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    Pepe Escobar

    Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

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    Tudo que brilha não é necessariamente ouro russo

    O Sul Global terá que decidir se “dinheiro” é representado pelo cassino virtual turboalimentado pelos EUA ou por ativos tangíveis como fontes de energia

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    Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz exclusivamente para o Brasil247

    A União Econômica da Aurásia (EAEU - Eurasia Economic Union) e a China estão começando a arquitetar um novo sistema monetário e financeiro que escapa do dólar dos EUA, supervisionado por Sergei Glazyev e planejado para competir com o sistema de Bretton Woods.

    A Arábia Saudita -- perpetradora do bombardeio, da fome e do genocídio no Iêmen, armada pelos EUA, a Grã-Breatanha e a União Europeia (UE) -- está antecipando o lançamento do petroyuan.

    A Índia -- o terceiro maior importador de petróleo do mundo -- está prestes a assinar um mega-contrato para comprar petróleo russo com um enorme desconto e usando um mecanismo de câmbio direto rublo-rupee.

    As exportações de petróleo de Riade totalizam cerca de US$ 170 bilhões por ano. A China compra 17% deste total, comparado com 21% para o Japão, 15% para os EUA, 12% para a Índia e aproximadamente 10% para a UE. Os EUA e seus vassalos -- Japão, Coréia do Sul e UE -- permanecerão na esfera do petrodólar. A Índia, assim como a China, poderão não fazê-lo.

    O contragolpe das sanções está na ofensiva. Até mesmo um predileto do capitalismo de mercado/cassino como o estrategista uber-nerd do Credit Suisse Zoltan Poznar -- que antigamentente estava no Federal Reserve de Nova Iorque, no FMI e no Departamento de Tesouro dos EUA -- foi forçado a admitir, numa nota análitica, que: “Se você pensa que o Ocidente pode aplicar sanções que maximizarão a dor para a Rússia ao minimizar os riscos de estabilidade financeira e estabilidade de preços para o Ocidente, então você também pode confiar nos unicórnios.”

    Os unicórnios são a marca registrada do massivo aparato de guerra psicológica (psyops) do Otanistão, prodigamente ilustrados pela encenada e completamente falsa “cúpula” de Kiev entre o Comediante Zé e os Primeiros Ministros da Polônia, da  Eslovênia e da República Tcheca e completamente desmascarada por John Helmer e fontes polonesas.

    Poznar, que é um realista, sugere, na verdade, no entêrro ritual do capítulo financeiro da “ordem internacional baseada em regras” que está em vigência desde os anos iniciais da Guerra Fria: “Após o final desta guerra [na Ucrânia], o 'dinheiro' jamais será o mesmo.” Especialmente quando o Hegemon demonstra as suas “regras” ao usurpar o dinheiro de outros.

    E isso configura a doutrina central da geopolítica marcial do século XXI como sendo monetária/ideológica. O mundo, especialmente o Sul Global, terá que decidir se “dinheiro” é representado pelo cassino virtual turboalimentado pelos estadunidenses, ou por ativos reais e tangíveis como fontes de energia. Um mundo financeiro bipolar -- dólar dos EUA x yuan chinês -- está disponível.

    Não há evidências infalíveis -- ainda. Mas o Kremlin certamente pode ter feito um jogo no qual, ao usar as reservas de moedas estrangeiras da Rússia como isca e suscetíveis de serem congeladas por sanções , o resultado final poderá ser o esmagamento do petrodólar. Depois que a enorme maioria do Sul Global já entendeu plenamente até agora que o dólar estadunidense aceito como “dinheiro” e lastreado-em-nada -- segundo Poznar -- é totalmente inconfiável.

    Se este for o caso, diga-se que este é um “ippon” (golpe de judô) dos infernos de Putin.

    É chegada a era do roubo do ouro

    Como eu delineei sobre a emergência de um novo paradigma (https://thecradle.co/Article/columns/7975) do novo sistema monetário a ser arquitetado em cooperação entre a EAEU e a China no advento do petroyuan, surgiu uma discussão séria e informada (http://thesaker.is/say-hello-to-russian-gold-and-chinese-petroyuan/) sobre uma parte crucial do quebra-cabeças: o destino das reservas de ouro russas.

    Circulavam dúvidas sobre a discutível política suicida do Banco Central da Rússia de manter ativos em títulos estrangeiros ou em bancos vulneráveis às sanções ocidentais. 

    Obviamente, sempre há a possibilidade de que Moscou tenha calculado que as nações detentoras das reservas russas -- como a Alemanha e a França -- tenham ativos na Rússia que podem facilmente ser nacionalizados. E que o total da dívida do estado e das empresas russas até excedam o valor das reservas congeladas.

    Mas, e o ouro?

    Até 1º de fevereiro, três semanas antes do início da Operação Z, o Banco Cebntral russo detinha US$ 630,2 bilhões em reservas. Quase metade disto -- US$ 311,2 bilhões -- foram colocados em títulos estrangeiros e um quarto do total -- US$ 151,9 bilhões -- em depósitos com bancos estrangeiros e Bancos Centrais. Não foi uma estratégia exatamente brilhante. Desde junho do ano passado, o parceiro estratégico China detinha 13,8% das reservas russas em ouro e moedas estrangeiras.

    Quanto ao ouro físico, US$ 132,2 bilhões -- 21% do total das reservas -- permanecem in cofres em Moscow (dois terços) e São Petesburgo (um terço).

    Isso quer dizer que nenhum ouro russo foi congelado? Bem, isto é complicado.

    O problema-chave é que mais de 75% das reservas do Banco Central da Rússia estão em moedas estrangeiras. Metade destas são títulos -- como títulos de governo: estes jamais saem da nação que os emitiu. Aproximadamente 25% das reservas estão vinculadas a bancos estrangeiros, na sua maior parte privados, bem como no BIS (Bank for International Settlements) e no FMI.

    É essencial, novamente, lembrar-nos de Sergei Glazyev no seu inovador ensaio 'Sanctions and Sovereignity' (https://rentry.co/sanctions-and-sovereignty ): É necessário completar a desdolarização das nossas reservas de moedas estrangeiras -- substituindo o dólar, o euro e a libra por ouro. Nas atuais condições de um crescimento explosivo do preço do ouro, a sua exportação massiva para o estrangeiro é semelhante à traição e já é chegada a hora do regulador parar com isso.”

    Esta é uma poderosa acusação contra o Banco Central da Rússia -- que estava tomando empréstimos contra o ouro e o estava exportando. Para efeitos práticos, o Banco Central poderia ser acusado de perpetrar um 'inside job' (uma operação com informações privilegiadas). E, subsequentemente, eles foram pegos desprevenidos pelas devastadoras sanções estadunidenses.

    Como diz um analista de Moscou, o Banco Central “entregou alguns volumes de ouro a Londres em 2020-2021. Esta decisão foi motivada pelo alto preço do ouro naquele momento (aproximadamente US$ 2.000 por onça) e dificilmente teria sido iniciada por Putin. Assim sendo, esta decisão pode ser qualificada como muito estúpida, ou até como sendo parte de uma tática diversionista (…) A maior parte do ouro entregue a Londres não foi armazenado, mas foi vendido e transferido às reservas em moedas estrangeiras (em euro ou libras), as quais foram congeladas mais tarde.”

    Não é surpresa que muita gente na Rússia esteja lívida. Faz-se necessário um rápido flashback. Em junho do ano passado, Putin assinou uma lei cancelando as exigências para a repatriação dos ganhos em moedas estrageiras auferidos pelas exportações de ouro. Cinco meses depois, os mineradores de ouro estavam exportando feito loucos. Um mês depois, a Duma (Parlamento russo) quis saber por que o Banco Central havia parado de comprar ouro. Não espanta que as mídias russas entraram em erupção com acusações de “um roubo imprecedente de ouro”.

    Agora está muito mais dramático: a agência russa de notícias RIA Novosti (https://pt.wikipedia.org/wiki/RIA_Novosti) descreveu o congelamento ditado pelos EUA como um “roubo” -- senão, o que mais -- e previu devidamente um caos econômico global. Quanto ao Banco Central, este voltou a operar os negócios de compra de ouro.

    No entanto, nada do acima relatado explica o ouro “desaparecido” que de fato não está em posse do Banco Central russo. E é aí que entra um tipo suspeito como Herman Gref.

    Verifiquemos isto com o deputado da Duma Mikhail Delyagin, que tinha algumas coisas a dizer sobre a bonanza do ouro exportado para Londres:

    “Este processo estava ocorrendo desde o ano passado. Segundo algumas estimativas, foram exportadas 600 toneladas de ouro. Nabiullina (a chefe do Banco Central russo) disse -- quem quiser vender ouro para receber em dinheiro, ou se você minerar ouro e o vender, tenha em mente que o estado, na  minha pessoa, não comprará ouro de você a preços de mercado. Nós o tomaremos com um grande desconto. Se você quiser ganhar um dinheiro honesto com isso, por favor exporte-o. O centro mundial de comércio de ouro é Londres. Consequentemente, todos começaram a exportar e vender ouro lá. Incluindo o Sr. Herman Gref. O chefe do formalmente estatal Sberbank (https://pt.wikipedia.org/wiki/Sberbank) vendeu uma enorme parte das suas reservas em ouro.”

    Veja aqui (https://edwardslavsquat.substack.com/p/why-did-russias-largest-bank-empty?s=r) os fascinantes detalhes sobre as travessuras do Gref do Sberbank.

    Fique de olho no rublo sustentado por ouro

    Este pode ser um caso de 'muito pouco, tarde demais', porém pelo menos agora o Kremlin estabeleceu um comitê -- com autoridade sobre os nerds do Banco Central -- para lidar com esta coisa séria.

    Confunde a mente que o Banco Central russo não cumpra a constituição russa, nem o sistema judiciário; fato é que o Banco Central é subordinado ao FMI. Pode se argumentar que este sistema financeiro arquitetado por um cartel -- implicando em zero de soberania -- simplesmente não pode ser abordado por nação alguma no planeta, e Putin está tentando enfraquecê-lo passo a passo. Obviamente, isto inclui manter Elvira Nabiullina no seu posto, mesmo que ela siga rigorosamente o consenso de Washington ao pé da letra.

    E isto nos traz de volta à possibilidade de altas apostas de que o Kremlin possa ter querido desde o início ir adiante sem restrições, forçando os Atlanticistas a revelar as cartas que tinham em mãos na verdade e para expor o sistema destes em espetacular estilo 'O Rei Está Nú' para um público mundial.

    E é aí que entra o novo sistema monetário/financeiro EAEU/China, sob a supervisão de Glazyev. Certamente podemos imaginar a Rússia, a China e vastas faixas da Eurásia progressivamente divorciando-se do capitalismo de cassino; o rublo convertido em uma moeda sustentada por ouro; e a Rússia centrada na auto-suficiência, nos investimentos domésticos produtivos e na conectividade de comércio com a maior parte do Sul Global.

    Muito além das suas reservas de moedas estrangeiras confiscadas e toneladas de ouro vendidas em Londres, o que importa é que a Rússia permanece sendo a verdadeira potência de recursos naturais. Escassez? Um pouco de austeridade por pouco tempo resolverá isso: nada tão dramático como o empobrecimento nacional dos anos liberais de 1990. Um impulso extra viria da exportação de recursos naturais a preços de desconto para outros BRICS e a maior parte da Eurásia e do Sul Global.

    O Ocidente coletivo acaba de fabricar uma espalhafatosa linha divisória Oriente-Ocidente. A Rússia está virando de cabeça para baixo, para seu próprio lucro: ao final de contas, o mundo está emergindo no Oriente.

    O Império das Mentiras não desistirá, porque não tem um Plano B. O Plano A é “cancelar” a Rússia do espectro Ocidental inteiro. E daí? Russofobia, racismo, guerra psicológica (psyops) 24/7, fatiga de propaganda, turbas de cultura de cancelamento online -- isto nada significa.

    Os fatos importam: o Urso tem suficiente equipamento nuclear/hipersônico para destruir a OTAN em alguns minutos antes do café da manhã e dar uma lição ao Ocidente coletivo antes dos aperitivos pré-jantar. Chegará o tempo quando algum excepcionalista com um QI decente finalmente compreenderá o significado da “indivisibilidade da segurança”.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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