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    Marcelo Zero

    É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

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    Trump?

    Paz? Duvido

    Donald Trump (Foto: REUTERS/Jonathan Drake)

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    Como na pandemia do Covid-19, ninguém conseguiu prever o que aconteceu. Mas o desastre veio.

    Nem mesmo o mais entusiasmado entre os cavernícolas previu vitória tão acachapante de Trump.

    Trump, nessa nova eleição, não ganhou apenas no arcaico colégio eleitoral, como da primeira vez, quando perdeu no pleito popular por quase 3 milhões de votos para Hillary Clinton. Ganhou bem no voto popular (por volta de 5 milhões votos, até agora). Ademais, os republicanos fizeram maioria em ambas as casas do Congresso. Trump, com grande capital político, vai controlar tudo: Executivo, Legislativo e a Suprema Corte.

    O público estadunidense preferiu eleger o primeiro presidente condenado criminalmente a eleger a primeira presidenta. E, antes que os beócios de sempre façam a comparação cretina, lembro que Lula se elegeu inocentado de todas as acusações lavajatistas. Trump permanece condenado por júri popular. 

    Jair “I love you Trump” Bolsonaro não pode, entretanto, ficar muito entusiasmado. Sua inocência, ante a justiça brasileira, seria uma joia raríssima.

    Nem o voto feminino adiantou para Kamala. Biden ganhou no voto feminino por 15 pontos percentuais. Kamala ganhou por apenas 10 pontos. Entre as mulheres brancas ,Kamala perdeu por 5 pontos percentuais. Kamala perdeu vantagem entre mulheres latinas. Hillary ganhou nesse segmento por 44 pontos percentuais. Kamala ganhou por somente 24.

    Entre homens latinos, houve muita perda. Biden ganhou nesse grupo por 23 pontos percentuais. Kamala perdeu por 10 pontos. Entre os homens jovens (18 a 29 anos) Trump ganhou de 56% a 42%. O único grupo demográfico que manteve uma diferença substancial a favor dos democratas foi o das mulheres negras (85%), mas não em um grau superior ao de Biden. Em perspectiva, a troca de Biden por Kamala não adiantou muita coisa. Se alguma.

    E o que esperar desse Trump, no plano externo, mais poderoso e experiente?

    Evidentemente, entre a campanha eleitoral e o exercício efetivo do poder há mais coisas e obstáculos do que supõe nossa vã filosofia política.

    Mas, em geral, boa coisa não será.

    Deve ser mais do mesmo piorado. Bem piorado.

    Trump deixou claro que investirá em isolacionismo diplomático e protecionismo econômico. “América First and World Last”. Essa será a grande diretriz.

    Trump promete, logo de cara, aumentar as tarifas médias de importação em 10%, para todos os países, e em 60%, para produtos da China. No caso do México, seu vizinho, promete aumentos tarifários de até 100%, caso esse país não controle o fluxo de imigrantes. 

    Ora, as tarifas de importação médias dos EUA estão em torno de 3,4%. Aumentá-las linearmente para 10%, para todos os produtos vindos do mundo, e em até 60% especificamente para os produtos chineses, como promete Trump, teria um impacto muito grande no comércio mundial, uma vez que ocorreriam as correspondentes retaliações. 

    Os fluxos comerciais mundiais poderiam se reduzir e se distorcer, causando inflação, carestia e desorganização produtiva, algo semelhante ao que aconteceu na pandemia.

    Obviamente, o alvo principal dessa ira protecionista é a China.

    No artigo intitulado The Return of Peace Through Strength-Making the Case for Trump’s Foreign Policy (O Retorno da Paz Através da Força-Defendendo a Política Externa de Trump), publicado na Foreign Affairs e assinado por Robert C. O'Brien, que foi Conselheiro de Segurança Nacional de Trump entre 2019 e 2021, afirma-se que:

    “Beijing é agora o principal inimigo de Washington no ciberespaço, atacando regularmente redes empresariais e governamentais dos EUA. As práticas comerciais injustas da China prejudicaram a economia americana e tornaram os Estados Unidos dependentes da China para produtos manufaturados e até mesmo alguns produtos farmacêuticos essenciais. E embora o modelo da China não tenha nada parecido com o apelo ideológico aos revolucionários do Terceiro Mundo e aos radicais ocidentais que o comunismo soviético manteve em meados do século XX, a liderança política da China, sob Xi Jinping, no entanto, teve a audácia suficiente para reverter as reformas econômicas, esmagar a liberdade em Hong Kong, e comprar brigas com Washington e muitos dos seus parceiros. Xi é o líder mais perigoso da China desde o assassino Mao Zedong. E a China ainda não foi responsabilizada pela pandemia da COVID-19, que teve origem em Wuhan”.

    “O Partido Comunista Chinês procura expandir o seu poder e segurança, suplantando os Estados Unidos como líder global em desenvolvimento tecnológico e inovação em áreas críticas como veículos eléctricos, energia solar, inteligência artificial e computação quântica. Para fazê-lo, Beijing se utiliza de enormes subsídios, roubo de propriedade intelectual e práticas comerciais desleais.”

    Para conter a China, o autor afirma que Trump, em seu novo mandato, deverá procurar dissociar (decoupling) inteiramente a economia dos EUA da economia chinesa. Além das tarifas de importação de 60% sobre produtos chineses, haverá controles de exportação rigorosos sobre qualquer tecnologia que possa ser útil para a China. Enfim, uma guerra comercial. Só falta avisar a Apple e a Tesla, entre outras.

    Alguns acham que, nesses movimentos disruptivos, poderá sobrar algum espaço para que o Brasil explore lacunas que surgiriam no mercado norte-americano. Porém, isso não é muito provável.

    Trump despreza o Brasil e a América Latina.

    Trump vê nossa região como uma fonte de grandes problemas (imigração, criminalidade, contrabando, tráfico de drogas, regimes “rebeldes” etc.), e não como um espaço para cooperação. Para ele, e parafraseando Hitler, os imigrantes latinos “envenenam” o sangue dos EUA. Para os trumpistas, os migrantes latinos, inclusive os brasileiros, são os principais responsáveis pelas supostas questões de insegurança dos EUA. São também responsáveis pelos misteriosos desaparecimentos dos pets americanos, um desafio para o FBI.

    Não creio que haverá condições para o desenvolvimento de projetos bilaterais significativos e mutuamente benéficos. 

    Meio Ambiente e transição energética? Esquece. A ordem é perfurar e perfurar, buscando mais fontes de combustíveis fósseis. Se bobear, Trump vai invadir e explorar a Margem Equatorial. 

    Paz? Duvido.

    Trump se vende como um peacemaker, que vai negociar o fim das guerras atuais em pouco tempo, com alguns telefonemas e poucas mensagens no X.

    Na realidade, sua única preocupação é não gastar muito com guerras e jogar o ônus econômico do esforço bélico sobre os aliados, principalmente europeus. Os custos das guerras serão compartilhados. Só isso.

    Em relação à Ucrânia, o autor assevera que a administração Biden forneceu ajuda militar significativa a esse país, “mas muitas vezes demorou a enviar a Kiev os tipos de armas de que necessita para ter sucesso. Os 61 bilhões de dólares que o Congresso destinou recentemente para a Ucrânia – além dos 113 bilhões de dólares já aprovados – ‘são provavelmente suficientes para evitar que a Ucrânia perca, mas não o suficiente para lhe permitir vencer.”

    O autor sugere, por conseguinte, que Trump poderá enviar armas mais destrutivas e modernas para Kiev. O'Brien e Trump, assim como Biden, parecem apostar, desse modo, numa muito improvável vitória militar da Ucrânia.

    O autor prevê que a abordagem de Trump será a de continuar a fornecer ajuda letal à Ucrânia, mas financiada por países europeus, mantendo, ao mesmo tempo, a porta aberta à diplomacia com a Rússia. Trump também pressionaria a Otan a enviar forças militares para a Polônia, a fim de aumentar as suas capacidades mais perto da fronteira da Rússia e para deixar inequivocamente claro que a aliança defenderá todo o seu território da agressão estrangeira.

    Trata-se, assim, de um discurso ambíguo, que fala em possíveis negociações, mas que redobra a aposta na guerra.

    No que tange ao Oriente Médio, o autor do citado artigo prevê “o retorno da pressão máxima”. Tal pressão será exercida essencialmente sobre o Irã, que, de acordo com O'Brien, “é a fonte de toda a instabilidade na região”, inclusive do conflito israelo--palestino. Nenhuma palavra sobre Netanyahu e sua política desastrosa. Claro: Netanyahu e Trump são grandes aliados políticos.

    Esse regresso à política de “pressão máxima” de Trump incluiria a aplicação total das sanções dos EUA ao sector energético do Irã, aplicando-as não só a esse país, mas também aos governos e organizações que compram petróleo e gás iranianos.

    Gaza e Líbano continuarão a serem bombardeados impiedosamente. Mais: os esforços serão redobrados.

    No campo interno, a guerra maior será contra os cerca de 13 milhões de imigrantes, os quais serão prontamente deportados. Saliente-se que muitos países da América Central e do Caribe vivem do dinheiro que os imigrantes mandam para seus familiares. Pouco importa: para Trump são criminosos e sujeitos que escaparam de manicômios. 

    Acho que Trump nunca entrou em um hospício. Não sairia de lá.

    A questão democrática é, contudo, a mais grave. A eleição de Trump representa um retrocesso gigantesco para o Brasil e todos os países da região e do mundo que têm governos mais progressistas.

    Trump promoveu o 6 de janeiro, nos EUA, e, caso tivesse sido reeleito, ele teria apoiado o 8 de janeiro, no Brasil.

    Trump representa um perigo para todas as democracias do mundo. Para a democracia brasileira, um grande perigo. 

    Com Trump, obcecado, de forma macartista, pelo “inimigo interno”, como os Pelosi, por exemplo, a democracia estadunidense vai começar a morrer. Donald, com seu amigo Musk, dará continuidade ao 6 de janeiro. Um assalto contínuo e de aparência legal as instituições.

    Por sorte, toda pandemia, biológica ou política, passa, e a ciência acaba desenvolvendo vacinas. 

    Bernie Sanders já começou a desenvolver uma: reaproximar o partido democrata à classe trabalhadora.

    Uma vacina universal.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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