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Francisco Calmon

Ex-coordenador nacional da Rede Brasil – Memória, Verdade e Justiça; membro da Coordenação do Fórum Direito à Memória, Verdade e Justiça do Espírito Santo. Membro da Frente Brasil Popular do ES

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Um passo adiante ou dois atrás?

A esquerda hoje enfrenta um problema crucial em sua identidade e conceitos basilares

(Foto: Ricardo Stuckert)

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São tantos problemas miúdos e macros, que, quando se juntam, esbugalham os olhos, contraem a testa e põem a todos a refletir sobre quais as saídas, estreitas e/ou largas, avanços ou retrocessos.

A esquerda hoje enfrenta um problema crucial em sua identidade e conceitos basilares: existem partidos que carregam a palavra socialista no nome e não tem correspondência na práxis que operam, que têm trabalhismo ou trabalhadores no nome e se orientam pelos anseios da pequena burguesia e da casta burocrática sindical dos trabalhadores.

Existem partidos que, no máximo, se aproveitam da luta, ocasionalmente ideológica e do identitarismo atual, para aumentar o seu eleitorado, sem vinculação à luta de classes.

Esses caminhos táticos, muitas vezes, representam oportunidades importantes para transformar a realidade social e política do Brasil, porém, acabam negligenciados em nome de uma estratégia eleitoral que se preocupa em preservar votos sem propor as mudanças estruturais.

O exercício permanente de Formação, Organização e Participação - FOP- é essencial e perene para a revolução social e empoderamento político das classes trabalhadoras, sem o qual não haverá alteração na correlação de forças.

As eleições municipais têm grande relevância nesta conjuntura, porque são um termômetro de como o cenário político está sendo construído. Mais importante ainda: as eleições locais mostram quais partidos estão conseguindo se aproximar mais do povo, quais são as técnicas e discursos usadas para conquistar a massa popular.

O Partido dos Trabalhadores (PT), do qual Lula foi fundador, organizador e maior liderança, cresceu em popularidade prometendo à classe trabalhadora e à juventude a possibilidade de sonhar sem medo.

Sonhar com o quê atualmente? Com qual utopia, com qual projeto de nação de médio e longo prazo?

O PT prometia ser a frente progressista que levaria o país a um caminho mais inclinado à esquerda, rompendo com as amarras do neoliberalismo e das políticas conservadoras. Entretanto, na prática, o que vemos hoje é um partido social-democrata, que utiliza pautas políticas diversificadas para desviar do rótulo de ser de fato um partido social-democrata, tentando, ao mesmo tempo, manter a sua gênese estatutária de partido socialista.

Ele se apoia em sua base fiel e de longa data para fazer discursos atraentes em períodos eleitorais e aumentar a sua representatividade nas urnas, contudo, perde seu contato de trabalho de base, perde seu contato com o brasileiro médio no seu cotidiano, que, ainda que siga sonhando, mesmo tendo variados problemas cotidianos em casa e ao seu redor, não deposita mais a sua esperança na política para acolher e sim na politicagem mercenária para colher seu voto.

A afirmação de que é preciso ir para as periferias é inconteste, entretanto, não deve ser entendida como abandono da classe média, que é um pêndulo na luta eleitoral. Trata-se de trazê-la para o nosso lado em vez de estigmatizá-la como já foi feito.

O PT tem que assumir que é social-democrata e conscientizar a sociedade do que é um Estado social-democrata.

Os convictamente socialistas de alguns partidos deveriam pensar na constituição de uma frente ou mesmo em outro partido, afinal, não há partido socialista, muito menos revolucionário.

Sem sonhar, o povão se torna presa fácil dos embusteiros das religiões que prometem curas e progresso material em nome de um falso Deus. E isto porque o Estado é ausente e os partidos não fomentam a utopia e um projeto crível de médio prazo, para que o povo os estandardize como bandeiras suas, prospectadas de sua realidade, processadas pelos formuladores e provocadas pelos partidos.

Os valores socialistas de solidariedade, coletivismo, acolhimento, paz, bem-estar, companheirismo e camaradagem, perderam eco pelos dirigentes e militantes.

O capital, por sua vez, está sempre à espreita, pronto para aproveitar qualquer brecha que permita o retorno às privatizações das eleições e às políticas que aumentem a desigualdade entre os partidos e entre os candidatos.

O retorno a esse cenário é um retrocesso que agravará as desigualdades e enfraquecerá o processo democrático.

As sugestões de reformulação do PT devem necessariamente passar por uma nova estrutura organizacional, caso contrário, o partido corre o risco de manter e repetir os erros pretéritos.

O que vem estrangulando o partido é a sua opção preferencial e preponderante pelo viés institucional, republicanista, estrutura organizacional e cronograma voltadas para o calendário eleitoral, sem projeto de nação que galvanize e faça o povo sonhar.

Deixou há muito empo de enfrentar o sistema, a ele se submeteu. Perdeu a identidade socialista e não assume explicitamente a social-democracia como objetivo. Está perdido no tempo e perdendo espaço. Age conforme a biruta das circunstâncias, sem estratégia, de forma intuitiva e amadora.

E a solução não é a volta dos que já foram.

Objetivos sem estrutura coerente dá em água.

João Paulo Cunha defende um ministério para Arthur Lira e trazer o Centrão para mais dentro do governo.

Essa proposta é aumentar as minas internas e não sair do cercado externo. Além de contrariar o grupo Calheiros em Alagoas.

Não querem ir às causas, querem remendar, bandeide, andar que nem caranguejo.

É a praga do pragmatismo sem princípios, sem norte! Se concretizado, serão os dois passos atrás.

Quando Zé Dirceu disse que o governo é de centro-direita, não foi um ato falho, foi certeiro.

O PT tem uma estrutura prioritariamente voltada para a luta eleitoral, com alguns penduricalhos identitários, é necessário para evitar essa torre de pisa, uma torre paralela para equilibrá-la, com os poderes e funções análogas e correspondentes à estrutura vigente.

Abaixo um singelo diagrama ilustrativo desta proposta.

tabela

O PT nestas eleições não teve a visibilidade necessária e obrigatória, principalmente considerando o respeito que deve aos seus milhões de eleitores e à sua base fiel. Focou no curto prazo submetido à equivocada estratégia do governo de fortalecer a amplíssima frente governamental.

A estratégia de reproduzi-la sem a polarização no nível municipal foi amadora e ilusória, e o partido acabou crescendo apenas de maneira modesta em termos eleitorais, enquanto politicamente perdeu força.

Esse enfraquecimento da principal força política de esquerda atinge a todo o campo progressista.

Entretanto, muitos jornalistas ignoram a realidade, não fazem análise da situação concreta, e repetem o discurso de que o PT está envelhecido. Ora, basta observar os 133 eleitos do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), os 27.014 jovens, mulheres, negros e LGBTQIA+, para perceber que o partido tem potencial de relevância renovadora.

Exemplos: Candisse chegou ao segundo turno em Aracaju com mais de 28 mil votos; Mari Lacerda, eleita em Fortaleza para vereadora com 8.034 votos, Tainá de Paula, eleita com mais de 49 mil votos; Pedro Rousseff e Luiza Dulci, ambos eleitos vereadores na capital de Minas Gerais, que, juntos, somam mais de 27 mil votos; Teca Nelma é a mulher mais votada de Alagoas, com 9.969 votos; Luna Zarattini eleita a vereadora com mais de 100 mil votos na cidade de São Paulo; Carla Ayres, mulher LGBT+, reeleita como vereadora com mais de 5 mil votos na cidade de Florianópolis; Karla Coser, reeleita com a maior votação em Vitória-ES; Açucena, a única mulher, lésbica, negra, enfermeira, 25 anos, eleita vereadora no município de Cariacica-ES.

Todos estes nomes são pessoas jovens fazendo história em seus respectivos municípios com candidaturas e votações inéditas, todas dedicados a mostrar a força jovem do Partido dos Trabalhadores.

Essas novas lideranças não fazem uso das mesmas narrativas desgastadas, mas, sim, trazem novas perspectivas e vigor à luta pela transformação social.

O desenvolvimento das forças produtivas é o que gera o antagonismo com o modo de produção vigente.

Independentemente das novas formas de terceirização e precarização do trabalho, com a reindustrialização, a forma fabril de produção tende a aumentar o contingente de operários, que são potencialmente mais propensos a adquirir uma consciência de classe.

Contudo, essa inclusão quantitativa deve ser acompanhada por um trabalho político nas fábricas, nos bairros populares e nas ruas.

Ocorrendo o avanço da reforma agrária, a política do MST aumentará de qualidade e contribuição ao desenvolvimento econômico e social do país.

Há muitos lulistas que acham que Lula toma decisões como um autocrata fechado em sua torre. Não é assim. Lula sempre ouve alguns poucos, entre esses a sua companheira, Janja, e às vezes muitos, para decidir, ocasionalmente levando à perda do timing.

Ele acerta não por ser ungido, mas por ouvir, matutar e decidir. Quanto mais nos manifestarmos com opiniões e pressões, e saibam que sempre chega, direta ou indiretamente, a ele, melhor para a democracia e o povo.

A corrupção, infelizmente, é uma característica intrínseca ao sistema em que estamos submetidos. A sociedade é corruptível, e nos governos, em alguns casos mais, em outros menos, a corrupção acaba ocorrendo. No entanto, a bandeira anticorrupção, que já foi uma das flâmulas da esquerda, saiu de suas mãos.

Chegando próximo aos dois anos de mandato, Lula ainda está pensando em tirar os pobres do Imposto de Renda e taxar os ricos.

O razoável a fazer é uma alíquota de 35% para os que recebem de 30 a 45 mil reais de ganhos mensais, e 50% para os de renda bem acima.

Ouse, presidente, a entrar para a história pela grandeza de suas ações e não pelas tibiezas em lidar com as contradições estruturais do sistema capitalista.

Não pense mais. Faça!

O identitarismo, quando desfocado da luta de classes, serve apenas para a manutenção do “status quo”.

Um exemplo claro disso é a Rede Globo e outras mídias golpistas, que aumentaram a visibilidade de mulheres, negros e LGBTQIA+ em seus quadros, mas que, na prática, não mudaram a ideologia desta mídia golpista e propulsora da estrutura desigual e excludente da sociedade brasileira.

Para os que gostam de números: se temos na população 56% de negros, 53% de mulheres, temos 67% de trabalhadores economicamente ativos.

Sendo que, de per si, nem negros, nem mulheres, acalentam o potencial ideológico de transformação estrutural, somente a classe trabalhadora (sem a qual o capitalismo não vive) é que nutre as potencialidades objetivas para isso, e, para tanto, é imprescindível as condições subjetivas (consciência, motivação, organização...) a fim de conquistar crescentemente seu empoderamento político, que são conseguidas através do exercício contínuo da FOP.

A síntese de mulher, negra e trabalhadora, pode vir a ser a vanguarda social da revolução necessária.

Não é brigar com o identitarismo, é cooptá-lo para a compreensão e operação da luta de classes. Se o PT tivesse o projeto de transformação estrutural, teria em cada bairro de um município comitês de luta social e núcleos eleitorais, e seriam forças mobilizadoras numa eleição municipal.

É indubitável a importância da vitória do Boulos neste segundo turno, e o caminho é o da polarização entre o bolsonarismo genocida versus o democratismo social, aliado às constantes presenças de Lula e demais lideranças do campo progressista na campanha.

Essa combinação reúne as condições potenciais de uma possibilidade de vitória eleitoral e certamente na política de agitprop – imprescindível para o terreno de 2026.

A pane elétrica em SP evidencia a incapacidade dos bolsonaristas na gestão pública municipal e estadual, como foram na gestão federal, alertando aos paulistas para a escolha certa no candidato do Lula.

Um passo adiante e nenhum atrás!

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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