"Um presentão": Walter Delgatti fez aniversário no dia em que Moro foi declarado parcial
O hacker comeu o bolo com a avó, o irmão e duas tias, na frente da televisão, sem perder um minuto da sessão histórica do STF, relata Joaquim de Carvalho
A 780 quilômetros de Brasília, o hacker Walter Delgatti comemorou hoje duplamente. Estava em Araraquara, na casa da avó Otília, com quem mora desde criança.
Festejou a declaração da parcialidade de Moro pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal ao mesmo tempo em que, reunido com dona Otília, assoprou a velinha do bolo de 70 reais comprado pelo Irmão Will.
Walter, chamado de "Vermelho" pelos amigos, completou hoje 32 anos de idade. “Foi o presentão que eu recebi”, disse à Mariani de Cássia Almas, que é ao mesmo tempo amiga e advogada. O “presentão" foi o julgamento que declarou a suspeição de Moro.
Além do irmão e da avó, participaram da festinha as tias Lourdes Delgatti e Márcia Faura. Delgatti comeu o bolo vendo a sessão do STF pela TV a cabo.
Ele sabe que as mensagens tiveram um peso decisivo no julgamento de hoje, mesmo não sendo usadas como argumento central da defesa do ex-presidente.
No entanto, sua divulgação, a partir de junho de 2019 pelo The Intercept, mudou a chamada opinião pública sobre Sergio Moro e a Lava Jato.
Os diálogos travados entre os procuradores e o juiz não deixam dúvida sobre a perseguição judicial a Lula.
O HC sobre a parcialidade do juiz começou ser julgado em novembro de 2018, com dois votos a favor de Moro — o de Edson Fachin e de Cármen Lúcia.
Gilmar Mendes pediu vistas e só cogitou recolocar a matéria em julgamento depois que as primeiras mensagens hackeadas por Walter foram divulgadas, em junho de 2019.
Nessa época, Lula estava preso e, graças às mensagens, começava a se formar no Brasil um ambiente político e jurídico favorável a enfrentar a Lava Jato.
Até então, o país estava em uma guerra não declarada, e aqueles que questionavam a força-tarefa de Curitiba e Sergio Moro eram hostilizados, e perdiam espaço na velha imprensa, parceira da Lava Jato.
Os sinais estavam invertidos.
A Lava Jato atuou contra os interesses do Brasil, como mostram os diálogos agora revelados, em que os procuradores fazem uma aliança com autoridades do Departamento de Justiça dos EUA à margem da legislação brasileira.
O resultado foi um golpe contra a democracia, a Petrobras e outras grandes empresas nacionais, que provocou recessão e desemprego.
Um país que cresceu em média 4,1% entre 2003 e 2013 teve um crescimento pífio em 2014 e queda do PIB em 2015 e 2016, com desempenho insignificante do PIB nos três anos seguintes, em torno de 1%.
Entretanto, o juiz e os procuradores eram vistos como heróis nacionais, uma farsa que as mensagens acessadas por Delgatti revelaram.
Na guerra que o Brasil ainda vive, o herói era o bandido que Moro tentou criar, como ministro da Justiça e com poder inegável sobre a Polícia Federal.
O delegado que conduziu o inquérito, Luiz Flávio Zampronha, tem reputação de seriedade e independência construída desde que divergiu publicamente de juízes no processo do Mensalão, entre 2005 e 2006.
Zampronha denunciou que havia dois pesos e duas medidas na condução dos processos, e investigou a Lista de Furnas, que colocava o à época todo-poderoso Aécio Neves no centro do escândalo de corrupção.
No caso do hacker, entretanto, Zamronha foi exposto quando Sergio Moro telefonou para autoridades como o então presidente do STJ para contar que tinha tido conhecimento das mensagens hackeadas e que as destruiria.
Zampronha diz a colegas que nunca deixou Moro ver as mensagens, mas não duvida que ele tenha mesmo visto as mensagens ou até tido uma cópia.
Se não foi ele quem franqueou o acesso de Moro às mensagens, foi alguém da PF, que, na época, tinha na cúpula delegados que já eram de sua confiança desde Curitiba.
O fato é que o caso do hackeamento das mensagens, do ponto de vista policial, poderia ter se resolvido rapidamente, já que Walter confessou o crime.
Em vez disso, entretanto, as prisões preventivas se prolongaram e cinco amigos de Walter, sem nenhuma relação com essa ação específica, permaneceram presos durante meses.
“Queriam que fizéssemos delação, e insistiram no crime de organização criminosa. Mas delatar o quê? O Walter fez isso sozinho”, diz Danilo Marques.
Para ele, Walter quis jogar “m… no ventilador”. “E conseguiu”, afirmou.
O delegado Zampronha não foi autorizado pela PF a dar entrevista, mas policiais com quem ele conversou dizem ter certeza de que Walter não recebeu nada para acessar e divulgar as mensagens.
“Por que você fez isso? Você é louco?”, comentou um policial quando Walter deixou a prisão.
A vida difícil que o hacker de Araraquara leva hoje, dependendo do aposentadoria de dois salários mínimos que a avó recebe e da vaquinha que sua amiga Mariani organiza, confirma que não houve nenhuma recompensa.
Dois amigos de Walter fizeram acordo de delação premiada, mas nada disseram sobre o hackeamento das mensagens da Lava Jato, porque nada sabem, já que não participaram.
Confessaram crimes de acesso a dados bancários e de cartão de crédito.
Walter nunca foi teve uma vida rica, embora se esforçasse para passar por bacana, como aquele personagem do filme VIP, que enganou celebridades com a conversa de que era filho do dono da Gol.
Walter conseguiu viajar para Las Vegas e Nova York, nos EUA, e fez voos de helicóptero, veículo pelo qual tinha certa fixação.
Danilo conta que um dia recebeu telefonema de Walter, que pediu para ele encontrar um vídeo com barulho de helicóptero e ligar em seguida, fingindo ser um piloto.
“O helicóptero já está pronto, doutor”, disse ele a Walter, que deu um jeito da moça que o acompanhava ouvir.
Moro se esforçou para Delgatti ser visto como bandido — e alguns compraram a versão, inclusive jornalistas que atuam na imprensa independente.
Mas o julgamento de hoje não deixa dúvida: o resultado da ação dele foi altamente positivo para o Brasil.
Chamá-lo de herói pode ser exagero, mas é inegável que ajudou a corrigir os rumos da história do Brasil, entrando sem querer na vida de Lula, o maior líder político do Brasil.
Acessar mensagens privadas nas nuvens é crime?
A Justiça decidirá, mas, em situações limite, como uma guerra, é preciso ter uma visão mais ampla sobre as ações humanas.
O jurista Fernando Fernandes diz que, na ditadura militar, se alguém invadisse um domicílio para registrar que ali era praticada tortura por agentes de Estado, essa prova (ou registro) não deveria ser considerada ilícita.
Walter invadiu o ambiente virtual onde agentes de Estado, desta vez do Ministério Público Federal, tramavam tortura na forma de prisões prolongadas e em locais insalubres e planejavam fazer empresários “mijar sangue”.
O STF formalmente não declarou lícitas as mensagens que revelam os crimes da Lava Jato, mas não há dúvida de que, ao mudar seu voto, Cármen Lúcia deve ter se lembrando do que conversavam Moro, Dallagnol, Januário Paludo, Laura Tessler e os demais membros da quadrilha, ops, da força-tarefa, e viu com clareza quem são os bandidos da história.
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Abaixo, fotos que Mariani Cássia de Almas, a amiga de Walter, enviou com o registro do tempo em que ele comemorava aniversário com os pais e os irmãos, antes que o casal se separasse e ele fosse deixado pela mãe no portão da casa da avó materna.
“Fazia tempo que Walter não tinha um aniversário tão alegre como hoje”, disse Mariani.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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