Uma eleição na mira de um golpe. Como se deu a organização para o 8 de janeiro - Capítulo 1
Jornalista Denise Assis alerta para as articulações do Movimento Brasil Verde e Amarelo, 'grupo informal apoiador de Bolsonaro e com integrantes do agronegócio'
Um relatório produzido por órgãos de investigação oficiais sob o título: “Movimento Brasil Verde e Amarelo: participação, lideranças do agronegócio em atos antidemocráticos e em ações de contestação do resultado eleitoral – aspectos essenciais”, datado de 10 de janeiro de 2023, conta em detalhes como nasceu o movimento de adesão ao golpe de 8 de janeiro, do ponto de vista prático, ou seja: o momento em que os golpistas convencionaram que era hora de botar o bloco na rua. A documentação foi entregue aos integrantes da CPMI, em julho de 2023.
• O Movimento Brasil Verde e Amarelo (MBVA), grupo informal que congrega lideranças do agronegócio, foi um dos principais articuladores dos atos intervencionistas e em apoio ao ex-presidente da República Jair Bolsonaro nos últimos anos.
• Desde o término da última eleição presidencial, membros do MBVA foram identificados como lideranças de bloqueios rodoviários. Um membro foi preso durante um desses bloqueios em novembro de 2022. Muitos dos caminhões que partiram em comboio para Brasília após a eleição para apoiar o acampamento em frente ao Quartel-General do Exército partiram de regiões de influência do MBVA.
• O MBVA possui recursos econômicos e disposição para financiar transporte de manifestantes e ações extremistas, como as ocorridas em Brasília em 8 de janeiro de 2023.
É o que revela o relatório, que acrescenta como surgiu o movimento fruto, segundo o documento, da “insatisfação de lideranças do Agronegócio com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de 30 de março de 2017, sobre a cobrança do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural).
A fundação oficial se deu em Brasília no dia 6 de março de 2018, ano da eleição para presidente vencida por Jair Bolsonaro. Participaram ativamente da fundação do grupo: a Associação Nacional de Defesa dos Agricultores e Produtores da Terra (Andaterra); as Associações de Produtores de Soja e Milho (Aprosojas) de Mato Grosso (e Goiás; e a União Democrática Ruralista (UDR)”.
Há hoje um grande cuidado para se tocar no tema, pois há um esforço de aproximação que vêm sendo costurado entre governo e a turma do agro, pelo ministro da Agricultura, o ex-vice-governador do Paraná, Carlos Fávaro. Porém, do que se sabe, há ainda uma parcela significativa que resiste. Principalmente a turma da Região Sul.
As lideranças do MBVA articulam-se por redes sociais e detêm capital econômico e influência política local.
O MBVA também controla o programa “Sucesso no Campo”, transmitido em TV
aberta e em mídia social. “O programa divulga líderes, pautas e convocações do grupo para manifestações. Formado sobretudo por sojicultores do Centro-Oeste naturais do Rio Grande do Sul, as principais lideranças e fundadores do MBVA são:
• Antônio Galvan (sojicultor em Sinop/MT, presidente da Aprosoja Brasil);
• Jeferson da Rocha (advogado em Florianópolis e porta-voz do grupo);
• Vitor Geraldo Gaiardo (sojicultor e presidente do Sindicato Rural de Jataí/GO);
• Humberto Falcão (sojicultor em Primavera do Leste/MT e proprietário de empresa de
sementes);
• Luciano Jayme Guimarães (sojicultor em Rio Verde/GO e presidente do Sindicato Rural de Rio Verde);
• José Alípio Fernandes da Silveira (sojicultor em Barreiras/BA e presidente da Andaterra);
• presidente da Aprosoja Mato Grosso);
• Alan Juliani (sojicultor em São Desidério/BA e presidente da Aprosoja Bahia de 2017 a 2021).
• Antônio Galvan é considerado por outros coordenadores do MBVA como o "general" do grupo e é investigado por atos antidemocráticos pelo STF. Jeferson da Rocha, chamado de "líder", é ideólogo com discurso radicalizado e que mantém contato com Alex Silva, liderança do Ucraniza Brasil, grupo extremista violento que atua no país desde 2020.
As apurações apontaram Jeferson da Rocha como operador/Ag MBVA.
• Mareio Guapo (canavieiro e presidente do Sindicato Rural de Campo Florido/MG);
• Bartolomeu Braz (sojicultor ex-presidente das Aprosojas Brasil e Goiás);
• Adriano Barzotto (sojicultor e ex-presidente da Aprosoja Goiás);
• Sérgio Pitt (sojicultor em Luiz Eduardo Magalhães/BA e ex-presidente da Andaterra);
• Ney Magalhães (pecuarista em Dourados/MS);
• José Luiz Zaga (sojicultor em Roraima);
• Wagner Martins Borges (pecuarista em Araguaína/TO);
• Juarez Petry de Souza (arrozeiro no Rio Grande do Sul e liderança do "Te mexe Arrozeiro");
• Fabélia Oliveira (apresentadora do Sucesso no Campo);
Segmento secundarizado do agronegócio
O MBVA se apresenta como porta-voz de todo o agronegócio, porém ocupa posição política secundária no setor. De acordo com o conteúdo do relatório, “as lideranças do MBVA têm divergências e influência minoritária na Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a qual criticam reiteradamente. Já na questão do Funrural, quando da fundação do MBVA, observava-se contraposição entre UDR, Aprosojas e Andaterra, de um lado, contra frigoríficos, CNA e grupos hegemônicos do agronegócio, de outro”.
Cita também que “lideranças fundadoras do MBVA foram as primeiras do agronegócio a aderir à chapa vencedora das eleições presidenciais de 2018, mas não obtiveram sucesso em suas indicações para a chefia do Ministério da Agricultura.
Carta de grupos do agronegócio liderados pela Associação Brasileira de Agronegócio (ABAG) em defesa do Estado Democrático de Direito e em crítica à imagem internacional projetada pelo país durante o governo Bolsonaro, publicada em 30 de agosto de 2021, reflete a contraposição direta ao MBVA”.
Em decorrência de sua posição secundária na FPA, as lideranças do MBVA dependem do acesso ao Executivo para fazer avançar suas pautas, tais como a redução da carga tributária no setor, a restrição da demarcação de terras indígenas e o armamento da população civil. Com isso, o MBVA adotou estratégia de atuação institucional de apoio ao governo eleito em 2018, defesa da intervenção militar e fechamento do STF, alinhados com o pensamento do governo que chegava ao poder naquele ano.
Também visando a fortalecer a proteção de seus interesses, coordenadores do MBVA, como Antônio Galvan, Jeferson da Rocha e José Alípio da Silveira, candidataram-se, em 2022, aos cargos de senador e deputado federal por seus estados, mas sem êxito.
O MBVA tem capital próprio e rede de contato com elevada capacidade de arrecadação de recursos. Desse modo, as lideranças do MBVA articularam diversos atos públicos de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro e de defesa de pautas antidemocráticas, como a intervenção militar. Os municípios de influência das lideranças do MBVA são praticamente os mesmos de onde partiram os principais comboios de caminhões com destino a Brasília para as manifestações contra o resultado eleitoral em 2022, assim como nas manifestações ocorridas entre 8 e 10 de setembro de 2021.
Além disso, há vinculação de familiares das lideranças do MBVA aos bloqueios, como é o caso de Sinar Costa Beber, primo de Lucas Beber, que teve contas bloqueadas pelo STF em 12 de novembro de 2022. Outro exemplo é Elton Walker - da família Walker, que enviou comboio de caminhões de Luís Eduardo Magalhães/BA a Brasília em nov. 2022 -, quem doou R$ 30 mil para a campanha eleitoral de José Alípio em 2022.
Destaca-se, por fim, a prisão do delegado suplente da Aprosoja Mato Grosso, Vilso Gabriel Brancalione, em 22 novembro de 2022, por integrar grupo de três pessoas que trocou tiros com a polícia após ter furtado e incendiado pneus em bloqueio em Nova Mutum/MT. A Aprosoja Mato Grosso divulgou nota dissociando-se do episódio. No entanto, além da atuação da entidade no MBVA, vários membros da família Brancalione são próximos da cúpula da Aprosoja Mato Grosso, que é presidida por Fernando Cadore e Lucas Beber, associados de Antônio Galvan.
Um golpe arquitetado com persistência
As manifestações e bloqueios relacionados ao 7 setembro de 2021 estão diretamente associados ao MBVA. Antônio Galvan, que em 2018 havia convocado a participação do agronegócio na greve dos transportadores de cargas, comandou, como presidente da Aprosoja Brasil, reunião na sede da organização, em agosto de 2021, em que o cantor Sérgio Reis convocou bloqueios e a paralisação do país simultaneamente às mobilizações previstas para 7 de setembro. Há fotos, no relatório, em que o sertanejo Reis aparece em reunião coordenada por Antônio Galvan na sede da Aprosoja.
Mobilização contra o resultado da eleição
Lideranças do MBVA atuaram diretamente nos bloqueios e nas manifestações após o segundo turno das eleições:
• Vítor Gaiardo foi identificado como liderança de bloqueio em Jataí/GO.
• Júlio Nunes foi identificado como liderança de bloqueio em Campo Grande/MS.
• Jeferson da Rocha convocou bloqueios e contestação dos resultados eleitorais no programa Sucesso no Campo desde 1 º nov. 2022 e discursou na manifestação em Brasília em 15 novembro de 2022.
• Antônio Galvan contestou o resultado eleitoral em entrevista ao Sucesso no Campo em 6 dezembro de 2022.
• José Luiz Zago e sua filha, Aline Helena Zago, foram identificados como lideranças de bloqueio em Boa Vista.
• Wagner Martins Borges foi identificado como liderança de bloqueio em Araguaína/TO.
Rumo ao objetivo:
Os municípios de influência das lideranças do MBVA são praticamente os mesmos de onde partiram os principais comboios de caminhões com destino a Brasília para as manifestações contra o resultado eleitoral em 2022, assim como nas manifestações ocorridas entre 8 e 10 setembro de 2021. Além disso, há vinculação de familiares das lideranças do MBVA aos bloqueios, como é o caso de Sinar Costa Beber, primo de Lucas Beber, que teve contas bloqueadas pelo STF em 12 novembro de 2022. Outro exemplo é Elton Walker - da família Walker, que enviou comboio de caminhões de Luís Eduardo Magalhães/BA a Brasília em novembro de 2022 -, e doou R$ 30 mil para a campanha eleitoral de José Alípio em 2022.
Com capacidade de mobilização nacional, o MBVA organizou atos em Brasília que contaram com deslocamento de máquinas agrícolas, caminhões e caravanas de suas áreas de influência local. A partir da articulação da sua rede de contatos nas Aprosojas e nos sindicatos rurais, o grupo demanda e coordena doações em suas bases. Os protestos ocorreram após o período de colheita da soja (entre janeiro e abril no Centro-Oeste), quando há maior disponibilidade de máquinas e pessoal.
De acordo com as investigações oficiais o MBVA “organizou atos em série em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro e em defesa de sua pauta: organizou ato na Agrobrasília em maio de 2019 em apoio a reformas econômicas; participou e apoiou o Acampamento "300 pelo Brasil" em Brasília em maio de 2020; organizou ida de tratores e caminhões a Brasília em 15 de maio de 2021; organizou protesto com tratores na sede da Polícia Federal em Sinop/MT em 23 agosto de 2021; liderou manifestações do 7 setembro de 2021, e levou máquinas pesadas a Brasília para a manifestação de 7 setembro de 2022. Lideranças do MBVA também atuaram nos bloqueios e nos atos contra o resultado eleitoral a partir de 31 outubro de 2022”.
O ato "Tomada pelo Povo", convocado para 8 de janeiro de 2023, em Brasília, foi tentativa de reavivar o movimento de contestação do resultado eleitoral em curso desde o término da eleição presidencial. Para os dias 7, 8 e 9 de janeiro de 2023 foram organizados bloqueios de acessos a refinarias e bases de distribuição de combustíveis em todo o país, assim como caravanas com destino a Brasília, tendo como objetivo reverter tendência de esvaziamento do acampamento em frente ao Quartel-General do Exército. A partir do acampamento os manifestantes planejaram dirigir-se à Esplanada dos Ministérios e declararam intenção de invadir o Congresso Nacional. Foi o que constataram os investigadores.
Foram identificados os contratantes de 103 ônibus fretados que chegaram à capital entre 4 e 8 jan. 2023, transportando 3.875 pessoas (Anexo C). Os indivíduos e organizações que contrataram mais de um veículo estão listados abaixo.
Segundo o relatório, “destaca-se a grande pulverização dos contratantes de fretados. Foram observadas, nos dias que antecederam o ato de terror, diversas iniciativas de financiamento coletivo para as caravanas. No entanto, existem também indícios de contratação de múltiplos fretamentos de uma só vez, havendo disponibilização de transporte alegadamente gratuito a quem se dispusesse a viajar. Considerando esses fatores, é provável que diversos contratantes tenham sido utilizados como “laranjas” com o objetivo de ocultar os verdadeiros financiadores das caravanas e dos manifestantes”. (Continua – confiram nesta terça-feira (2) o capítulo 2).
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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