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    Denise Assis

    Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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    Um acinte um operário querer dormir em uma cama de 42 mil

    'Há preconceito embutido?', questiona a colunista Denise Assis após a Folha publicar, em tom de crítica, que Lula e Janja têm uma cama de R$ 42 mil no Alvorada

    Luiz Inácio Lula da Silva e Rosângela da Silva, conhecida como Janja (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

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    Uma das primeiras providências de Rosângela Lula da Silva, a Janja, ao visitar o palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República, foi abrir o espaço a uma rede de TV e denunciar os estragos e desfalques que encontrou. Vazamentos, goteiras, sofás existentes rasgados e, a ausência de outros, bem como da cama para o casal e várias peças do acervo oficial do palácio, num total de 261 móveis sumidos. Como se sabe, o palácio da Alvorada é tombado e nada pode ser trocado sem que se faça um inventário, e se peça a aprovação ao IPHAN, órgão responsável pela preservação do patrimônio artístico e cultural do país. 

    Às denúncias de Janja, a antiga inquilina, Michelle Bolsonaro, deu algumas explicações pelas redes sociais, alegando que: "durante o mandato do meu marido, preservamos o Palácio da Alvorada, respeitando a estrutura que é patrimônio tombado e também o dinheiro do povo brasileiro", postou no Instagram. E, exercitando um populismo de apostila, afirmou que a gestão do marido se destacou por “abrir às outras pessoas as portas do Palácio da Alvorada”. 

    Certo é que após vistoriar as dependências do palácio, a curadoria das residências oficiais identificou, inicialmente, os tais 261 móveis desaparecidos, conforme reportagem veiculada pela Folha de S. P. Após três meses, há ainda 83 que não foram localizados. O jornal cita a entrevista à GloboNews, concedida pela primeira-dama, para denunciar o abandono, descrevendo que ela “fez um tour no Alvorada e disse ter encontrado o local malcuidado, quebrado e com móveis faltando”. E acrescentou o seguinte comentário: “A Folha também pediu acesso ao palácio, mas não foi concedido”. O que o jornal quis dizer com isto? Não sabemos. 

    A esta altura, porém, é preciso levar em conta algumas questões. Não queriam os nobres editores da Folha, que o primeiro casal fosse adquirir móveis para compor o ambiente palaciano nas Casas Bahia, certo? Ali, é de se supor, estavam antes dispostos móveis de extrema qualidade e história. Portanto, muito justo que se preocupassem em comprar peças de altíssimo nível. 

    O conjunto que compõe o mobiliário do Alvorada tem tamanha importância que já mereceu estudos acadêmicos e artigos em veículos especializados, como o escrito para a Revista Estudos em Design, Rio de Janeiro, RJ, Brasil (ISSN Impresso: 0104-4249, ISSN Eletrônico: 1983-196X), de autoria de: Fernanda Freitas Costa de Torres e Frederico Hudson Ferreira, sob o título: 

    “O mobiliário de Anna Maria Niemeyer para o Palácio da Alvorada”, fazendo uma referência à autora da concepção dos móveis. “Trata-se de um estudo de caso exploratório e descritivo, que teve como foco principal a identificação histórica do acervo do mobiliário moderno projetado por Anna Maria Niemeyer para o Palácio supracitado, em busca de contribuir com a preservação da memória de mobiliário projetado por ela nas décadas de 1950 e 1960”, descreveram.

    Nem precisávamos ir tão longe. Para justificar o destaque editorial dado pela Folha, bastaria lembrar o seguinte: mereceu tamanho foco e esmero em apuração o arresto das moedas catadas no espelho d’água, por Michelle? Quantos órgãos oficiais foram ouvidos para justificar e detalhar a morte das carpas japonesas, de alto valor, dadas de presente ao Brasil, para o palácio, pelo imperador Hirohito (1901-1989)? Houve desdobramento? Acompanharam o caso?

    Ou, ainda, proporcionalmente, valeu mais repor os móveis, para o casal presidencial ter onde dormir e sentar-se, recompondo com dignidade o conjunto de móveis, ou construir um bunker de R$ 17 mil, para a sala da ex-ministra Damares Alves, onde ela queria uma acústica que abafasse os seus “gritos e sussurros”?

    São tantos os parágrafos, tantas as “fontes” envolvidas na apuração para a reportagem, que só podemos aplaudir tamanho apuro jornalístico. Resta, porém, a pergunta: por que o roubo – sim, é disto que se trata -, de 83 itens do mobiliário do palácio da Alvorada importa tão menos, que a reposição, à altura do que foi perdido, dos móveis da residência oficial? 

    Acaso um operário e uma socióloga não merecem dormir em uma cama de R$ 42 mil (a preço de ocasião) e sentarem-se num sofá que custou R$ 65 mil? É isso mesmo o que estamos entendendo? Há um preconceito embutido nessa lenga, lenga? Ou estão apenas considerando que matar carpas, catar moedas, carregar a cama oficial, furar o couro do conjunto de sofás é menos importante? Sou mais uma reportagem que vá atrás do que foi roubado, dos 83 itens que não foram devolvidos para o patrimônio público, pelo casal antecessor. Quem sabe estão na fazenda do Piquet?!!!! 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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