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    Aldo Fornazieri

    Professor da Fundação Escola de Sociologia e Política e autor de "Liderança e Poder"

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    Um Brasil de centro-direita

    Somente uma vitória de Boulos poderá tirar o PSOL de um desempenho desastroso

    Guilherme Boulos | Ricardo Nunes (Foto: Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados | Isadora de Leão Moreira/Governo do Estado de São Paulo)

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    Em São Paulo, não deu a lógica. A lógica seria um segundo turno entre Boulos e Marçal. Nunes fez uma gestão medíocre, e os paulistanos queriam mudança. Mas tudo indica que o próprio Marçal se tirou do segundo turno ao publicar um laudo falso a respeito de Boulos. Recebeu uma saraivada de ataques vindos de todos os lados. A grande imprensa se engajou ativamente nessa ofensiva. A diferença entre Nunes e Marçal ficou em torno de 80 mil votos. De tanta esperteza, Marçal morreu pela sua burrice.

    A tarefa de Boulos no segundo turno não será fácil. Não basta atrair os votos de Tábata. Terá que ganhar votos de Marçal e/ou tirar votos de Nunes. A campanha de Boulos cometeu alguns erros significativos no primeiro turno. Construiu-se um candidato ambíguo, com propostas genéricas. A falta de uma identidade de perfil e de programa gerou uma adesão pouco empolgante.

    Uma campanha eleitoral tem três grandes elementos: defesa, ataque e projeção de reputação. No início, Boulos ficou numa posição defensiva, que quase nunca é confortável. Depois, passou para o ataque. O elemento importante para construir o segundo turno – projeção de reputação – ficou negligenciado. Essa projeção se compõe de dois elementos: 1) ênfase nos valores e virtudes do candidato e 2) ênfase em propostas persuasivas e resolutivas das demandas dos eleitores.

    Ao longo dos anos, as esquerdas deram mais importância ao marketing e menos às estratégias. Isso tem produzido campanhas insossas e resultados ruins. Se quiser mudar este quadro, Boulos terá que fazer uma campanha mais incisiva, mais combativa, mais confrontatória e mais mobilizadora.

    No quadro geral do país, os grandes vencedores foram os partidos de centro-direita. O PSD conquistou 867 prefeituras, contra 656 em 2020. O MDB aparece com 832, contra 793 há quatro anos. Em terceiro surge o PP, com 734 prefeitos eleitos no primeiro turno. Em 2020, havia eleito 682. O partido Republicanos foi de 213 prefeituras para 419. O PL cresceu, elegendo cerca de 500 prefeitos, mas ficou longe da meta de 1500 prefeituras. Já o PT passou de 182 prefeituras conquistadas em 2020 para 238 no primeiro turno.

    Nas capitais, 11 prefeitos foram eleitos no primeiro turno, sendo 10 reeleitos. Desses, somente João Campos (PSB) é do campo progressista. O segundo turno será disputado em 15 capitais, sendo que em nove delas haverá candidatos do PL. O PT estará presente em quatro.

    Das 103 cidades que poderiam ter segundo turno, 50 já elegeram os prefeitos no primeiro turno. O PT conseguiu conquistar duas prefeituras, com duas candidatas – em Contagem e em Juiz de Fora. No ABC, conseguiu passar para o segundo turno também em apenas duas cidades: Diadema e Mauá. Em Osasco, mesmo com a candidatura do ex-prefeito Emidio de Souza, o partido foi derrotado no primeiro turno por Gerson Pessoa (Podemos). Em Guarulhos, depois de fechar as portas para o petista histórico Elói Pietá, o PT amargou um quarto lugar com Alencar Almeida. Já Pietá, agora no Solidariedade, está no segundo turno. Quer dizer, o cinturão vermelho das origens do petismo não se refez.

    Em Belém, o prefeito Edmilson Rodrigues (PSOL), que buscava a reeleição, sequer foi para o segundo turno. O partido estará no segundo turno em São Paulo e em Petrópolis. A Rede elegeu quatro prefeitos, e o PSOL nenhum no primeiro turno. Somente uma vitória de Boulos poderá tirar o PSOL de um desempenho desastroso.

    Todo esse quadro revela uma dolorosa e medíocre situação das esquerdas no Brasil. As esquerdas estão sem estratégia. Apresentam propostas quase sempre como receituários formalísticos e vazios de conteúdo. Já não são detentoras da paternidade dos programas sociais compensatórios. Qualquer partido os adota e os implementa em suas administrações.

    As esquerdas não têm alternativas programáticas para a teologia da prosperidade dos evangélicos e para o discurso do empreendedorismo nas periferias à la Marçal. Perderam o voto cativo dos pobres.

    As esquerdas não perceberam os impactos das mudanças tecnológicas sobre o mundo do trabalho. Essas mudanças produziram novas subjetividades e novas demandas nos trabalhadores uberizados, que não são atendidas pelos discursos receituários dos candidatos de esquerda.

    As esquerdas também não captaram as potencialidades que as tecnologias digitais podem proporcionar em termos de inovações de serviços públicos, de articulação de economias locais nos bairros e periferias, na articulação de uma economia colaborativa e de bem comum, na estruturação de novos serviços de saúde descentralizados, na nova abordagem da saúde pública articulando a vida urbana com ecologia, na viabilização de espaços comuns destinados a múltiplas atividades e de conexões na oferta de produtos e serviços locais, na oferta de espaços culturais destinados a atividades criativas, e na necessidade de políticas públicas de letramentos digitais visando impedir a exclusão das populações periféricas.

    Enfim, a necessidade de fazer convergir as transições ecológica e digital suscita uma série de possibilidades inovadoras e transformadoras que são ignoradas pelas esquerdas. Antigamente, o PT se preocupava com a inovação da gestão municipal com o chamado “Modo Petista de Governar”. Hoje em dia, o partido parece tomado pelo espírito da burocracia.

    As esquerdas passam ao largo também da noção de tecnopolítica, entendida como um conjunto de atividades que projetam novas formas de fazer política através das tecnologias digitais, envolvendo estratégias persuasivas com a utilização da psicologia política e da neurociência, de novas formas e linguagens discursivas visando otimizar a persuasão e a construção de narrativas que considerem os impactos da política dos afetos.

    A tecnopolítica permite projetar novas lideranças e novos atores políticos e sociais pelos meios digitais. Não é mais apenas no território ou no movimento social ou sindical específico que se projetam liderança e poder. A direita percebeu os potenciais de projeção das tecnologias digitais há tempo.

    As esquerdas perderam também a capacidade de produzir novas lideranças coadunadas com o nosso tempo. Da mesma forma que ignoram os impactos da transição digital, foram poucas as candidaturas que conferiram centralidade à crise climática e à transição ecológica, temas que afetam a universalidade das pessoas.

    É certo que não existe uma relação direta entre os resultados das eleições municipais e a questão das eleições gerais e da sucessão presidencial de 2026. Mas é preocupante a perda de substância programática e de narrativa das esquerdas. É preocupante a incapacidade de se comunicar. O governo federal sequer consegue tirar proveito do bom momento econômico que o país vive. O governo Lula não tem um projeto de futuro para o país. Há uma dissonância entre o que o governo e as esquerdas pensam e como agem com o espírito do nosso tempo.

    Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política e autor de "Liderança e Poder"

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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