantes e destacados representantes da sociedade civil.

    No meio jurídico entende-se que para Aras está ficando difícil manter-se omisso com relação aos crimes que Bolsonaro têm praticados ao lidar com a pandemia. Não enxergam mais possibilidades de apenas o ministro da Saúde, Eduardo Pazzuelo, ser responsabilizado. Até mesmo porque os erros do ministro estão sendo endossados e aplaudidos pelo próprio presidente. O general Pazzuelo apenas obedece o que o capitão reformado manda.

    O procurador-geral mantem-se em silêncio sobre tais representações, fazendo aumentar as suspeitas de que, de olho na cadeira do Supremo Tribunal Federal que vagará em julho, não pretende responsabilizar Bolsonaro judicialmente junto ao Supremo Tribunal Federal. Mas a cada dia fica mais difícil sua situação. Arrisca-se. Afinal, a sua omissão, que acaba sendo encarada como conivência, poderá lhe levar a responder por crime de responsabilidade ou mesmo crime penal, como a prevaricação. Ele sabe que estão de olho na sua atuação.

    Bolsonaro disseminou pandemia, dizem subprocuradores aposentados

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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