Uma rara chance de reflexão
"Curso remoto sobre militares brasileiros estimula debate necessário a democracia", escreve Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia
Por Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia
Neste país onde generais ocuparam o centro do poder político através de um governo eleito pelo voto, é fácil reconhecer a urgência de se debater o papel dos militares na vida pública -- passo indispensável para uma correta compreensão de seu papel numa democracia.
Mais difícil é ter a oportunidade de encontrar um debate qualificado sobre o assunto, com a presença de professores e autoridades que conhecem o tema de perto, seja pela convivência direta, seja por décadas de reflexão -- ou pelas duas atividades combinadas.
Preparado pelo professor Manoel Domingos Neto, hoje a principal referência naquele universo intelectual em que a atividade acadêmica se encontra com o debate político, a partir de terça-feira, 6 de julho, o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé inicia um ambicioso curso remoto, que tenta responder a este desafio.
Intitulado "Introdução ao Estudo do Militar Brasileiro -- como se formam e se expressam os humores dos quartéis", a idéia é atravessar cinco séculos de história do país através de 32 aulas, com duas horas de duração cada uma, para debater o papel dos militares ao longo da história do país.
Embora focalize o período colonial, a República Velha, o Estado Novo e assim por diante, sua prioridade é debater o período histórico atual, que inclui a ditadura militar de 1964-1985, a repressão política, a democratização, a Constituinte e o governo Bolsonaro.
Idealizador do curso, Manoel Domingos dará todas as aulas e, em vários momentos, contará com a companhia de convidados especiais-- 35 ao todo -- para debater temas específicos, em aulas determinadas. Estará presente José Murilo de Carvalho, autor do indispensável Forças Armadas e Política no Brasil, pioneiro ao desenvolver o conceito de tutela militar sobre o sistema político.
Para falar de um tema delicadíssimo da Carta de 1988, o artigo 142, que define o papel das Forças Armadas na defesa da Lei e da Ordem, o curso contará com José Genoíno, testemunha ocular da intervenção do general Leônidas Pires Gonçalves, então ministro do Exército, nos trabalhos da Constituinte.
Em momentos diferentes, terá o testemunho de Nelson Jobim e Celso Amorim para falar das respectivas passagens pelo Ministério da Defesa, em épocas distintas.
A brasilianista francesa Maud Chirio, autora de uma pesquisa original sobre a política nos quartéis -- focalizada em militares de baixa patente, que deram apoio ao golpe de 64, mas terminaram derrotados politicamente -- também foi convidada a participar.
"Precisamos qualificar o debate político para poder controlar os instrumentos de força do Estado", explica Manoel Domingos, referindo-se ao imenso desconhecimento sobre o universo militar que impera na sociedade civil brasileira. "A gente não pode controlar aquilo que não conhece", acrescenta. Antigo militar da Ação Popular, o professor foi preso e torturado sob o regime militar. Expulso do país, exilou-se na França, de onde retornou no final de 1974, com um doutorado na Sorbonne.
Quase meio século depois, impossível deixar de concordar com uma das mais clássicas advertências sobre a evolução humana:
-- Os povos que não conhecem a própria história estão condenados a repetí-la.
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* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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