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    Gilbergues Santos Soares

    Historiador e cientista político e professor do Departamento de História da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Especialista em História do Brasil República, com ênfase na ditadura militar e em democracia, suas instituições e em nossa cultura política pretoriana

    17 artigos

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    Uma esquerda que a direita gosta

    Como reverter a realidade que nos arrasta para mais uma ditadura? Deve-se entender que eleição é condição necessária, porém insuficiente para se ter democracia

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    Como assim?! Existe uma esquerda que a direita gosta?! Logo essa direita brucutu que odeia com suas extremadas forças a esquerda verde-amarela, digo vermelha? Se ela não gosta dos liberais, a la FHC, o que dirá dos “esquerdopatas”? Mas, que sinistra seria essa que a destra gosta?

    Dizia Darcy Ribeiro, exagerando é bem verdade, que o “PT é a esquerda que a direita gosta”. Luiz Carlos Prestes dizia que a esquerda “não luta pelo fim da desigualdade por crer num capitalismo bonzinho, sem contradições”. Fosse eu destro não desgostaria dessa esquerda simpática a burguesia. Hoje, parte da esquerda tupiniquim desistiu de lutar pelo socialismo, se é que tentou, por achar ser possível humanizar o capitalismo. Poderia seguir sendo gostada pela direita? Sim, se esta não fosse tão bronca a ponto de não aceitar nem ao menos políticas públicas, que geram crescimento e desenvolvimento, sempre nos marcos do capitalismo, nunca do socialismo.

    Alguns fazem o jogo da direita rústica. Por interesses, estratégicas, táticas, ou seja lá pelo que for, são os que nas eleições (municipais, por exemplo) maximizam lucros e minimizam perdas ao evitar alianças com os que lhes são próximos. São os “puros de alma”, cheios de boas intenções, sempre abertos ao diálogo com Deus e o diabo, não importando se na terra do sol, da lua ou de Marte.

    Desde as eleições de 2018, com a vitória da direita extremosa, que se fala do comportamento egoísta de uns propiciando a derrota de Fernando Haddad e da esquerda. Poderíamos ter melhor sorte se Marina Silva, sempre esquiva, tivesse deixado de lado seus paradoxos e se aliado a Haddad. Tivesse Ciro Gomes, curado de seu orgulho de “cabra macho”, ido ao ato no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que antecedeu a prisão de Lula, e tudo poderia ser diferente.

    É fato que Lula queria uma chapa com Ciro candidato a presidente e Haddad vice. Mas, Ciro rejeitou, lançou chapa com a senhora do agronegócio, Katia Abreu, e, não satisfeito, abriu fogo contra o candidato fascista e contra Haddad como se ambos fossem iguais e ele diferente e melhor que todos. Ciro não tirou votos do candidato miliciano, pois seu eleitorado era consciente para não votar no fascismo, mas um tanto quanto ingênuo em acreditar que o PT era o “mal maior” a se combater. Não sei por que motivos, mas Ciro e Marina foram, sim, a “esquerda” que a direita gosta.

    Mangabeira Unger, que nunca foi mentor de Ciro Gomes que se basta a si mesmo, afirmou que “ele perdeu por arrogância ao recusar aliança com o PT (...) abrir mão do cacife eleitoral de Lula foi gesto de arrogância mortal”. Unger, coordenador da campanha do PDT em 2018, confirmou que foi oferecido a Ciro ser o vice na chapa do PT, para que assumisse a candidatura quando Lula fosse impedido. Ciro, consciente de que a direita gosta de seu papel, recusou. Com sua prisão, Lula entendeu que precisava mudar a estratégia e que urgia minimizar o protagonismo do PT. Ciro entendeu a estratégia, mas errou na tática ao rejeitar o cacife eleitoral de Lula. Ciro, tão dono de si, teve medo de ser teleguiado pelo lulismo. Perdeu ele, perdemos todos!

    Mas, o que fazer para não ser essa “esquerda que a direita gosta”? Como reverter a realidade que nos arrasta para mais uma ditadura? Deve-se entender que eleição é condição necessária, porém insuficiente para se ter democracia. Ela não é o fim único que orienta todos os meios. Ela é tão somente uma forma de se chegar ao poder político. Se até o presidente/miliciano conseguiu entender isso, o que falta a esquerda para mudar suas táticas e estratégias?

    Notas de repúdio não nos servem, nunca serviram! Manifestações de rua não são um fim em si mesmas. Elas servem para mostrar a insatisfação social e importam para que se possa, por exemplo, impedir golpes de Estado. As manifestações são uma via de mão dupla, pois a mãe de todos os paradoxos no Brasil, hoje, é se utilizar a liberdade de expressão para justamente pedir o fim da democracia. Se vamos às ruas gritar FORA PRESIDENTE!, mas ele continua dentro, algo não está funcionando bem. Lutar é preciso, sempre, mas a luta tem que ser feita de uma forma que incomode aquele que nos oprime, pois se ele segue sobrevivendo às manifestações alguma coisa que está sendo feita pela esquerda anda agradando a direita.

     

    A frente ampla que não amplia

    O recente encontro entre Luciano Huck e Sérgio Moro, movimento da direita golpista que se pretende civilizada e que aponta para as eleições de 2022, fez a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, descartar de antemão qualquer possibilidade de uma frente ampla de várias forças (de direita, centro e esquerda) para enfrentar Bolsonaro em 2022. Gleisi desancou a aliança Huck\Moro: “É a junção da Lata Velha com a Lava Jato". A mídia, que integra o conglomerado golpista de sempre, deu destaque para o tal encontro supondo ser esta a solução para o imbróglio, que ela mesma se meteu desde que apoiou o golpe de Estado de 2016 e a candidatura de Bolsonaro em 2018.

    Vendo os porta-vozes da mídia grande, falando em frente ampla, lembrei do imprescindível Leonel Brizola que dizia para sempre desconfiarmos das intenções da Rede Globo, mesmo “quando ela está sendo boazinha”. Lembrei disso naquele dia que baixou um “santo democrático” na “vênus platinada”. Foi quando a Globo, que reconhecidamente defendeu o golpe civil-militar de 1964 e a ditadura militar, a mesma Globo que apoiou o golpe de 2016 e que promoveu a Lava Jato, teve a pachorra de lançar uma "frente ampla" contra Bolsonaro.

    Os irmãos Marinho puseram Miriam Leitão lá na Globo News, num debate com três arautos da democracia liberal: Marina Silva, Ciro Gomes e FHC. A ideia era promover uma “frente ampla” contra Bolsonaro e a favor da democracia, que essa gente tanto despreza. Gleisi Hoffmann, sempre ela, disse que foi “a nata do antipetismo entrevistada pela campeã do mercado”. E foi desse jeito mesmo!

    Além da desfaçatez de ver a árvore defender o machado, "esqueceram” de chamar Fernando Haddad, do PT, e\ou Guilherme Boulos, do PSOL - legítimos representantes da esquerda que lutou e luta contra a ascensão do fascismo. E é preciso lembrar que Haddad não foi para Paris, após a derrota no 2º turno da eleição em 2018, ele ficou aqui e enfrentou os inimigos da democracia.

    Considerando o resultado do 1º turno de 2018, essa gente não tem legitimidade para liderar uma frente ampla articulada por uma emissora habituada a apoiar golpes. Ciro, Marina e Alckmin tiveram, juntos, 18,23% dos votos válidos, enquanto só Haddad teve 29,28%. Qual a representatividade de uma frente ampla que junta alhos e bagulhos? Por que as frentes amplas da Rede Globo não dão espaço para a esquerda? Se a proposta é ser contra Bolsonaro porque os que o enfrentam de verdade não são chamados? Tinha mesmo razão o velho Brizola, é para se desconfiar!

    Falei em notas de repúdio que dão em nada, e lembrei dos manifestos escritos entre a FIESP e o Instituto FHC que dizem para “deixar de lado velhas disputas”. Lutar por vida, democracia, igualdade e liberdade é disputa velha? Falam que esquerda e direita devem ser unir pelo bem comum. Mas, qual? O do povo ou o da elite, pois o que existe mesmo são as classes sociais e seus interesses. Porque divulgar manifestos assinados por Luciano Huck, FHC, Lobão, Alice Setubal (do Banco Itaú) e toda a gente que se "solidarizou" com Aécio Neves, quando ele se recusou aceitar o resultado das urnas de 2014, que apoiou o golpe de 2016, que votou em Bolsonaro em 2018 “para tirar o PT”?

    Estranho ver essa gente “preocupada com a democracia brasileira”, quando em 2019 silenciou ante a escalada fascista. “Deixar de lado as diferenças e lutar pelo bem comum” termina sempre do mesmo jeito, com a esquerda sendo reprimida, presa, torturada e morta. Para tirar a esquerda, que fazia reformas e promovia desenvolvimento social, do poder essa gente promoveu um golpe de Estado, com direito a Lava Jato, e elegeu um fascista. Mas, para tirar esse fascista do poder lançam “manifesto em defesa da democracia”. Estranho, não?! Não posso “assinar” manifestos junto com a direita pois é ela que sempre dá os golpes de Estado no Brasil. Não votei em Haddad, em 2018, para agora me juntar com os que votaram em Bolsonaro. É uma questão de coerência política e ideológica! É uma questão de resistência e, por que não, de sobrevivência!

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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