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    Monica Hirst

    Monica Hirst é jornalista, especializada em política internacional

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    Trump 2.0 será dureza para América Latina

    "É indiscutível que nossa região se tornou um fácil saco de pancadas da política internacional trumpista", escreve Monica Hirst

    Donald Trump (Foto: Reuters/Carlos Barria)

    Durante o todo o mês de dezembro anúncios nefastos, que faziam lembrar uma tempestade de meteoritos, foram dando a conhecer um variado elenco das linhas de ação do governo Trump 2.0. Não se quer propor uma gincana em que se compita entre ações que mais inspirem preocupação, até porque será difícil escolher a de maior desumanidade. Exemplo incontestável são as expectativas sobre a mesa relacionadas à política migratória. A nova administração pretende uma abrangente reconfiguração da política migratória americana entrelaçando três tipos de motivações: um processo de limpeza e purificação social-demográfica, o pleno controle da integridade territorial a partir de um eficaz controle fronteiriço e o aperfeiçoamento da segurança interna americana assegurado pela perseguição aos grupos e organizações de crimes organizados. Como já se sabe, a receita propalada durante a campanha presidencial do candidato republicano para cortar o mal pela raiz será a deportação massiva.

    A narrativa trumpista encara a migração desde um prisma securitizado que pretende transformar o imigrante indocumentado numa ameaça. Ademais, de acordo com tal perspectiva, sua vinculação com grupos de crime organizados leva a que este “elemento” esteja associado como ações de natureza terrorista. A entrada de migrantes latinos converteu-se assim num tema demonizado; uma fonte de insegurança doméstica que prejudica a paz interna e perturba a vida cotidiana do cidadão americano. Discriminação, xenofobia e racismo tornam-se reações normalizadas nesta ambientação ideológica, correndo-se o risco de que estas más práticas se tornem impunes nos sistemas de administração pública federais e estaduais. O compromisso assumido por 26 governadores republicanos de apoiar a esta política com seus recursos econômicos e policiais, abre portas e janelas para que a missão se cumpra. Tal impunidade estará legitimada pelo slogan repetido durante toda a campanha do futuro presidente conclamando a recuperação da grandeza da nação. A intenção de dar início a um processo de limpeza social e étnico que compreende uma das receitas para este engrandecimento sacude de um dos pilares da Democracia do país; a chegada de levas sucessivas de imigrantes de todas as partes do planeta para “fazer a América”.

    Uma meta da política migratória trumpista será uma expressiva redução do grupo de refugiados no país. Já ensaiada com sucesso no seu primeiro governo, este propósito é condizente com as intenções isolacionistas do que será a política externa de Trump. Programas de refúgio generosos caminham de mãos dadas com as orientações intervencionistas do liberalismo internacionalista, tão praticadas pelos governos democratas. A lógica é simples. Quanto menos os Estados Unidos se meterem na vida política de outros países, menos compromissos de proteção e acolhimento as vítimas de governantes que violam direitos humanos. De acordo com dados recentemente publicados no New York Times, Trump1.0 finalizou seu mandato em 2020 aceitado a entrada de um reles total de 11,000 refugiados. A partir do governo Biden o programa rapidamente reativou-se, o que significou no ano fiscal de 2023 um acolhimento de 110,000 beneficiados. Garantir que as concessões de refúgio não sejam revogadas será uma das árduas tarefas das inúmeras agências de integração de refugiados que atuam em diferentes partes do país. A promessa de imediata suspensão do Programa por Trump 2.0 indica que anos de retrocesso humanitário prevalecerão.

    Em 2022 o Centro de pesquisa Pew calculava que os imigrantes indocumentados nos Estados Unidos chegavam a 11 milhões de pessoas, das quais 4,5 milhões são de origem latina. O grupo mais numeroso está composto de mexicanos, que neste ano alcançavam 4 milhões. Espalhados por todo o território americano, há uma concentração de migrantes latinos indocumentados nos Estados do Texas, Florida, Arizona e Nova York.

    Nos países latino-americanos já é percebido o impacto político e mesmo psicológico das desventuras que afetarão o movimento migratório de Sul a Norte. Teme-se pelo impacto na vida cotidiana das famílias instaladas nos EUA, especialmente das crianças lá nascidas cuja cidadania não poderá ser retransmitida a seus pais. Além dos desafios econômicos enfrentados pelos diversos segmentos nacionais da diáspora regional, para a qual será dramática a redução dos envios de remessas, começam-se a observar divisões difíceis de lidar no plano da vida pessoal. Foi expressivo o apoio de votantes latinos - devidamente legalizados, por certo, à Trump nas últimas eleições. Nos anos vindouros é de se esperar maior polarização e conflitos no seio das próprias famílias que integram a diáspora latina.

    É indiscutível que nossa região se tornou um fácil saco de pancadas da política internacional trumpista. A rede de aliados, amigos e antigos colaboradores já escolhidos para chefiar as embaixadas americanas será uma eficaz almofada para calar governos, garantir associados e assegurar um relaxado trânsito de interesses, sejam estes de Silicon Valley, Washington ou Miami. Cabe indagar se será possível articular um processo de agregação de forças e posicionamentos por parte da América Latina que se contraponha à tal mis em scéne. Já ecoam algumas reações em países da região à proposta de Trump de reescrever o tratado do Panamá. Será possível vislumbrar esforços aglutinadores que revertessem os anos recentes de paralisia e mesmo apatia do regionalismo latino-americano?

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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