Torneio de boçalidade
"O próximo governo terá como missão básica tratar de entender a extensão e a profundidade do destroçar levado adiante por Jair Messias", escreve Eric Nepomuceno
Por Eric Nepomuceno, para o Jornalistas pela Democracia
Dos pouco mais de 213 milhões de habitantes deste pobre país, quase 53 milhões são mulheres. Ou seja: elas são a maioria da nossa sociedade.
Pois neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, Jair Messias resolveu abrir a boca para expelir besteira, como aliás expele a cada dia. E disse que as mulheres estão “praticamente inseridas na nossa sociedade”. Logo depois, afirmou que “assim como a mulher foi feita do homem, assim também o homem nasce da mulher, e tudo vem de Deus”.
Comparando a outras grosserias de altíssimo calibre disparadas por Jair Messias contra mulheres ao longo da vida, essas até que passam em branco. Revelam apenas seu elevadíssimo grau de boçalidade.
Só que nesse quesito, a boçalidade, em que ostentava uma aura de insuperável, ele acaba de ser atropelado. Uma excrescência chamada Arthur do Val, que atende pela expressiva alcunha de “Mamãe Falei”, conseguiu essa façanha.
Os dois, Jair Messias e “Mamãe Falei”, são fruto de um mesmo fenômeno que, a partir de 2013, talvez 2014, mudou drasticamente o panorama político brasileiro. Há outros exemplos, como uma figurinha chamada Kim Kataguiri ou um abjeto Daniel da Silveira, o primeiro de São Paulo, o outro do Rio, devidamente eleitos deputados federais em 2018.
Esse fenômeno foi a demonização da política de maneira ampla, geral e irrestrita. Foi fortemente insuflado pelos meios hegemônicos de comunicação, teve como porta-bandeira um juizeco manipulador chamado Sérgio Moro, transformado em estrela global, o incentivo nada discreto dos setores mais reacionários das Forças Armadas, o comportamento omisso e poltrão da Justiça e o aplauso dos donos do dinheiro.
Essa demonização chegou ao ápice com a destituição da presidenta Dilma Rousseff graças a um golpe institucional. Começou ali, com a chegada de Michel Temer à presidência, o desmantelamento drástico do país. Jair Messias é a consequência dramática desse processo.
Convém recordar, em todo caso, que ao longo desse mesmo processo foi aberto espaço para que a ignorância política de parte essencial do eleitorado brasileiro elevasse um robusto punhado de boçais à condição de atores do cenário eleitoral.
Ao contrário do eleitorado de países vizinhos, o brasileiro é, graças principalmente aos 21 longos anos de breu da ditadura, basicamente despolitizado e quando não, mostra-se profundamente ignorante em termos políticos. Foram gerações e gerações formadas sem uma ideia exatamente nítida do que esperar da política. A tal demonização expandiu o vasto oceano dos que dizem que “político é tudo a mesma coisa”.
E o resultado está aí: na busca por novidades, “Mamãe Falei” teve quase meio milhão de votos para virar deputado estadual em São Paulo, Kim Kataguiri passou de 465mil para virar deputado federal, e isso para não falar dos filhos de Jair Messias, com destaque para o mais patético deles, Eduardo, vulgo “Dudu Bananinha”, que com um milhão e 800 mil votos paulistas tornou-se campeão absoluto em todo o país.
Outubro vem aí. As atenções estão concentradas na disputa presidencial, que será tensa e intensa, mas é essencial recordar um ponto: se temos em Jair Messias o pior presidente da história da República, o Congresso parido pelas urnas de 2018 é o pior desde a redemocratização – e isso para dizer o mínimo.
O próximo governo terá como missão básica tratar de entender a extensão e a profundidade do destroçar levado adiante por Jair Messias.
E uma vez entendido o grau de destruição, tentar recomeçar uma reconstrução que será lenta e penosa.
Não há mais espaço para torneios de boçalidade como os que estamos vendo.
Sem um Congresso com um grau mínimo de decência moral e habilidade política, será missão impossível.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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