Trump, ao tentar retomar o protagonismo norte-americano no mundo, afunda a ordem ocidental em decadência
"A insistência em restaurar uma hegemonia perdida, por meios coercitivos, não fortalece os EUA — apenas acelera sua marginalização", diz Luis Mauro Filho
No rescaldo da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos assumiram a dianteira da economia mundial com uma autoridade incontestável. Com infraestrutura intacta, produção industrial massiva e capitais concentrados, Washington respondia por cerca de 50% do PIB global entre os anos 1940 e início da década de 1950.
Essa supremacia econômica sustentava a arquitetura da ordem internacional baseada em regras, moldada a partir de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e o GATT (que viria a ser substituído pela Organização Mundial do Comércio em 1995) sob a liderança do bloco ocidental.
Enquanto isso, China e Sudeste Asiático encontravam-se à margem do desenvolvimento. A China comunista vivia isolada, se recuperando dos estragos profundos causados pela segunda grande guerra. Já os países do Sudeste Asiático, lutando pela saída de um sistema colonialista europeu, eram marcados por economias agrárias, conflitos internos e infraestrutura precária. Em 1970, toda a Ásia somava apenas 14% do PIB global.
Esse cenário se transformou de forma profunda e irreversível nas décadas seguintes. A partir dos anos 1980, com a abertura econômica chinesa e a consolidação dos "tigres asiáticos", a Ásia passou de periferia a centro de gravidade da economia global. Hoje, o continente responde por mais de 36% do PIB mundial. A China, sozinha, saltou de 2% em 1980 para cerca de 18% do PIB global em 2023, superando os EUA em paridade de poder de compra e consolidando-se como a maior potência comercial do planeta.
Nesse período, os EUA viram sua participação no PIB mundial encolher para cerca de 24%. O país continua sendo uma potência econômica, mas perdeu a centralidade absoluta que detinha. Com isso, sua capacidade de impor as “regras do jogo” se enfraqueceu, enquanto a Ásia passou a questionar e remodelar os arranjos institucionais globais. A ordem liberal internacional, que funcionava como vitrine do poder ocidental, tornou-se cada vez mais contestada — e menos eficaz.
A crise de legitimidade desse arranjo não é apenas econômica. O modelo liberal-democrático enfrentou retrocessos em diversos países, enquanto instituições como OMC e ONU perderam capacidade de arbitragem e autoridade. A retórica de “valores universais” colide com a realidade de um mundo multipolar e competitivo, no qual novas potências, sobretudo a China, disputam influência e oferecem alternativas.
É nesse contexto que se insere a agenda do presidente Donald Trump. Reeleito em 2024, Trump intensificou a tentativa de “reindustrialização” dos EUA, defendendo uma política econômica protecionista e nacionalista. Com base na perda de empregos industriais — cerca de 5 milhões desde os anos 1990 —, seu governo adotou medidas como tarifas generalizadas de 10% sobre importações, subsídios à indústria doméstica e incentivos fiscais a empresas que mantêm produção em solo americano.
Essa estratégia, no entanto, revela-se anacrônica. Embora as ações tenham apelo eleitoral e apontem para problemas reais da economia americana — como a desindustrialização e o déficit comercial com a China —, a resposta é limitada, pouco lógica e reativa. Não há como refazer o cenário global dos anos 1950. O comércio internacional está mais diversificado, as cadeias de produção são globalizadas e a liderança em tecnologia e inovação já não é exclusividade americana.
O protecionismo de Trump, além de fragmentar o comércio global e desgastar alianças históricas, não enfrenta as causas estruturais da perda de protagonismo dos EUA. Trata-se de uma política voltada ao passado, que ignora a complexidade do presente. A tentativa de manter artificialmente a supremacia industrial americana, por meio de tarifas e barreiras, apenas reforça a percepção de que os EUA já não agem por excelência — mas por medo da decadência.
Enquanto isso, a China avança com estratégias de longo prazo, investindo em tecnologia, infraestrutura e diplomacia econômica. O Sudeste Asiático, por sua vez, cresce em relevância como polo industrial e consumidor. A nova ordem não se define mais por um centro único, mas por uma distribuição mais fluida de poderio econômico, em que Washington é apenas mais um entre vários protagonistas.
Neste contexto, a agenda de “retomada” americana revela sua fragilidade. A insistência em restaurar uma hegemonia perdida por meios coercitivos não fortalece os EUA — apenas acelera sua marginalização. A força que moldou o século XX já não comanda o século XXI. E quanto mais luta para manter o passado, mais se afasta de qualquer protagonismo no futuro.
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