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    Marcos Cordeiro Pires

    Professor de Economia Política Internacional da Unesp – Marília

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    Taiwan: um problema a ser resolvido pelos chineses, só pelos chineses!

    Apenas os chineses podem resolver pacificamente as suas diferenças e retomar o diálogo em torno do Consenso de 1992 e da reunificação nacional

    (Foto: REUTERS/Ann Wang)

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    De forma geral, o conhecimento das pessoas sobre o princípio de uma única China é bastante superficial. A maior parte das notícias da imprensa que tratam deste tema vem marcada por pressupostos falsos e muito preconceito, como se tratasse da disputa entre um poderoso país contra uma ilha fraca e indefesa. Também colocam o tema como se China e Taiwan fosse coisas diferentes, e não parte de uma mesma cultura e de uma mesma nação. Enfim, desconsideram a história e a complexidade que está envolvida na questão.

    A ilha de Taiwan, também conhecida por Formosa (nome dado pelos navegantes portugueses) é parte da civilização chinesa há milhares de anos. Quando a dinastia Qing ficou muito enfraquecida, diversos países tiraram vantagens dessa condição, como a Inglaterra que anexou Hong Kong e estabeleceu zonas de influência nas principais cidades do Império, a Rússia, que tomou pelo menos três milhões de quilômetros quadrados do Império Qing, ou o Japão, em 1895, depois que derrotou o governo de Pequim e impôs o Tratado de Shimonoseki, anexou Taiwan e a península da Coreia. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o território de Taiwan e de outras regiões ocupadas retornou para a China. Porém, quando os nacionalistas foram derrotados pelas forças do Exército Popular de Libertação, em 1949, o então presidente da República da China Chiang Kai-Shek transferiu o seu governo para Taiwan, com o apoio dos Estados Unidos.

    No auge da Guerra Fria, os Estados Unidos e seus aliados do Conselho de Segurança da ONU impediram que o governo de Pequim, a República Popular da China, que liderava 95% da população do país, assumisse a cadeira da China na ONU, que ficou sob o controle do governo minoritário da República da China, baseada em Taipé. A Resolução 2758 da Assembleia Geral da ONU, de 25 de outubro de 1971, substituiu Taiwan pela República Popular da China em todas as instâncias e organismos da entidade. Desde então, começou um grande movimento de adesão ao princípio de uma única China e o estabelecimento de relações diplomáticas com Pequim. O Brasil estabeleceu relações diplomáticas em 1974. O governo dos Estados Unidos em 1979, sob o governo de Jimmy Carter, reconhecendo o princípio de uma única China e a autoridade de Pequim para representar o povo chinês nas organizações internacionais. Em 1992, numa reunião envolvendo autoridades de Pequim e Taipé, se alcançou o Consenso de 1992, em que ambas as partes reconheceram o princípio de uma só China.  

    Hoje em dia, apenas 13 países não mantém relações diplomáticas com Pequim. Na América do Sul, o Paraguai é a única nação a manter laços com Taipé. Nos últimos anos, diversos países da América Central e do Caribe estabeleceram relações com Pequim, como Panamá, República Dominicana, El Salvador, Nicarágua e Honduras. Esse movimento provocou uma reação dos setores mais conservadores do Congresso dos Estados Unidos. A lei “Taiwan Allies International Protection and Enhancement Initiative (TAIPEI), de 2019, teve objetivo pressionar os poucos países que mantém relações diplomáticas com Taiwan a não alterar o status quo, e também o de apoiar o ingresso de Taiwan em organizações internacionais nas quais a condição de Estado não seja um requisito e onde os Estados Unidos também sejam participantes.

    Desde então, o governo dos Estados Unidos tem aumentado os pressões contra o governo de Pequim, em diversas frentes, mas especialmente com relação a Taiwan e o princípio de uma única China. Isso se intensificou depois da ascensão do Partido Democrático Progressista (PDP) ao poder, em 2016, quando o governo secessionista de Tsai Ing-wen abandonou o Consenso de 1992.  

    Entre as pressões, podemos indicar o aumento da venda de armas modernas para Taiwan, a construção de narrativas de que Pequim estaria prestes a invadir a ilha, a visita de autoridades estadunidenses a Taipé, como Nancy Pelosi, em 2022, e as visitas de autoridades taiwanesas junto a membros do governo estadunidense. Na prática, o atual governo de Taiwan tem se prestado a ser um peão dos Estados Unidos no contexto de uma guerra comercial e tecnológica iniciada pelo governo Trump. Biden aprofundou esta tendência e a política anti-China se converteu num consenso bipartidário nos Estados Unidos que está danificado as relações bilaterais e o contexto internacional.

    O mais recente episódio da tentativa do PDP de confrontar a China é a viagem internacional do vice-líder da Região de Taiwan, Lai Ching-te, que irá o Paraguai, em 15 de agosto. Ele fará um "trânsito" por Nova York e São Francisco a caminho do Paraguai. Possivelmente se reuniu com oficiais do governo e parlamentares do país. Lai Ching-te é candidato a líder da Região de Taiwan e busca protagonismo interno e externo para fortalecer sua posição da disputa.  

    A viagem internacional do vice-líder e candidato se insere em mais uma provocação contra a República Popular da China. Desde o começo do conflito na Ucrânia o governo estadunidense está criando uma falsa narrativa de que Pequim irá invadir a Ilha. Aumentar a tensão no Estreito de Taiwan interessa aos falcões da elite política dos Estados Unidos, que pressionam o Congresso para obterem mais dinheiro para a máquina de guerra. O complexo-industrial militar é o maior lobby dos Estados Unidos, não apenas financiando candidatos dos principais partidos políticos, mas também patrocinando uma extensa rede de think tanks que produzem estudos para embasar suas narrativas. O lucro desse setor se sobrepõe ao interesse da população do país, tal como advertiu o ex-presidente Dwight Eisenhower, pouco antes de deixar o governo em 1961.

    Concluindo, não interessa à população mundial a criação de um conflito de grandes proporções, seja na Europa, seja na Ásia. A paz é uma pré-condição necessária para o desenvolvimento e a prosperidade dos países. Vale lembrar que os países do Sudeste e do Oriente da conseguiram avanços impressionantes nos últimos 40 anos, justamente quando a região se estabilizou depois de décadas de conflitos relacionados à luta pela libertação nacional. Esta região é hoje a mais dinâmica do mundo, com um crescimento da renda per capita sem precedentes, conseguindo superar o fome e se integrar positivamente na economia mundial. Os resultados dessa ascensão se refletem em todos os continentes, particularmente na América Latina. Por conta disso, é do interesse do povo brasileiro a manutenção da estabilidade e da paz no Estreito de Taiwan. Apenas os chineses podem resolver pacificamente as suas diferenças e retomar o diálogo em torno do Consenso de 1992 e da reunificação nacional.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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