Tropeçando no perigo
O ponto é o seguinte: precisamos falar mais sobre a responsabilidade política de eleitores e o problema de comunicação com as camadas sociais
Em “Estudos sobre a personalidade autoritária”, Theodor Adorno (1903-1969) refletiu em 1950, junto a outros pesquisadores da Universidade da Califórnia, Berkeley, as manobras de cativeiro político e peculiaridades de indivíduos sugestionáveis às ideias totalitárias (antidemocráticas). A alturas tantas, é possível coligir alguns “sintomas”, como a circulação na sociedade de ideias vagas, mal-formadas (anti-intelectualismo), além de um pendor pela hierarquia, violência, censura, intimidação...
O referido estudo de Theodor Adorno cai como uma luva para a atual situação de Bolsonaro. Em seu discurso mais hostil contra a democracia, como noticiou o Brasil 247 (aqui), o presidente Jair Bolsonaro saiu em defesa de golpe militar, o que gerou petição do procurador-geral da República em favor de abertura do inquérito para apurar a baderna fascistoide no domingo (19), pedido que foi atendido pelo ministro do STF Alexandre de Moraes. E assim segue a extrema-direita no Brasil. Num dia, o presidente estimula ato pró-ditadura. No outro, dá uma amenizada. E entre uma tosse e outra, megalomania e autoritarismo seguem com todo o vapor ao colapso. Como disse muito bem Mauro Lopes, esperaremos até ser tarde demais? (ver aqui)Se inventariarmos a violência que se instalou desde o início do governo Bolsonaro, veremos que daquelas 14 características comuns do fascismo, que Umberto Eco enumerou, o Brasil atual gabarita. Sim, o escritor Umberto Eco, autor dos clássicos “O Pêndulo de Foucault” e “O Nome da Rosa”, publicou um ensaio enumerando 14 características comuns do fascismo, que ele chamava, em 1995, de “Fascismo Eterno” (ver aqui).
A rigor, esse fenômeno se dá com Jair Bolsonaro desde a sua candidatura, que consiste no destempero verbal, saudosismo de ditaduras militares, xenofobia, machismo, misoginia e cala-bocas com os jornalistas. Aliás, o incrível é que esse traçado catalisou o desejo eleitoral de milhões de pessoas. E, se há quem vote em xenófobos, machistas, misóginos e saudosistas de torturadores, deve haver nisso elementos de psicologia social.
Em pouco mais de quinze meses de gestão, já é colossal a presença do neofascismo em trajes civis. Examinar a fala de ministros e do próprio chefe de Estado é igualmente um modo de perquirir atos decisórios de Estado, projetos políticos e valores básicos que uma equipe governamental busca implementar.
É visível, nesse período de gestão Bolsonaro, a dificuldade de planejamento, comunicação e articulação, política econômica. E não é só. Vários outros problemas como a pauta delirantemente ideológica (e raivosa!). De resto, a maior curiosidade é que pouco (ou nada) se vê debater sobre pobreza, distribuição de renda e exclusão social.
E não convém achar que o presidente da República tem sensibilidade diante desses assuntos. Não, não tem. E por quê? Ora, porque no discernimento do presidente, preocupar-se politicamente com desvalidos é coisa da esquerda. Basta ver que ele fez sua carreira atacando as políticas inclusivas.
Por isso que no tema “economia” a situação é alarmante. Isto quer dizer o quê? Simples. Que não se deve comemorar a renda do trabalhador em queda. O ponto do ministro Paulo Guedes é que “zerando encargos trabalhistas você cria milhões de empregos” (aqui). Disso exsurge uma economia contrária ao assalariado, ao aposentado. E o viés antipobre do governo é repugnante. Não por acaso, o ministro Guedes vomitou que dólar alto é bom: “[...] empregada doméstica estava indo para Disneylândia, uma festa danada” (aqui).
E quem ficou impressionado com a perda de direitos trabalhistas e a reforma da Previdência, pode entrar em estado de choque ao acompanhar o quadro atual dos serviços precarizados (informais – nada de carteira assinada), com grande parcela da população a sobreviver de “bicos”, sem dinheiro nem mesmo para o wi-fi.
Discutir o Brasil com 210 milhões de habitantes, nesse tipo de competição, apagando a existência dos pobres, é demolir um projeto de sociedade firme na igualdade (de gênero, de raça...), liberdade e cooperação. Agindo assim, a gestão rejeita a ser governo de “todos” (todos mesmo).
Entre outras barbaridades, em 16 de janeiro, foi possível até mesmo ver a explicitação do elemento nazista do governo pela boca do ex-secretário especial da Cultura Roberto Alvim, que, em vídeo, copiou um parágrafo inteiro do discurso do mentor da propaganda nazista Joseph Goebbles (aqui). Anoto, en passant, que o ex-secretário zelou até pelo penteado aos moldes dos militares do Terceiro Reich e adornou a mesa com a bandeira nacional e a cruz missionária. Notem: Roberto Alvim cuidou ainda de colocar a música Lohengrin, de Richard Wagner, que era antissemita e admirado por Hitler.
Como chegamos a esse ponto? Convenham: não podemos esquecer que coisa desse tipo ocorreu. É imprescindível recordar sempre. Com essas e outras, é bom advertir que eleger algumas pessoas mexe com a vida de um país.
Então, o ponto é o seguinte: precisamos falar mais sobre a responsabilidade política de eleitores e o problema de comunicação com as camadas sociais. Quer dizer: inúmeras pessoas patinam no argumento de dizer “Ah, isso tudo é só política! Não temos nada com isso”. E, sem se afetar pelo número de besteiras ciclópicas que faça o mandatário e sua equipe de governo, grande parte da população brasileira segue numa dispersão, supondo que arroubos autoritários são apenas devaneios. Como é? Sim, já se sabe que boa parte da população, nem sequer dá conta do recrudescimento do autoritarismo no Brasil atual.
E conversem com essa plateia “raiz” que preza a grosseria, a estupidez, a incivilidade, a volta o AI5, o comportamento de manada, de seita. Peçam a tais pessoas que citem fatores objetivos que justifiquem a bronquice de quem chega à Presidência e não está à altura do cargo por falta de decoro e desapreço pela ordem constitucional, fato que tem significação e consequências (ver Lei nº 1.079/50). O que é interessante observar é que a maioria não diz nada sobre nada e ainda prejudica o debate com um coquetel raivoso.
Cabe o exercício de escuta e respeito ao que cada pessoa tem a dizer acerca do país em que mora, mas também convém uma mesa-redonda sobre a “infantilização política” no Brasil. Afinal, o eleitor, ou a eleitora, tem ou não tem responsabilidade social? A resposta é: sim.
Daí cabe um arco de reflexões, a começar pelo porquê de algumas mulheres votarem em candidatos misóginos, passando também pelos 42 milhões de brasileiros que anularam ou abstiveram do voto nas eleições de 2018 (opção legítima, porém confortável). Vejam que existem outras considerações instigadoras – tão bem descritas por Rosana Pinheiro-Machado em seu livro “Amanhã vai ser maior” – quanto a responsabilidade de lideranças que abandonam a política local e o trabalho informacional em matéria de política. Afinal, como entender o vazio deixado pelo Estado, que apenas se apresenta nas periferias urbanas para agredir, ou ainda para pedir votos em ciclos eleitorais?
Paro por aqui. O quadro analisado só reforça que o problema brasileiro, no curto prazo, já é um atraso histórico. E... há os prejuízos de longo prazo. Alguém dirá, ao final da leitura, que estou sendo pessimista. Pode ser. Mas não é disso que se trata. Porque a questão não é essa. O que é bem mais importante, nisso, é a geração de debates a partir das contradições que estão acontecendo no Brasil. O ponto é exatamente esse. Há muito o que refutar a partir dessas coisas todas com ares de fascistização. Mas há os que não se interessam muito por isso, não é mesmo?
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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