Uma questão de coerência (e decência)
Até quarta-feira (18), Queiroga "dava a impressão de que não entraria em confronto com seu chefe, mas trataria de não cair no pântano defendido por ele", quando fez uma "virada olímpica", diz Eric Nepomuceno, do Jornalistas pela Democracia. Mostrou que, "em maior ou menor medida, são todos cúmplices da imensa maioria das quase 580 mil vidas ceifadas pela pandemia"
Por Eric Nepomuceno, do Jornalistas pela Democracia
Quando no fim de março Marcelo Queiroga foi chamado para suceder no ministério da Saúde o general da ativa Eduardo Pazuello, cúmplice eficaz do genocídio levado adiante por Jair Messias, alguns destacaram o fato de ele ser médico cardiologista.
Ou seja, era alguém do ramo sucedendo a quem ao assumir sequer tinha ideia do que era o Sistema Único de Saúde, o SUS.
Além disso, depois da imunda subserviência de um general da ativa do Exército diante de um capitão da reserva com péssimos antecedentes em seus tempos de caserna, um médico talvez significasse uma mudança nos rumos do governo. Por menos profunda que fosse, diante da catástrofe levada a cabo por Pazuello e a cambada de militares por ele espalhada pelo ministério, qualquer mudança seria bem-vinda.
Demonstrando cintura de praticante de bambolê, Queiroga tratou de oscilar buscando algum equilíbrio entre o respeito mínimo à ciência e os delírios demenciais de Jair Messias.
Além de não querer contradizer abertamente as aberrações cotidianas expelidas pela boca presidencial, dava a entender sua intenção de preservar espaço para levar adiante medidas eficazes tanto na distribuição de vacinas compradas com atraso criminoso como na divulgação da necessidade premente de se adotar medidas preventivas.
Chegou a dizer que um grupo de estudos do ministério examinava a questão de uma das obsessões mais alucinadas de Jair Messias, a tal da cloroquina, e parou por aí. Quando o presidente reiterou seus ataques contra o uso de máscaras, acrescentou que outro grupo estudaria a questão.
Ou seja, dava a impressão de que não entraria em confronto com seu chefe, mas trataria de não cair no pântano defendido por ele.
Isso, até a quarta-feira, dia 18 de agosto de 2021.
Nesse dia ele aceitou dar uma entrevista a um site bolsonarista que está sendo investigado por espalhar mentiras. Para piorar, o mais radical dos sites financiados sabe-se lá por quem, e que distribui imundícies para uma vasta e alucinada audiência se seguidores fanatizados do Genocida.
Na entrevista, Queiroga exibiu uma virada olímpica em sua atitude. Se quando compareceu à CPI do Genocídio anunciou, todo pimpão, que havia determinado o uso obrigatório de máscara no ministério da Saúde, agora se declara contra a obrigatoriedade do seu uso. Diz que, em vez de obrigar, é melhor “conscientizar a população”.
E foi mais longe em sua adesão ao bolsonarismo mais radical: criticou quem questiona a volta às aulas presenciais, e ainda debochou da necessidade de vacinar os professores antes de adotar essa medida.
Suas declarações provocaram um espanto primeiro, e um terremoto depois, nos meios médicos e científicos. Da mesma forma que não se esperava que ele confrontasse abertamente Jair Messias, não se esperava que exibisse de repente uma submissão especialmente gritante.
No fundo, porém, trata-se de uma exibição de coerência. Entre o que diz a ciência e o que diz o mandatário que cada vez mais escancara um eloquente desequilíbrio sem volta, Queiroga optou pela cumplicidade e a submissão. Se uniu aos seus colegas de governo.
Ainda que de maneira menos escandalosa que seus pares de ministérios, confirmou que sem exceção alguma, nenhum – nenhum – dos que cercam Jair Messias vale coisa alguma.
E que, em maior ou menor medida, são todos cúmplices da imensa maioria das quase 580 mil vidas ceifadas pela pandemia.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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