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    Sergio Ferrari

    Jornalista latino-americano radicado na Suíça. Autor e coautor de vários livros, entre eles: Semeando utopia; A aventura internacionalista; Nem loucos, nem mortos; esquecimentos e memórias dos ex-presos políticos de Coronda, Argentina; Leonardo Boff, advogado dos pobres etc.

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    Turbilhão armamentista insano

    A Europa e sua diplomacia do fuzil

    Reunião da Otan (Foto: Leonardo Lucena)

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    Sergio Ferrari, de Berna, Suíça - Desmistificando sua retórica como continente de paz, o Velho Mundo é hoje a segunda região mais militarizada do planeta. Brinca com fogo, como se duas guerras em apenas 110 anos não fossem suficientes para entender o drama da guerra.

    Um relatório recente do Centro Delàs de Pesquisa e Ação para a Paz e o Desarmamento, com sede em Barcelona, Espanha, revela que em 2023 os gastos militares dos países europeus em conjunto foram de aproximadamente 290 bilhões de euros (US$ 312 bilhões), 21% a mais do que no ano anterior. Segundo o Centro, se a participação do Reino Unido e da Noruega, países do continente que não fazem parte da União Europeia, for somada a esse montante, os gastos militares europeus no ano passado atingiram 366 bilhões e 623 milhões de euros (US$ 395 bilhões). O segundo maior do mundo e atrás apenas dos Estados Unidos, maior que o da China e três vezes mais que o da Rússia (https://centredelas.org/publicacions/peaceanddisarmamentineurope/?lang=es).

    Atualmente, a Europa é também o segundo maior exportador de armas do mundo, perdendo somente para os Estados Unidos. Em 2022, os países da União Europeia exportaram € 36 bilhões (US$ 39 bilhões) em produtos militares, dos quais mais de 12% foram exclusivamente para a Ucrânia.

    O impacto belicista da guerra na Europa Ocidental

    O conflito Rússia-Ucrânia -e o apoio maciço incondicional da Europa Ocidental ao seu parceiro Kiev- tem sido o principal pretexto e gatilho para esse acelerado processo de militarização da União Europeia. Um conflito que envolve mudanças de paradigmas desde o início do século XX, quando o continente estava comprometido com "Uma Europa em um mundo melhor", até o presente. Em 21 de março de 2022, dias após o início do conflito russo-ucraniano, o Conselho Europeu aprovou a sua «Bússola Estratégica», um programa ambicioso para reforçar a segurança e a defesa continentais até 2030 (https://www.consilium.europa.eu/es/policies/strategic-compass/#what).

    Como afirma o Centro Delàs no seu relatório Por uma política de paz e de desarmamento na Europa. Propostas para uma Europa de distensão, paz e segurança compartilhada, "A indústria militar e os lobbies de armas desempenharam um papel particularmente importante nesse processo", promovendo a construção de uma Europa da Defesa baseada em fundos para a promoção e venda de armas. Além da simples enumeração de cifras e porcentagens comparativas, explica Delàs, instituição antibélica que faz parte da Rede Europeia Contra o Comércio de Armas (ENAAT, sigla em inglês), a guerra na Ucrânia "trouxe à tona a ineficiência do sistema em garantir a paz e a incompetência daqueles que dirigiram e executaram decisões sobre paz e segurança na Europa". A ENNAT, coautora do relatório, com sede em Bruxelas, nasceu em 1984, reúne cerca de vinte entidades de cerca de doze países do continente.

    Tal como definem os autores do estudo publicado na segunda quinzena de outubro, ele tenta "ajudar a construir uma narrativa alternativa que vá além das críticas às políticas que levaram a Europa à guerra". Seu ponto de partida: a profunda preocupação com um processo histórico marcado por um tom militarista sustentado. Em menos de duas décadas, salientam, o orçamento comum para a defesa da União Europeia triplicou e a identidade continental sobre o tema tem mudado, afastando-se dos seus princípios fundadores, que se centravam na segurança como resposta a possíveis ameaças. Agora, a nova ênfase é "uma visão de segurança e defesa europeias com uma abordagem militarista, baseada na segurança nacional". Essa nova construção coloca os Estados no centro, e não os seres humanos, a natureza e as gerações futuras.

    A diplomacia do armamento não é diplomacia

    O que está em jogo nesse verdadeiro debate sobre a sociedade europeia e os seus paradigmas de defesa e segurança? Os pesquisadores respondem que o fracasso em interromper esse processo de militarização prejudicará qualquer chance de a União Europeia ser um ator confiável na promoção da paz e dos direitos humanos: "Uma Europa militar determinará que as respostas militares da própria União sejam mais frequentes". Dessa forma, será dificultado o desenvolvimento de uma diplomacia disposta a "criar condições que evitem conflitos armados e promovam a paz" por meio de relações de amizade, coexistência e interdependência com os países vizinhos.

    Incorporar a Rússia, essencial para a paz europeia

    De acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI, sigla em inglês), Rússia-Ucrânia, como era em 2022, ainda é o principal conflito bélico. Em 2023, os gastos militares da Rússia como porcentagem de seu Produto Interno Bruto (PIB) atingiram o nível mais alto desde a dissolução da União Soviética: 5,9%. No caso da Ucrânia, foi de 37%. Esses números fornecidos pelo Instituto sueco nos permitem concluir que a guerra está pesando mais na Ucrânia do que na Rússia.

    O impacto do conflito no continente não perdeu peso. Como observa o SIPRI, todos os membros da OTAN, exceto três, aumentaram seus gastos militares. Além disso, onze dos 31 membros da OTAN alcançaram, ou mesmo ultrapassaram, sua meta de alocar 2% de seus respectivos PIBs para fins militares, a maior porcentagem desde o fim da Guerra Fria. No entanto, do ponto de vista do movimento antimilitarização, existem e estão disponíveis alternativas para promover uma abordagem não belicista no continente europeu. Por uma política de paz e de desarmamento na Europa identifica e antecipa algumas vias para promover uma perspectiva de "paz positiva".

    Uma condição quase essencial para "construir a grande Europa para a paz [seria a] incorporação da Rússia ao projeto europeu, qualquer que seja a fórmula que possa ser alcançada [para evitar] definitivamente, a guerra no continente". É necessário, insistem os autores, visualizar a Europa como "uma região autônoma com um papel de neutralidade entre Oriente e Ocidente, capaz de reduzir a tensão e a corrida armamentista que desvia fundos [e impede] responder às necessidades da população (acesso à moradia, educação, saúde)".

    Além disso, acrescentam, seria necessário "sair da tutela da OTAN e dos Estados Unidos, construindo uma segurança que responda apenas às necessidades da população e do território europeus". De igual modo, abandonar o caminho de um hipotético Exército Europeu e consolidar um corpo diplomático continental reforçado e crível, aumentando as suas capacidades e recursos para implementar uma maior política de cooperação entre os Estados-membros.

    Também seria essencial, enfatiza o Centro Delàs, empreender políticas de desarmamento e desmilitarização na Europa e a partir da Europa, uma vez que limitar a disponibilidade global de armas forçará as partes em conflito a procurar outras opções para o uso da violência. Para tal, é essencial que o continente passe de uma Política Comum de Segurança e Defesa, que promove missões militares, para uma de maior Cooperação para o Desenvolvimento tanto para as zonas mais deprimidas dos países europeus como para os outros continentes. Isto implicaria uma mudança fundamental de perspectiva: substituir o desenvolvimento de novos sistemas de armamento que sirvam para impulsionar a indústria militar europeia por uma produção civil, humana e sustentável.

    A luta pela hegemonia militar global, sublinham os autores do relatório, absorve recursos essenciais para o desenvolvimento da Europa e para o bem-estar da sua população. Por isso, não hesitam em confrontar enfaticamente a hipótese de que a corrida armamentista ajudará a alcançar a paz e negar que a cifra arbitrária de 2% do PIB destinada a gastos militares possa resultar em níveis mais altos de paz e segurança no continente.

    O clima de guerra global, com a guerra russo-ucraniana no centro, mas também agravado desde o ano passado pela escalada do conflito no Oriente Médio, está levando todo o planeta a situações imprevisíveis. O uso de armas nucleares reaparece como uma opção menos remota do que há apenas 30 meses. Os escassos 1.300 quilômetros que separam Berlim de Kiev, ou os 2.100 quilômetros em linha reta entre Roma e Beirute, ou a Faixa de Gaza, mostram que os dois grandes conflitos contemporâneos ocorrem nos subúrbios geopolíticos da Europa Ocidental. Um continente mais uma vez sentado em um barril de pólvora com um pavio curto e na encruzilhada de duas concepções totalmente opostas: A que proclama alimentar o fogo através da multiplicação ilimitada de sua própria militarização, e a que se propõe a esfriar as tensões através da intensificação de opções pacíficas, diplomáticas e negociadas. Por enquanto, a irracionalidade da guerra continua a prevalecer.

    Tradução: Rose Lima.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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