Um acordo fadado ao fracasso
"Governo israelense busca sobrevida com retorno dos reféns para prosseguir a limpeza étnica da Palestina", avalia André Gattaz
Com a notícia de que finalmente o Hamas e Israel chegaram a um acordo de cessar-fogo, os órgãos de imprensa correram a publicar fotos de palestinos e israelenses comemorando nas ruas, comentando o sucesso da improvável dupla Biden-Trump na efetivação do acordo. Quem acompanha o conflito historicamente, porém, não é otimista com as perspectivas para a região. Ademais, faltou algum senso crítico para reconhecer que o acordo ainda não foi ratificado pelo parlamento israelense, o que na prática o mantém ainda sem efeito. (Também faltou senso crítico à mídia para perceber que os “prisioneiros” palestinos não são prisioneiros, mas reféns, pois foram sequestrados pelo exército israelense na Palestina e levados a Israel, sendo mantidos presos sem julgamento e em condições desumanas. Porém, enquanto foram cerca de 250 os reféns feitos pelo Hamas em outubro de 2023, passam de 10 mil os palestinos atualmente mantidos em cativeiro por Israel).
O acordo de cessar-fogo é o mesmo que foi proposto em maio de 2024 por Joe Biden e à época foi recusado pelo governo de Israel. Neste período o governo sionista não conseguiu nada que pudesse se assemelhar a uma vitória, uma vez que ainda há quase 100 reféns israelenses capturados pelo Hamas mantidos em cativeiro na Faixa de Gaza e o Hamas não foi “completamente derrotado” – o que são os motivos declarados dos ataques genocidas contra Gaza. Internamente, o primeiro-ministro já vinha sendo acusado e julgado por corrupção antes mesmo do início do conflito, e nesse sentido foi-lhe bastante útil o ataque de 7 de outubro de 2023, fornecendo a justificativa para o início de uma nova ofensiva. Conforme afirmei em artigo anterior, com o ataque do Hamas, Israel obteve “um 11 de setembro para chamar de seu”.
Passados 15 meses de conflito, pode-se dizer que Israel tenha conseguido três resultados principais: 1) a destruição completa da Faixa de Gaza, com o assassinato de mais de 47 mil pessoas e a obliteração da infraestrutura da região; 2) o reconhecimento internacional do regime israelense como genocida, transformando-o num pária internacional odiado em grande parte do mundo (sobretudo no Sul global), com o consequente aumento do antissemitismo; 3) o aumento do apoio internacional à criação do Estado Palestino.
O Estado sionista, porém, mesmo fortemente armado e apoiado incondicionalmente pela maior potência militar do planeta, não apenas não conseguiu recuperar a totalidade dos reféns, como ainda acabou por matar algumas dezenas deles nos bombardeios indiscriminados aos centros de população civil em Gaza. E isso tem sido a principal causa de oposição ao governo de Netanyahu, por um crescente movimento popular que vem promovendo manifestações de rua contra o governo e pedindo o retorno dos reféns. Nesse sentido explica-se o súbito desejo do governo israelense em aceitar agora um plano que já havia sido proposto há oito meses.
Não há motivo para otimismo, porém, pois de fato o plano ainda não foi efetivamente aceito por Israel, faltando sua aprovação pelo Knesset, o parlamento do Estado sionista. E com a oposição da ala mais radical da coalizão governista, a aprovação parlamentar pode colocar em risco a própria sobrevivência do governo. Além disso, deve-se considerar o ponto fundamental, que é o desejo do governo sionista de conquistar toda a área da Palestina para ocupação e colonização judaica, expulsando a população nativa num processo de limpeza étnica que se iniciou em 1947, passou por 1967 e é renovado no século XXI com o genocídio de Gaza – como vimos no artigo “Um novo Oriente Médio”, em que reproduzimos o mapa de Netanyahu que representa a Palestina como parte de Israel. A isso deve-se somar o fato de que o governo de Israel historicamente desrespeitou os acordos firmados com os palestinos, assim como desrespeitou e continua desrespeitando as resoluções das Nações Unidas, o que não abre espaço para otimismo. O mais provável – caso o acordo seja aprovado pelo Knesset – é que após conseguir o retorno dos reféns a Israel, o governo reinicie os ataques a Gaza, sob o pretexto de que o Hamas ainda não foi destruído, e intensifique os ataques à Cisjordânia, também um alvo do colonialismo sionista, sob o pretexto de que ali também há “terroristas” (os palestinos lutando por sua terra e sua sobrevivência). As perspectivas, assim, não são nada otimistas para a Palestina, e ainda teremos muitos anos de guerra até que a comunidade internacional se canse de Israel e resolva aplicar a lei que vale para os demais países.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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