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    Maura Montella

    Professora de Economia da UFRJ com 10 livros publicados, sendo o mais recente "Era só para envolver o Lula na Zelotes". Mestra em Economia Política, Doutora em Engenharia de Produção e Pós-doutora em Linguística

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    Tudo o que eu não sei sobre a guerra na Ucrânia

    "Apesar de nunca ter estado nesses países, o que eu li a respeito de um deles mudou a minha vida ou, pelo menos, meu modo de pensar"

    (Foto: Reuters)

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    Dizem que a implicância da Rússia com a Ucrânia vem de longa data, mas para mim começou esses dias.

    Sou dos tempos dos jogos de tabuleiro, entre eles, um chamado War. Não que fosse meu jogo predileto, mas serviu para me dar uma boa ideia do mapa-múndi. Ideia essa, que foi logo desconstruída com o fim da Guerra Fria e com o desmembramento da antiga União Soviética. Depois da dissolução da URSS, surgiram vários países pequenos, com nomes estranhos, que eu não conseguia decorar nem situar na minha memória geográfica. 

    O interesse de jogar War, que era sobretudo o de fazer companhia para o meu irmão um ano mais novo, também foi minguando com o tempo até se tornar apenas uma carinhosa lembrança afetiva. 

    Terminada a fase dos jogos de tabuleiro, poucas coisas despertaram meu interesse pelas bandas de lá do Leste Europeu. Me chamaram a atenção o surgimento de um país com o mesmo (sobre)nome do meu ídolo à época, o cantor e compositor Osvaldo Montenegro; e a fragmentação da (na minha opinião) melódica Iugoslávia em seis nações (mais uma vez na minha opinião) com nomes bem menos sonoros, como Croácia e Bósnia-Herzegovina. Mas essas são constatações frívolas e superficiais, e não é aqui que quero chegar. 

    Apesar de nunca ter estado nesses países, o que eu li a respeito de um deles mudou a minha vida ou, pelo menos, meu modo de pensar. 

    Tudo começou quando o livro "Non ti muovere" da autora italiana Margaret Mazzantini caiu nas minhas mãos. Sim, porque não somos nós que escolhemos os livros; são os livros que escolhem a gente. Eu fiquei tão enlouquecidamente mexida com a história, que não sosseguei enquanto não achei o livro em português para presentear a minha mãe. E ele existe: assim como o original, chama-se "Não se mexa", publicado pela Companhia das Letras. 

    O livro é narrado por Timoteo, um médico bem-sucedido, que diante da iminente morte da filha depois de um acidente de moto, resolve lhe contar, embora ela estivesse inconsciente, atitudes até então inconfessáveis, como o longo caso extraconjugal que manteve com uma mulher muito mais jovem e bem mais pobre do que ele. 

    Além da maravilha do enredo, o que mais me fascinou foi constatar a genialidade de uma mulher (a autora) ao ser capaz de narrar, em primeira pessoa, os sentimentos de um homem (o protagonista). Eu, Maura, também escrevi um livro em primeira pessoa, o "Era só para envolver o Lula na Zelotes" (Ed. Clube de Autores). Mas o livro conta a história da minha vida durante a dolorosa e injusta prisão do meu marido, numa dessas operações parceiras da Lava Jato, criada tão somente para prender o Lula caso o plano de fazê-lo pela República de Curitiba falhasse. 

    Em outras palavras, o livro é meu, escrito por mim e conta a história da minha vida, mas o livro da Mazzantini, não. O livro foi escrito por ela, mas a história era do Timoteo. Eu, que não me considero capaz de tal façanha, e numa admiração literária descomunal, quis de ler todos os livros dessa notável autora.

    Foi então que chegou a mim, "Venuto al mondo" (Vindo ao mundo), mas que foi traduzido para o português e lançado mais uma vez pela Companhia das Letras como "A rosa de Sarajevo". 

    A história se passa durante a guerra da Bósnia, e Mazzantini é novamente brilhante, porque na minha cabeça não há como narrar um contexto tão duro e cruel como aquele sem ter vivido dentro do próprio contexto, mas até onde eu sei não é um livro autobiográfico, ou seja , a autora não passou pelos horrores da guerra para conseguir descrevê-la à perfeição. 

    Agora, ao contrário do “Não se mexa”, em que eu chorava convulsivamente a cada parágrafo (e quem já leu o meu livro sobre a Zelotes sabe o porquê), no “A rosa de Sarajevo”, muito mais triste e cru, não me lembro de ter derramado uma única lágrima sequer, e era aqui que eu queria chegar. 

    O pano de fundo do livro, que é a guerra, é tão absurdamente triste que te anestesia. Me anestesiou e eu não conseguia extravasar. O que eu quero dizer com isso, trazendo para o momento corrente, é que a despeito do passado nada louvável no que toca às investidas internacionais, seja por parte dos Estados Unidos, do Putin ou do atual presidente da Ucrânia, a guerra é sempre a pior saída. E é a pior por ser tão somente a escolha de uns poucos fanáticos que, em pleno século XXI, ainda usam a força para se impor e sobrepor suas estratégias políticas e seus interesses econômicos a qualquer noção de humanidade. 

    Disso tudo, fica claro que se meu conhecimento de geopolítica permanecesse limitado ao velho e defasado tabuleiro de War (sei que já existem versões modernas do jogo), seria difícil entender o que está acontecendo hoje. Não que eu entenda completamente ou que eu tenha me tornado uma especialista, muito pelo contrário, mas venho seguindo uma fórmula que tem dado certo: leio, me informo e só emito alguma opinião quando tenho certeza do que estou falando. Porque dar opinião só para mostrar que é "muito inteligente" e que é capaz de opinar sobre tudo, ah, isso é coisa de minion petulante e agressivo. E gado (seja na versão bolsomínion ou moromínion), terraplanista, negacionista e fã da tia do Zap, eu sei que não sou. E só de você ter chegado até aqui, sei que você também não é! ;)

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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