Uma única mulher no STF e uma aula de defesa da democracia
Ministra proferiu um voto magistral contra o ex-presidente Bolsonaro e outros sete acusados pela tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022
A Ministra Cármen Lúcia, atualmente a única mulher no Supremo Tribunal Federal (STF), proferiu um voto magistral no julgamento da Primeira Turma sobre a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Bolsonaro e outros sete acusados pela tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Seu voto teve um fio condutor claro: a defesa da democracia.
Golpes não acontecem em um dia
A Ministra iniciou sua manifestação citando a historiadora Heloisa Starling, da UFMG, para reforçar um ponto essencial: golpes não ocorrem em um dia e tampouco se encerram em uma semana. No Brasil, há uma cultura de tentativas de ruptura institucional, uma espécie de "máquina" golpista que opera ao longo da história. Essa dinâmica se manifesta em tentativas de impedir posses de vice-presidentes, na destituição de presidentes de forma questionável e na tentativa de uso do Judiciário como instrumento de desestabilização.
No contexto dos ataques do 8 de janeiro de 2023, a Ministra apontou que sinais de instabilidade já estavam colocados. Ela fala em “ruído debaixo dos pés”. Por isso o STF antecipou a diplomação do Presidente eleito e a tensão cresceu na véspera dos ataques. A Presidente do STF à época, Ministra Rosa Weber, telefonou insistentemente para autoridades, alertando sobre ônibus, lotados de manifestantes direcionados à Praça dos Três Poderes. O pedido de reforço na segurança não foi atendido.
As provas nos autos demostram que os acontecimentos não foram atos espontâneos. Foi um movimento que incluiu campanhas de desinformação contra as urnas eletrônicas, tentativas de impedir eleitores de votar e ataques sistemáticos a instituições democráticas.
A democracia vive da confiança, a ditadura da morte
Por que esses ataques podem ser aceitos como evidências de tentativa do golpe? Para Cármen Lúcia, porque a democracia se sustenta na confiança da sociedade em suas instituições. É a confiança na garantia dos direitos individuais e coletivos, inclusive o da vida, que faz com que a população rejeite regimes autoritários. Perdida essa confiança, a população pode agir contra os próprios interesses. Em um dos momentos mais fortes de seu voto, a Ministra nos alerta:
“Ditadura vive da morte. Não apenas da sociedade, não apenas da democracia, mas de seres humanos, de carne e osso, que são torturados, mutilados, assassinados, toda vez que contrariar o interesse daquele que detém o poder para o seu próprio interesse.”
Sua reflexão reforça um ponto central: independentemente da ideologia, toda ditadura massacra indivíduos e coletividades. Quando o Estado de Direito é destruído, resta o arbítrio de quem ocupa o topo do poder. Ainda que a democracia tenha falhas, nela se pode resistir, lutar para promover mudanças, sem o risco do arbítrio.
O julgamento de um golpe fracassado e o futuro da democracia
Assim, não basta que sejamos contra golpes; precisamos enfrentar a cultura golpista que age no Brasil. Este julgamento é um marco histórico: pela primeira vez, uma tentativa de golpe está sendo julgada. E isso pode desmascarar justificativas oportunistas e manipuladoras sempre utilizadas.
Não, o golpe de 1964 não visava salvar o Brasil do comunismo. Em 2022, a questão não eram riscos de comunismo, ameaças econômicas ou problemas morais da esquerda. Eram projetos pessoais de poder de autoridades visando manipular a população para viabilizar mais uma ruptura democrática.
Felizmente, o golpe não deu certo, e a história está sendo contada não pelos golpistas, mas pela resistência democrática.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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